Ele derrotou o Estado 109 vezes
10.05.2016 19:30 por Sara Capelo
Jorge Ferreira Alves é o recordista de processos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. E ganhou-os
Até os juízes durante os julgamentos lhe mandam piadas: "Depois processa-me no Tribunal Europeu." O advogado de Matosinhos, de 61 anos, responde-lhes com paciência: "Não processo o senhor juiz, processo é o Estado, que é coisa diferente." Jorge Ferreira Alves conseguiu a última vitória em Maio, quando o TEDH condenou o Estado a pagar 7.000 euros por erro judicial no processo de Abílio Martins da Silva. O madeireiro de Fafe sofreu um acidente de trabalho em 1999, mas quando pediu revisão da sua incapacidade por ter deixado de ouvir, o tribunal de Matosinhos não o notificou.
Jorge Ferreira Alves ganhou o primeiro processo em 2000, por causa de um atraso no pagamento de honorários. "Foi uma luta pessoal. Às vezes os tribunais não apreciavam questões que eu lhes submetia", diz à SÁBADO. Começou então a estudar acórdãos do TEDH e interessou-se por esta área do Direito. Três anos depois, foi de férias a Paris com a mulher. Parava em todas as livrarias à procura de mais livros. "Levei uma mala vazia e quando cheguei ela pesava 20 quilos, acrescidos de mais um saco de livros. Vim carregado como um burro. E um burro carregado é um doutor", exclama. Entretanto, escreveu outros três sobre o assunto – um deles com o sugestivo nome Como Processar o Estado.
No confronto com o Estado português, Jorge Ferreira Alves tem uma vitória arrasadora: 109 contra seis. Foi este, pelas suas contas, o número de processos que venceu nos últimos 15 anos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). E não é nada modesto quanto ao seu trabalho. "Não tenho dúvidas de que sou o advogado português, e também europeu, com mais processos" naquele organismo.
Jorge Ferreira Alves ganhou o primeiro processo em 2000, por causa de um atraso no pagamento de honorários. "Foi uma luta pessoal. Às vezes os tribunais não apreciavam questões que eu lhes submetia", diz à SÁBADO. Começou então a estudar acórdãos do TEDH e interessou-se por esta área do Direito. Três anos depois, foi de férias a Paris com a mulher. Parava em todas as livrarias à procura de mais livros. "Levei uma mala vazia e quando cheguei ela pesava 20 quilos, acrescidos de mais um saco de livros. Vim carregado como um burro. E um burro carregado é um doutor", exclama. Entretanto, escreveu outros três sobre o assunto – um deles com o sugestivo nome Como Processar o Estado.
Naqueles primeiros anos, aceitava todos os casos que lhe apareciam. "Vinha cá todo o povo e eu mandava para a frente, porque sendo em Portugal bastante inédito o recurso ao TEDH era necessário que houvesse jurisprudência sobre casos concretos." Agora é mais criterioso. Um dos processos que tem em mãos é o de uma portuguesa casada com um egípcio. O marido morreu e, por o casamento ter sido no Egipto, ninguém reconhece em Portugal a paternidade do filho de 8 anos. "Ele tem dois passaportes e quando chega à fronteira, como não sabe se é egípcio ou português, tem de ir para duas bichas." O advogado só tem uma explicação para este processo: "Burocracia, porque está tudo documentado. Tudo traduzido", lamenta.
Agora, tem um caso de uma mulher de meia-idade que foi acusada de ter insultado e ameaçado o vizinho. Como era há anos acompanhada na psiquiatria de um hospital, apresentou um relatório a dizer que tinha imputabilidade diminuída. "O tribunal julgou-a como se fosse muito inteligente", descreve. Depois de apelar ao Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu revisão do processo, recorreu ao organismo com sede em Estrasburgo (onde, curiosamente, nunca entrou). Espera que a decisão chegue este ano ou no próximo.
Casos com teias de aranha
A maioria dos processos de Ferreira Alves, formado em Coimbra em 1976 e já reformado, devem-se à lentidão na justiça. "Tenho um que é de 1987, ainda eu era menino." O cliente até já morreu e o advogado representa os herdeiros. Um outro demorou 18 anos a ter resolução. Um trabalhador queixava -se de salários em atraso num processo de insolvência que se arrastou. "No Tribunal Administrativo disseram que 18 anos na justiça portuguesa era muito normal", conta.
Conta entre os clientes juízes, procuradores, advogados, e ex -ministros. Acredita que o procuram porque os advogados de Lisboa têm medo: "Eu, que estou reformado, não vivo na gamela do Estado." (sábado)
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