sábado, 2 de novembro de 2024

Os povos em países Democráticos estão votando contra si próprios; votando nos ditadores e nos fascistas. A "burrice" popular está a regredir cem anos atrás

  


10 de maio de 1933: nazistas começam a queimar livros por toda a Alemanha 
A vontade do povo: 100 anos de regressão

 A menos que um milagre n o s  s a l v e  a todos, e não apenas aos americanos , na quarta-feira acordaremos com Donald J. Trump eleito de novo como Presidente dos Estados Unidos. É natural que num país que se divide ao meio entre uma elite que representa o melhor da espécie humana em termos de inteligência, investigação, empreendedorismo e criação artística e outra metade que é orgulhosamente ignorante e hostil a tudo o que não entende nem quer entender, o absurdo sistema eleitoral produza alternadamente Presidentes capazes e Presidentes que são um embaraço ou um retrocesso para o mundo. Mas nunca, nunca nos piores pesadelos da gente de bom senso alguém tão boçal, tão alarve, tão perigoso para o mundo como o Trump 2ª versão esteve à beira de chegar ao poder na “nação indispensável”. E se já é sinistro imaginar à solta um animal vingativo e desprovido de quaisquer limites éticos como ele, mais sinistro é pensar que quem o elege é o povo contra a elite. É na terra de referência do capitalismo que a derrota final das teses marxistas se torna mais evidente: são as massas, o sector mais desprotegido de uma sociedade de abundância, que não só não se revoltam contra quem lhes quer tirar um mínimo de apoios sociais — o Medicare, as bolsas de estudo universitárias, as ajudas contra a pobreza extrema — como ainda elegem ou deixam eleger como líder alguém que ostenta a sua exuberante riqueza como um dom, que não paga impostos e que tem no cadastro de sucesso milhares de despedimentos. E, se perder a eleição, Kamala Harris, símbolo do american dream, de quem se fez por si e a pulso erguendo-se de um destino de miséria pré-traçado, tê-la-á perdido porque não conseguiu o número suficiente de votos entre os mais fracos e  desprotegidos: os negros, os latinos, os pobres. Em contrapartida, tem garantido o apoio maioritário dos brancos educados, da inteligência, das universidades e do mundo artístico. Mas o povo é quem mais ordena. Bem podem gritar-lhe — até os antigos colaboradores de Trump — que o homem venera ditadores, que tem mentalidade de fascista e inclinações nazis. Que não lê nada nem escuta informação ou conselho algum, fiando-se apenas no seu desmesurado ego. Que é uma ameaça real à economia e à democracia, à paz interna e às relações com os aliados de sempre. Que irá demitir, silenciar, perseguir todos os “inimigos internos” como nem no tempo de McCarthy. O povo não quer saber, o povo não acha isso importante. Um estudo de há dias revelou que 40% dos americanos entre os 16 e os 29 anos, a nova geração, recolhiam toda a informação de que dispunham do TikTok: têm as melhores universidades do mundo, uma imprensa de referência, museus espantosos, um cinema e uma literatura de vanguarda, mas, para metade deles, basta-lhes as redes sociais para saberem do mundo. Por isso, os milionários entre os milionários, como Musk ou Zuckerberg, controlam as redes sociais e metade dos jovens que votam escolhem Trump. Também Israel, o seu Governo e o seu primeiro-ministro suspiram pela vitória de Trump. Se até agora, um ano depois de iniciado o genocídio de Gaza, não lhes faltou nunca o apoio da Administração Biden, em armas e dinheiro, ou o apoio europeu, em armas e suporte político, eles sabem que com Trump esse apoio não terá quaisquer limites. Foi com Trump que os Estados Unidos mudaram a sua embaixada de Telavive para Jerusalém, reconhecendo ipso facto Jerusalém como capital de Israel, ao arrepio das resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Por isso, estão à vontade para ignorar os pedidos e os ultimatos de Biden, como o de que suspen deria o envio de armas se Israel não permitisse a entrada de camiões de água e comida em Gaza. Agora, Israel acaba mesmo de dar mais um passo em frente aprovando uma lei no Knesset que declara a UNRWA uma “organização terrorista”, proibindo-a de actuar em Gaza. A UNRWA é uma organização das Nações Unidas criada em 1948 para apoiar os 700 mil refugiados palestinianos que foram despojados das suas casas e terras depois da criação do Estado de Israel. Ficaram ali desde então e são hoje a única entidade organizada que ajuda as populações de Gaza massacradas há um ano pelos bombardeamentos cegos dos israelitas. Neste ano, Israel matou, por vezes deliberadamente, 232 dos seus elementos — funcionários da ONU! —, tendo chegado a acusar seis deles de participarem no 7 de Outubro, mas nunca apresentou provas disso nem contrariou a investigação independente que o desmentiu. Proibir a UNRWA de actuar em Gaza — distribuindo água, alimentos, vacinas, medicamentos, cuidados infantis a uma população desprovida de tudo — é em si mesmo um acto terrorista, mas não se julgue que a lei foi aprovada apenas pela estreita maioria formada pelo Likud e os partidos da extrema-direita religio sa que suportam o Governo: foi por 92 votos a favor e 10 contra. Ou seja, uma esmagadora maioria de representantes do povo de Israel. Não admira: temos visto muitas manifestações nas ruas de Israel contra Netanyahu, mas apenas a exigir o regresso dos reféns. Porque se tratam de familiares ou amigos, eles querem negociações com o Hamas para conseguir a libertação, e depois que prossiga o extermínio. Mas nunca vimos uma manifestação, um cartaz, uma voz que se erguesse em Israel a pedir o fim do genocídio das mulheres e crianças de Gaza, o fim da nova destruição do Líbano ou do roubo e esbulho das casas dos palestinianos na Cisjordânia. Um Governo criminoso chefiado por um criminoso que conduz à vista de todos um plano de extermínio contra a nação palestiniana e o povo de Israel — os filhos e netos do Holocausto — apoiam-no. Para todo o lado que olhemos é impressionante a velocidade a que assistimos ao triunfo do ódio, à nostalgia da bestialidade. Regredimos 100 anos na História para ver a extrema-direita no poder na Holanda e na Áustria, os neonazis a avançarem irresistivelmente no que antes era a chamada República Democrática Alemã, onde Hoenecker beijava Brejnev na boca, a extrema-direita à beira do poder em França, os saudosistas do franquismo pujantes em Espanha, um fascismo Tintim na Argentina e os neofascistas governando em Itália, e até, sinal dos tempos, fazendo figura de moderados! Discursando terça-feira em Washington, no exacto local onde em 6 de Janeiro de 2021 Donald Trump fez um discurso aos seus seguidores que os levou ao assalto ao Capitólio, Kamala Harris afirmou que, ao contrário do seu oponente, não iria perseguir os que discordam dela e a que Trump chama os “inimigos internos”: iria chamá-los para a mesa. Isto, que é a base de governo de qualquer sociedade democrática, está hoje a tornar-se sinal de fraqueza, que na linguagem de mastins das redes sociais é apenas uma inútil perda de tempo e de foco. Não há lugar para o entendimento ou o compromisso, apenas para o confronto. Os camisas negras estão de volta às nossas cidades. Até agora, talvez por ingénua bondade ou imperdoável preguiça, tenho-me escusado a levar demasiado a sério a nossa extrema-direita. Porque o Chega é um homem só e, se bem que inteligente e bom demagogo, não me parece com o estofo de um Hitler, um Mussolini ou um Salazar, homens que de um partido faziam um regime. E ao lado de Ventura — seja o patético deputado Pinto, o “intelectual” Pacheco de Amorim ou aqueloutro com a sua “teoria da substituição”, seja a sua malta ululante das redes sociais —, sinceramente, não alcanço nada ali que se pareça, de perto ou de longe, com um pensamento político, menos ainda com um programa de Governo para o país. Apenas ódio à solta, inveja e raiva a quem pensa qualquer coisa, uma catarse infinda de frustrações profissionais, sociais, familiares, sexuais. Mas talvez eu esteja enganado: talvez seja isso mesmo o projecto político do Chega a da extrema-direita universal. Ódio à inteligência, ao pensamento, à cultura. 

Acabarão a queimar livros como no “Fahrenheit 451”. Afinal, talvez seja altura de nos assustarmos.

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