Já em 2016, Lacerda Machado foi associado a uma eventual influência na obtenção de contratos públicos a favor da BAS. Na altura, aquela sociedade de advogados, fundado pelo actual presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Advogados, descartou a ligação, dizendo que essa colaboração era antiga e já não existia. Mas sete anos depois, o endereço profissional do ex-best friend de António Costa mantém-se na sede da BAS, que entretanto ‘coleccionou’ ainda mais ajustes directos na área da Saúde. Desde 2010, celebrou um total de 229 contratos com o Estado, dos quais 180 não teve sequer concorrência, porque lhe foram entregues de ‘mão-beijada’ por ajuste directo. Tudo junto, com IVA, a facturação vai nos 10 milhões, e nota-se um crescimento significativo no último quinquénio.
A sociedade de advogado BAS não esclarece os motivos para Diogo Lacerda Machado – ex-best friend de António Costa e que está no ‘olho do furacão’ da Operação Influencer – manter o seu do domicílio profissional na sua sede. A informação da manutenção daquele endereço consta do processo do Ministério Público, mas também no site da própria Ordem dos Advogados, que obriga todos os causídicos a indicar a morada onde exercem, incluindo contactos telefónicos. Todos os elementos indicados por Lacerda Machado coincidem com a sede da Brito, Alves, Salvador e Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL, localizada no quarto piso do Edifício 1 do Páteo Bagatela, na Rua Artilharia Um.
Já em Abril de 2016, as ligações de Lacerda Machado – que, na altura era formalmente um consultor do Governo – com a BAS tinha suscitado polémica, porque esta sociedade de advogados conseguira, nos primeiros dois meses daquele ano, mais de 170 mil euros em contratos com o Estado, mais concretamente de assessoria jurídica para as Administrações Regionais de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e do Norte (ARSN) e ainda para o Centro Hospitalar de Setúbal. Na altura, a sociedade de advogados alegou que Lacerda Machado não tivera qualquer intervenção nos processos e contratos, adiantando que. “nos últimos três anos, não recebeu qualquer pagamento da BAS”.
Mas podendo isso ser verdade que Lacerda Machado não era recebia desde 2013 quaisquer remunerações directas da BAS, mais estranho é que, mantendo-se essa inexistência de relação contratual, seja a sede desta sociedade de advogados a indicada como domicílio profissional de Lacerda Machado ainda hoje.
Certo é que, com ou sem a ajuda de Lacerda Machado, nos últimos anos a sociedade de advogados BAS conseguiu consolidar-se como uma autêntica ‘coleccionadora’ de ajustes directos, ou escolha após consulta prévia, por entidades públicas, sobretudo no sector da saúde, em menor dimensão na área do saneamento básico.
De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a BAS conseguiu, desde 2010, um total de 229 contratos com o Estado, dos quais 180 não teve sequer concorrência, porque lhe foram entregues de ‘mão-beijada’ por ajuste directo. No total, a sociedade de advogados sacou contratos no valor de 8.265.339 euros (sem IVA), dos quais 3,8 milhões apenas nos últimos cinco anos. Se se considerar o IVA, o montante ultrapassa os 10 milhões de euros.
Considerando um período mais recente, desde 2019 a BAS obteve 132 contratos, dos quais 96 por ajuste directo e 34 ‘sacados’ após consulta prévia. Um outro contrato foi ao abrigo de um acordo-quadro e outro ainda, a excepção a confirmar a regra, por concurso público (com a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Outubro do ano passado, pelo valor de cerca de 104 mil euros. Ou seja, os contratos de ‘mão-beijada’ aumentaram, passando de uma média de nove ajustes directos por ano entre 2010 e 2018 para uma média de 19 contratos por ano a partir de 2019.
Os melhores clientes da BAS – não apenas em volume de negócios como também na entrega de sucessivos ajustes directos, sem o ‘incómodo’ da concorrência – têm sido a ASRLVT e o Infarmed. No primeiro caso, desde 2010 contam-se 31 contratos celebrados, todos, sem excepção por ajuste directo, somando já mais de 1,8 milhões de euros. Este ano ainda não consta no Portal Base qualquer contrato, mas entre 2020 e 2022 a BAS recebeu 734.354 euros por serviços jurídicos desta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde.
Quanto ao Infarmed, a BAS – que tem sido a representante legal do regulador do medicamento nas intimações apresentadas pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa – soma desde 2010 um total de 13 contratos, todos por ajuste directo, no valor acumulado de mais de 1,1 milhões de euros. Nos últimos cinco anos, o montante recebido aproxima-se dos 250 mil euros.
O top 3 da contratação pública da BAS é fechado por outra entidade tutelada pelo Governo: os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), também com 13 contratos, sendo que 12 foram por ajuste directo e apenas um após consulta prévia. No total, a BAS recebeu já da SPMS quase 980 mil euros. Acima da fasquia do meio milhão encontra-se ainda a ARS do Norte: os 14 contratos, dos quais 12 por ajuste directo e os outros dois ao abrigo de acordo-quadro, já valeram à BAS mais de 537 mil euros.
Mas na área da Saúde mostra-se bem a influência desta sociedade. Com montantes diversos, a BAS conta como seus clientes no último quinquénio, para além das quatro entidades acima referidas, o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (146.230 euros), Centro Hospitalar de Setúbal (123.120 euros), Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (146.804 euros), Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca )180.336 euros), Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (169.360 euros), Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (141.456 euros), Unidade Local de Saúde do Alto Minho (136.858 euros), Centro Hospitalar do Oeste (162.00 euros) e mais outras 10 entidades, entre as quais a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).
A BAS tem sido também a representante legal desta última entidade num processo de intimação do PÁGINA UM para acesso à base de dados dos internamentos em Portugal, que chegou até ao Supremo Tribunal Administrativo, mas que continua a ser alvo de contra-argumentação jurídica por causa de uma pretensa necessidade de anonimização de dados.
Contudo, curiosamente, este serviço jurídico poderá eventualmente a ser feito em pro bono, ou seja, sem pagamento ou suporte contratual, uma vez que os últimos dois contratos entre a BAS e a ACSS são de 2020, de pequeno montante, nem sequer já estavam válidos quando a intimação do PÁGINA UM se iniciou em Agosto de 2022.
Além do sector da Saúde, a BAS tem, sobretudo nos últimos anos, estendido as suas relações comerciais com empresas públicas na esfera de influência da Águas de Portugal, tutelada pelo Ministério do Ambiente.
Além de quatro contatos (dois por ajuste directo e outros dois após consulta prévia) com a holding, no valor total de 127 mil euros, a BAS com contratos recentes com cerca de uma dezena de empresas subsidiárias da Águas de Portugal. De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, os diversos contratos no sector do saneamento totalizarão quase 240 mil euros no último quinquénio.
Além destas entidades, a BAS tem ou teve como clientes públicos a Parque Escolar – renomeada entretanto Construção Pública –, o ISCTE, a ANACOM, a Autoridade da Concorrência, a Imprensa Nacional Casa da Moeda e a Direcção-Geral da Política de Justiça.
Na sexta-feira passada, sobre estas matérias, o PÁGINA UM contactou o sócio fundador da BAS, Pedro Madeira de Brito – também professor da Faculdade de Direito de Lisboa e actual presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Médicos, e que foi em 2008 e 2009 assessor de Francisco Ramos, então secretário de Estado-adjunto e da Saúde no final do último Governo Sócrates.
Na missiva, além de se requerer uma explicação para a relação de Lacerda Machado à BAS, pedia-se um comentário sobre a crescente relação da BAS com entidades públicas sobretudo da área da saúde, com sucessivos ajustes directos. E também se procurou saber se existia actualmente uma relação contratual entre a BAS e a ACSS para representação em processos judiciais. Não se obteve resposta até agora.
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