sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O sindicato dos magistrados do MP denunciou a ladra agente de execução Maria João Marques

 https://www.dn.pt/sociedade/licenca-para-roubar-14786618.html/

“LICENÇA PARA ROUBAR”

GRANDE REPORTAGEM E INVESTIGAÇÃO

 Faltam milhões de euros nas contas-cliente de alguns agentes de execução. Esses valores foram desviados das penhoras que fizeram de salários, pensões e até subsídios de desemprego, no âmbito de processos executivos, para as suas contas pessoais ou de empresas que controlam. Estes profissionais estão a enriquecer à conta da miséria dos portugueses, porque quem recebe esta fatura são os próprios executados, que acabam por se ver obrigados a pagar duas vezes a mesma dívida, num sistema injusto, no qual parece haver uma espécie de licença para roubar.

LICENÇA PARA ROUBAR

 Faltam milhões de euros nas contas-cliente de alguns agentes de execução. Esses valores foram desviados das penhoras que fizeram de salários, pensões e até subsídios de desemprego, no âmbito de processos executivos, para as suas contas pessoais ou de empresas que controlam. Estes profissionais estão a enriquecer à conta da miséria dos portugueses, porque quem paga esta fatura são os próprios executados, que acabam por se ver obrigados a pagar duas vezes a mesma dívida, num sistema injusto onde parece haver uma espécie de licença para roubar.

 Maria João Marques foi a última agente de execução a ser acusada recentemente pelo Ministério Público de Sintra de peculato, branqueamento de capitais, falsidade informática e falsificação de documentos. A terceira secção do Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público do Tribunal de Sintra considerou que, desde 2007,a arguida terá delineado um plano com o marido para se apropriarem das quantias das penhoras.

Entre 2007 e 5 de setembro de 2014, altura em que foi suspensa, Maria João Marques, o marido, Rui Matques e Ana Cristina, uma funcionária do escritório também arguida, terão desviado um total de 351729,16 euros das penhoras de processos de ação executiva que a antiga agente de execução tinha à sua responsabilidade.

 Segundo a acusação, o dinheiro das penhoras, que devia ter entrado nas 13 contas-cliente de Maria João Marques, terá sido transferido para as suas contas pessoais, do marido e de uma empresa que constituíram na Madeira- a Oceanflowers, SA- e que não tinha nem empregados, nem atividade, apenas contas bancárias, numa tentativa de branquear o rasto do dinheiro desviado.

 Foram oito anos de investigação num processo que conta com 22 volumes, 78 apensos e 60 testemunhas de acusação, algumas ouvidas através de cartas rogatórias enviadas para setes países.

 No entanto, o GRiDigital (www.GRidigital.pt) concluiu que a acusação analisou apenas uma pequena amostra e detetou este valor desviado em apenas 12 dos mais de 23 mil processos da antiga agente de execução.

 Patrícia Duarte, agente de execução substituta de Maria João Marques, foi obrigada a liquidar os valores movimentados em cada um dos processos da antiga colega. Oito anos depois, já conseguiu ver à lupa 6 500 dos nove mil processos e garante que faltam mais de dois milhões de euros provenientes de penhoras nas 13 contas-cliente da antiga agente de execução. Um valor muito superior aos 351 mil de que a arguida foi acusada de desviar ilicitamente.

“Isso quer dizer que o crime compensa. Eu posso roubar aquilo que quiser, mas só sou acusada de uma pequena parte”, ironiza. “Não acredito que, de dois milhões e poucos euros, a dra. Maria João não tenha 350 mil para repor”, observa Patrícia Duarte, ao ser confrontada com o baixo valor que consta da acusação.

 António Marinho Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, corrobora a mesma ideia: “Na ação executiva em Portugal, o crime compensa”. Durante anos, Maria João Marques e o seu marido terão prejudicado milhares de pessoas – executados que terão pagado e exequentes que não terão recebido. “O criminoso nunca sai a perder, e era importante que fosse o contrário, que quem comete um crime saísse a perder. Não só com o que locupletou indevidamente, mas também com uma parte do seu próprio património para ter um efeito dissuasor de futuras práticas idênticas”, acrescenta o antigo bastonário.

 Maria Rego garante ser uma das vítimas desta antiga agente de execução. Em 2003, comprou uma televisão a prestações no El Corte Inglês e assegura que pagou cada tostão. No entanto, a financeira da empresa considerou que não terá pagado quatro prestações e, em 2008, mandou a agente de execução Maria João Marques penhorá-la. “Fui ao escritório da Parede e disse que tinha todos os recibos para mostrar, mas viraram-se para mim e disseram que há muita gente que diz que pagou e depois fica sem as casas, porque não pagou”, relata indignada, enquanto mostra os recibos já envelhecidos pelo tempo.

À conversa com as vizinhas, Maria Rego desabafa sobre o “inferno” em que se tornou a sua vida. “Vizinha, eu estou aqui por causa de uma televisão que comprei há 20 anos, mas eu tenho aqui os recibos todos”, conta, exasperada. Há mais de duas décadas que guarda num baú em casa os papéis que comprovam os pagamentos do aparelho televisivo. “Se me procurarem a mim, eu não tenho recibos nenhuns”, confessa a vizinha de Maria, espelhando a realidade da maioria dos executados.

Maria João Marques nunca terá entregado os valores penhorados ao credor. Anos mais tarde, a financeira do El Corte Inglês – a maior lesada da agente de execução agora acusada – vendeu parte desses créditos à Intrum, empresa de gestão de cobranças, que, agora, voltou a penhorar Maria Rego. “Hoje, vêm uns e põe-me um papel na porta. Amanhã já são outros. Para o ano, se for preciso, vêm outros de outro lado e eu nunca mais me vejo livre disto. Mostro os recibos, penso que acabou o pesadelo e, no ano seguinte, está outro pesadelo à porta”, remata revoltada.

 Patrícia Duarte garante que herdou os problemas da antiga colega. É ela quem recebe os telefonemas das vítimas no seu escritório onde está inundada por mais de 11 mil processos de Maria João Marques. “Eu não posso fazer mais. Se o dinheiro foi desviado e não entrou nas contas, o exequente não o recebeu, a dívida subsiste e nós temos de prosseguir com a penhora”, reconhece, impotente. “No limite, o executado é penhorado duas vezes e fica revoltado, mas paga novamente para se ver livre da dívida”.

 Maria Rego já tem uma televisão nova que comprou a pronto, porque se recusa, desde essa altura, a contrair mais créditos. “Sou pobre, mas séria. Sempre paguei as minhas dívidas. Devia arranjar os dentes, mas não tenho dinheiro”, desabafa. “O dentista veio falar-me num crédito. Deus me livre, não quero mais créditos! Ainda hoje, passados mais de 20 anos, não me vejo livre deste pesadelo!”.

 Impotente também é como se sente Eugénia, que, em 2007, aceitou ser fiadora da empresa informática para a qual trabalhava na contração de um crédito de 25 mil euros à Cofidis para comprar um carro. Em 2010, a empresa deixou de conseguir pagar a prestação e resolveram vender o automóvel para acabar com o crédito. “Nós íamos conseguir vender o carro por 15 mil e eles venderam por dez. Ou seja, em vez de ficarmos a dever só cinco mil, ficámos a dever dez mil”, relata. “O contacto que tínhamos não nos atendia e, às tantas, entrou essa senhora agente de execução”. A agente de execução a quem se refere é Aurora Boaventura, que foi expulsa e condenada a sete anos de cadeia por peculato. Saiu antes do tempo, em abril de 2020, na sequência da pandemia. Hoje, está novamente no banco dos réus por causa de outras vítimas.

Aurora Boaventura penhorou o ordenado de Eugénia para pagar os 9 911 mil euros que esta ainda devia. Durante dois anos e meio, a empresa para a qual trabalhava descontou os valores diretamente do ordenado e depositou-os na conta-cliente desta agente de execução. Passaram-se oito anos sem que Eugénia fosse incomodada. Em julho de 2021, Carlos Madaleno, o agente de execução substituto, voltou a penhorá-la pela mesma dívida.

“Eles venderam o carro e fiquei a dever dez mil euros. Depois, penhoraram-me o ordenado na empresa informática onde trabalhava durante dois anos e meio, descontaram 21 mil euros e, agora, oito anos depois, vêm pedir-me o dinheiro novamente, porque a agente de execução o roubou”, conta. “Que culpa tenho eu disso? Eu paguei. Se o dinheiro não foi entregue à Cofidis, o problema não é meu”.

O advogado de Eugénia, Abel Correia, mostra todas as transferências que entraram nas contas-cliente de Aurora, garante que a dívida está mais que paga e insurge-se contra o Estado, considerando que este se “deveria responsabilizar por estas situações”. “Esta senhora tinha o poder de ser agente de execução, porque lhe foi conferido pelo Estado”, afirma, “As pessoas não podem ser obrigadas a pagar novamente, porque isso não é justo”.

“Há pessoas a pagar duas e três vezes a mesma dívida, porque a primeira vez que pagou o agente de execução ficou com o dinheiro. A segunda vez que pagou o agente de execução voltou a ficar com o dinheiro”, aponta Marinho Pinto. “Têm de pagar terceira vez e o Estado lava daí as suas mãos? Isto não significa nada para o Ministério da

Justiça, para o Presidente da República, para a Assembleia da República, para os senhores deputados?”, questiona indignado.

  O agente de execução que substituiu Aurora penhorou o reembolso do IRS de Eugénia e, agora, até o subsídio de desemprego. “O objetivo é cobrar a dívida, não é arruinar as pessoas. Eu já paguei! Isto não pode ser um problema meu.Vão atrás da senhora agente de execução. Ela não tem bens? Penhorem-na a ela!”, diz, revoltada.

 Até hoje, a liquidação das contas dos oito mil processos desta agente de execução não está concluída – isto, apesar de Aurora Boaventura já ter sido expulsa da Ordem Profissional, condenada, presa e até ter cumprido a pena.

O advogado de Eugénia já fez várias queixas, sempre sem resposta, ao processo e ao agente de execução substituto que, só agora, após esta entrevista, se mostrou disponível para acertar as contas e suspender a nova penhora. “Uma situação como esta em que há documentação com prova associada, as comunicações, os descontos, as transferências bancárias, e não há ninguém que diga ‘Não, esta pessoa fez tudo bem. Porque é que vai ser penalizada de novo, tendo que pagar

aquilo que já pagou?’”, constata. Sem os procedimentos de liquidação findos, nem Eugénia que pagou, nem a Cofidis que não recebeu podem procurar ser ressarcidos.

Aurora Boaventura era sócia do escritório de António Gomes da Cunha e de José Resende, antigo bastonário da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), que perdeu as eleições em dezembro de 2021. A OSAE incumbiu-a de fazer a liquidação dos processos do colega Gomes da Cunha, o agente de execução que chegou a ser presidente da Câmara dos Solicitadores. Viciado em jogo, foi apanhado a gastar o dinheiro das penhoras no Casino do Estoril. O relatório da investigação da Polícia Judiciária afirma que terá gastado mais de um milhão e meio de euros nos casinos, em apenas 38 meses.

Em 2011, Gomes da Cunha foi apanhado numa escuta telefónica com Brás Duarte, na altura presidente do Conselho Superior da

Câmara dos Solicitadores. Perante a preocupação de Brás Duarte com o facto de os colegas mexerem “inadvertidamente” em dinheiro que não é seu, Gomes da Cunha confessa: “No meu cálculo, faltam 22 milhões de euros nas contas-cliente”, ao que Brás Duarte responde com um palavrão.

O agente de execução condenado prossegue: “(…) mas não tenho prova disto. Agora, vou dizer-te uma coisa, sete milhões faltam na caixa de compensações ou mais, e isto é sintomático. Uns é por birra, outros é por descontrolo total e outros, muitos, é porque não têm dinheiro para devolver”.

Dois meses depois desta conversa, Gomes da Cunha foi detido por ter desviado, ele próprio, quase meio milhão de euros das penhoras. O caso foi apresentado ao Ministério Público na madrugada de 1 de abril já com uma confissão de culpa e de dívida assinada. Ademais, o antigo agente de execução entregou duas casas e 50 mil euros para compensar apenas um executado e, em 2017, acabou condenado a quatro anos de pena suspensa.

Até hoje, a liquidação dos milhares de processos que tinha à sua responsabilidade não foi feita pela OSAE e as vítimas ainda não foram ressarcidas e continuam a ser penhoradas por dívidas q ue já pagaram. É o caso de Renata Silva, uma mãe divorciada de 48 anos que anda, há mais de dez anos, a ser penhorada pela dívida de condomínio que já pagou duas vezes. “Era um valor exorbitante que eu depois tive de lhes pagar de novo, se quis ficar com tudo liquidado e que não me chateassem mais”, lamenta.

Renata Slva até já vendeu esta antiga casa, mas continua com a dívida do condomínio e com o seu nome na lista negra do Banco de Portugal -a Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) – não podendo, ainda hoje, comprar nada a crédito. Agora, está a ser penhorada uma terçara vez pela mesma dívida: “Em Fevereiro, soube pelo banco que tenho as minhas contas bancárias bloqueadas por causa da mesma dívida”, desabafa “A quem é que eu me queixo para isto acabar de uma vez por todas?”

Gomes da Cunha foi expulso da atividade em 2012 e hoje não tem nem IRS nem bens em seu nome para poder ressarcir as suas vítimas. “O senhor nunca apareceu com os dinheiros”, expõe Renata “Pura e simplesmente desapareceu”. A liquidação das contas dos milhares de processos que tinha à sua responsabilidade ainda não foi feita e há milhares de eu tos parados nas suas antigas contas-cliente, que fiaram bloqueadas e que estão a render juros.

“COLAPSO DO SISTEMA DISCIPLINAR”: CENTENAS DE PROCESSOS À BEIRA DA PRESCRIÇÃO

Em 2003, Celeste Cardona, à data ministra da Justiça, privatizou a atividade dos agentes de execução. Com a troika, em 2013, surgiu a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de justiça (CAAJ), a entidade administrativa que supervisiona e regula a atividade dos auxiliares da justiça. Quatro anos depois, a Comissão continuava sem sistema informático, nem meios para garantir a fiscalização destes profissionais. “Falhou redondamente a reforma da ação executiva feita em 2003 e vão continuar a generalizar–se estas situações, porque, quando não há mecanismos eficazes de punição, isso gera nos delinquentes uma ideia de impunidade”, sublinha Marinho Pinto.

Supostamente independente, a CAAJ chegou a funcionar durante anosa fio em instalações que eram propriedade da ordem profissional que fiscalizava e, ainda hoje, a maior parte do seu financiamento é proveniente das multas que cobra aos agentes de execução.

Neste sistema disfuncional, quando um agente de execução é suspenso, nem o bloqueio das contas a débito pela CAAJ parece funcionar. Foi o que aconteceu com a agente de execução Isabel Ludovico e o marido, Manuel Leitão, que, em 2013, foram notificados por e-mail de que estavam suspensos de funções por apropriação indevida de mais de 400 mil euros das penhoras e que, por isso, as suas contas-cliente estavam bloqueadas a débito. Depois de serem notificados disto, bastaram apenas nove minutos para que os dois antigos agentes de execução conseguissem transferir das contas das penhoras, supostamente bloq ueadas, mais 69300 euros para as suas contas pessoais, alegando serem pagamentos de honorários.

“Não obstante tais movimentos terem sido realizados em 5/02/2013, a CAAJ apenas teve conhecimento dos mesmos em 27/10/2013, por comunicação efetuadapelo Millennium BCP”, admite a CAAJ no ofício n.° 5771 /2013, junto ao inquérito-crime, onde a atividade destes agentes de execução continua a serinvestigada.

 Após a suspensão destes agentes de execução, as suas contas-cliente deveriam ter sido bloqueadas a débito para evitar a retirada de mais verbas das penhoras. No entanto, aquilo que este documento, a que o GRiDigi-tal teve acesso, prova é que Isabel Ludovico e o marido, Manuel Leitão, ainda conseguiram desviar dinheiro das contas-cliente após o suposto bloqueio -um facto do qual a entidade flscalizadora, a CAAJ, só tomou conhecimento oito meses depois.

 Maria Ana, funcionária pública, foi penhorada devido a um crédito que não conseguiu pagar. Durante anos, ficou sem um terço do salário. “Quem pagou foi o mais pequenino, não é? Eu, a mais pequenina, é que fui pagar”, reclama. Chegou até a perder a sua casa. “Quando uma vizinha me telefona a dizer que estão a mudar a fechadura e, um dia ou dois depois, recebo uma carta da agente de execução a dizer que já não tinha casa”, relembra com mágoa. A agente de execução era lsabel Ludovico, que foi expulsa da OSAE, em maio de 2017, por apropriação indevida do dinheiro das penhoras – uma decisão ainda em recurso no Tribunal Administrativo.

A executada Maria Ana continuou a descontar um terço do seu salário do IEFP até que o exequente alertou o juiz para o facto de não estar a receber o dinheiro, havendo sido ele quem descobriu que a agente de execução Isabel Ludovico tinha sido suspensa há meses. O Tribunal de Almada nunca foi alertado pela CAAJ nem pela OSAE do que tinha acontecido. Neste sentido, Maria Ana corre o risco de voltar a ser penhorada por uma dívida que j á pagou.

 Até ao momento, já foram expulsos 51 agentes de execução por crimes graves, como o desvio ilícito de dinheiro de penhoras. No final do ano passado, havia um total de 2569 participações na Comissão Disciplinar dos Auxiliares de Justiça (CDAJ), a entidade responsável pela instrução dos processos disciplinares e contraordenacionais e aplicação das respetivas sanções-1027 contra administradores judiciaise 1541 contra agentes de execução. A maioria estava pendente e em risco de prescrever, podendo mesmo levar ao “colapso do sistema disciplinar”, como concluiu a própria Inspeção Geral aos Serviços da Justiça (IGSJ) numa auditoria de2019.

Neste documento a que o GRiDigital (Grande Reportagem e Investigação–www.GRidigital.pt) teve acesso, são identificados aspetos graves que colocam em causa a transparência e imparcialidade da CAAJ, como o facto de o seu orçamento estar muito dependente da receita das multas pagas pelos agentes de execução. O IGSJ sublinhou ainda “incompatibilidades legais” pelo facto de existirem, à data, agentes de execução no ativo a fazerem parte das equipas disciplinares, sendo fiscais em causa própria, o que é proibido por lei.

 O juiz tornou-se um mero árbitro no processo da ação executiva. Muitas vezes, nem é informado da suspensão, expulsão ou acusação do agente de execução e é, ele próprio, apanhado de surpresa. Supostamente imparcial, o agente de execução é escolhido pelo exequente e, no final das contas, pago com o dinheiro da penhora que este faz ao executado. “Ele é escolhido por um exequente que o escolhe duas mil vezes porque tem duas mil ações executivas para cobrar dívida. Ele não é independente. Ele é empregado desse cliente”, aponta Marinho Pinto.

 Mas, quem paga a fatura, se o agente de execução desviar para si o dinheiro das penhoras? Eugênia não tem dúvidas: “No meio disto tudo, ninguém tem nada a perder a não ser quem deve, porque, mesmo que o agente de execução roube o dinheiro e não o pague ao exequente, ele pode sempre voltar ape-nlrorar o executado e recuperar esse dinheiro com juros por cima”.

 “O que dizer quando é o próprio Estado que origina esta situação e depois não reage corrigindo-a?”, questiona Marinho Pinto. O seguro de responsabilidade civil dos agentes de execução não cobre roubos e o próprio Estado diz não ser responsável por estes profissionais liberais, apesar de ter sido o próprio Estado a legitimá-los.

UM FUNDO COM MUITO POUCAS GARANTIAS E SEM DINHEIRO SUFICIENTE

O Fundo de Garantia é uma conta do banco Millenium, criada para indemnizar executados e exequentes lesados, mas cobre somente 100 mil euros por agente de execução, in-dependentemente do valor de que cada um deles se aproprie indevidamente. Contudo, abre apenas quando a liquidação dos processos está finalizada e este procedimento geralmente arrasta-se durante vários anos na CAAJ, não conseguindo as vítimas ser ressarcidas.

 Até meados de setembro de 2015 era a OSAE que geria o Fundo de Garantia. Apartir dessa data, a gestão do Fundo foi atribuída à CAAJ. Desde então, existem somente 53 agentes de execução com o procedimento de liquidação concluído, estando mais do dobro pendentes. Há agentes de execução que estão a aguardar a liquidação das suas contas desde 2011 e, como consequência, milhares de processos estão estagnados nos tribunais à espera do relatório de liquidação.

De acordo com a Direção -Geral da Política de Justiça (DGPJ), no início da década de 2000, o número de pendências processuais nos tribunais de l.a instância rondava o 1300 000. Em 2003, o ano da reforma executiva que privatizou a atividade dos agentes de execução, contaram-se 1434 342 processos pendentes. No 3.° trimestre do anopas-sado, cerca de 650 mil processos encontravam-se estagnados nos tribunais.

Na prática, a CAAJ confessou ao GRidigital que não há dinheiro no Fundo para algumas das apropriações indevidas por parte de alguns agentes de execução: “Existem agentes de execução em que estão cumpridos os pressupostos, mas o saldo disponível no Fundo de Garantia impossibilita o seu acionamento”.

Desde 2014, o Fundo de Garantia abriu apenas duas vezes – 2017 e 2020- para um total de 28 agentes de execução. Nas contas-cliente destes agentes de execução, faltavam quase cinco milhões de euros. No entanto, a CAAJ, que gere o Fundo, pagou apenas um total de 215 mil euros aos lesados que requereram, através de um formulário, ser ressarcidos.

 A grande maioria dos lesados não sabe sequer da existência deste Fundo -muito menos que tem de estar alerta ao Diário da República para perceber quando é que este abre para poder interpor esse requerimento, que poderá ounão ser aceite. Desta forma, o Fundo de Garantia pennanece com quase dois milhões de euros parados a render juros. O mesmo acontece com as contas–cliente onde os agentes de execução depositam os valores das penhoras que são bloqueadas a débito, mas não a crédito.

‘Após o bloqueio, nós sabemos que esse valor nunca foi mexido. A conta foi bloqueada e o valor entrou, mas nunca ninguém lhe tocou”, explica Patrícia Duarte. “Nesse caso, se não foram distribuídos, estão todos num limbo. Estão todos em várias contas de agentes de execução suspensos ou expulsos, e os executados e os exequentes por receber”.

  Muitos dos lesados não sabem a quem deverão recorrer e, endividados, não têm sequer dinheiro para pagar honorários de advogados. Advocacia é, aliás, a profissão a que muitos antigos agentes de execução recorrem depois de serem expulsos da OSAE por falta de idoneidade. A Ordem dos Advogados aceita a sua inscrição sem nada contestar, apesar de, muitas vezes, existirem processos disciplinares findos.

 As vítimas continuam à espera de que alguém as ouça em relação a uma (in)justiça que as penaliza e obriga a pagar dívidas que já pagaram. Esta é uma fatura demasiado alta num sistema disfuncional, onde parece existir uma espécie de licença para roubar.

Alexandra Borges Rita Sousa e Silva

NOTA: Poderá assistira esta reportagem de investigação completa, em vídeo, a partir de 21/4, acedendo à pla taforma www.gridigital.pt


https://smmp.pt/author/smmp-sindicato-dos-magistrados-do-ministerio-pu-20/page/2485/

5 comentários:

  1. Lixou o cuelho bem lixado.

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  2. O coelho tem alguma licença para "colher" flores nos cemitérios à volta da ilha?

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    1. Cuelho tem credencial para gamar flores nos cemitérios.

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    2. Tem alvará pra toda a ilha.

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