10 de maio de 1933: nazistas começam a queimar livros por toda a Alemanha
A menos que
um milagre
n o s s a l v e a todos, e
não apenas
aos americanos , na
quarta-feira
acordaremos com Donald J.
Trump eleito de novo como
Presidente dos Estados Unidos. É natural que num país
que se divide ao meio entre
uma elite que representa o
melhor da espécie humana
em termos de inteligência, investigação, empreendedorismo e criação artística e outra
metade que é orgulhosamente ignorante e hostil a tudo o
que não entende nem quer
entender, o absurdo sistema
eleitoral produza alternadamente Presidentes capazes e
Presidentes que são um embaraço ou um retrocesso para
o mundo. Mas nunca, nunca nos piores pesadelos da
gente de bom senso alguém
tão boçal, tão alarve, tão perigoso para o mundo como
o Trump 2ª versão esteve à
beira de chegar ao poder na
“nação indispensável”. E se já
é sinistro imaginar à solta um
animal vingativo e desprovido
de quaisquer limites éticos
como ele, mais sinistro é pensar que quem o elege é o povo
contra a elite. É na terra de
referência do capitalismo que
a derrota final das teses marxistas se torna mais evidente:
são as massas, o sector mais
desprotegido de uma sociedade de abundância, que não só
não se revoltam contra quem
lhes quer tirar um mínimo
de apoios sociais — o Medicare, as bolsas de estudo universitárias, as ajudas contra
a pobreza extrema — como
ainda elegem ou deixam eleger como líder alguém que
ostenta a sua exuberante riqueza como um dom, que não
paga impostos e que tem no
cadastro de sucesso milhares
de despedimentos. E, se perder a eleição, Kamala Harris,
símbolo do american dream,
de quem se fez por si e a pulso
erguendo-se de um destino de
miséria pré-traçado, tê-la-á
perdido porque não conseguiu o número suficiente de
votos entre os mais fracos e desprotegidos: os negros, os
latinos, os pobres. Em contrapartida, tem garantido o
apoio maioritário dos brancos educados, da inteligência,
das universidades e do mundo
artístico. Mas o povo é quem
mais ordena. Bem podem gritar-lhe — até os antigos colaboradores de Trump — que o
homem venera ditadores, que
tem mentalidade de fascista e
inclinações nazis. Que não lê
nada nem escuta informação
ou conselho algum, fiando-se
apenas no seu desmesurado
ego. Que é uma ameaça real
à economia e à democracia,
à paz interna e às relações
com os aliados de sempre.
Que irá demitir, silenciar,
perseguir todos os “inimigos
internos” como nem no tempo de McCarthy. O povo não
quer saber, o povo não acha
isso importante. Um estudo
de há dias revelou que 40%
dos americanos entre os 16
e os 29 anos, a nova geração,
recolhiam toda a informação
de que dispunham do TikTok:
têm as melhores universidades do mundo, uma imprensa
de referência, museus espantosos, um cinema e uma literatura de vanguarda, mas,
para metade deles, basta-lhes
as redes sociais para saberem
do mundo. Por isso, os milionários entre os milionários,
como Musk ou Zuckerberg,
controlam as redes sociais e
metade dos jovens que votam
escolhem Trump.
Também Israel, o seu Governo e o seu primeiro-ministro suspiram pela vitória de
Trump. Se até agora, um ano
depois de iniciado o genocídio
de Gaza, não lhes faltou nunca o apoio da Administração
Biden, em armas e dinheiro,
ou o apoio europeu, em armas
e suporte político, eles sabem
que com Trump esse apoio
não terá quaisquer limites.
Foi com Trump que os Estados Unidos mudaram a sua
embaixada de Telavive para
Jerusalém, reconhecendo
ipso facto Jerusalém como capital de Israel, ao arrepio das
resoluções do Conselho de
Segurança da ONU. Por isso,
estão à vontade para ignorar
os pedidos e os ultimatos de
Biden, como o de que suspen deria o envio de armas se Israel não permitisse a entrada
de camiões de água e comida
em Gaza. Agora, Israel acaba
mesmo de dar mais um passo em frente aprovando uma
lei no Knesset que declara a
UNRWA uma “organização
terrorista”, proibindo-a de
actuar em Gaza. A UNRWA é
uma organização das Nações
Unidas criada em 1948 para
apoiar os 700 mil refugiados palestinianos que foram
despojados das suas casas e
terras depois da criação do
Estado de Israel. Ficaram ali
desde então e são hoje a única entidade organizada que
ajuda as populações de Gaza massacradas há um ano pelos
bombardeamentos cegos dos
israelitas. Neste ano, Israel
matou, por vezes deliberadamente, 232 dos seus elementos — funcionários da ONU!
—, tendo chegado a acusar
seis deles de participarem
no 7 de Outubro, mas nunca
apresentou provas disso nem
contrariou a investigação independente que o desmentiu.
Proibir a UNRWA de actuar
em Gaza — distribuindo água,
alimentos, vacinas, medicamentos, cuidados infantis a
uma população desprovida
de tudo — é em si mesmo um
acto terrorista, mas não se
julgue que a lei foi aprovada
apenas pela estreita maioria formada pelo Likud e os
partidos da extrema-direita
religio sa que suportam o Governo: foi por 92 votos a favor
e 10 contra. Ou seja, uma esmagadora maioria de representantes do povo de Israel.
Não admira: temos visto muitas manifestações nas ruas de
Israel contra Netanyahu, mas
apenas a exigir o regresso dos
reféns. Porque se tratam de
familiares ou amigos, eles
querem negociações com o
Hamas para conseguir a libertação, e depois que prossiga o extermínio. Mas nunca vimos
uma manifestação, um cartaz, uma voz que se erguesse
em Israel a pedir o fim do genocídio das mulheres e crianças de Gaza, o fim da nova
destruição do Líbano ou do
roubo e esbulho das casas dos
palestinianos na Cisjordânia.
Um Governo criminoso chefiado por um criminoso que
conduz à vista de todos um
plano de extermínio contra
a nação palestiniana e o povo
de Israel — os filhos e netos
do Holocausto — apoiam-no.
Para todo o lado que olhemos é impressionante a velocidade a que assistimos ao
triunfo do ódio, à nostalgia
da bestialidade. Regredimos
100 anos na História para ver
a extrema-direita no poder
na Holanda e na Áustria, os
neonazis a avançarem irresistivelmente no que antes era a
chamada República Democrática Alemã, onde Hoenecker beijava Brejnev na boca,
a extrema-direita à beira do
poder em França, os saudosistas do franquismo pujantes em Espanha, um fascismo Tintim na Argentina e os
neofascistas governando em
Itália, e até, sinal dos tempos,
fazendo figura de moderados! Discursando terça-feira em
Washington, no exacto local
onde em 6 de Janeiro de 2021
Donald Trump fez um discurso aos seus seguidores que os
levou ao assalto ao Capitólio,
Kamala Harris afirmou que,
ao contrário do seu oponente, não iria perseguir os que
discordam dela e a que Trump
chama os “inimigos internos”:
iria chamá-los para a mesa.
Isto, que é a base de governo
de qualquer sociedade democrática, está hoje a tornar-se
sinal de fraqueza, que na linguagem de mastins das redes
sociais é apenas uma inútil
perda de tempo e de foco. Não
há lugar para o entendimento
ou o compromisso, apenas
para o confronto. Os camisas
negras estão de volta às nossas cidades.
Até agora, talvez por ingénua bondade ou imperdoável
preguiça, tenho-me escusado
a levar demasiado a sério a
nossa extrema-direita. Porque o Chega é um homem só
e, se bem que inteligente e
bom demagogo, não me parece com o estofo de um Hitler,
um Mussolini ou um Salazar,
homens que de um partido
faziam um regime. E ao lado
de Ventura — seja o patético
deputado Pinto, o “intelectual” Pacheco de Amorim ou
aqueloutro com a sua “teoria
da substituição”, seja a sua
malta ululante das redes sociais —, sinceramente, não alcanço nada ali que se pareça,
de perto ou de longe, com um
pensamento político, menos
ainda com um programa de
Governo para o país. Apenas
ódio à solta, inveja e raiva a
quem pensa qualquer coisa,
uma catarse infinda de frustrações profissionais, sociais,
familiares, sexuais. Mas talvez eu esteja enganado: talvez
seja isso mesmo o projecto
político do Chega a da extrema-direita universal. Ódio à
inteligência, ao pensamento,
à cultura.
Trump 47
ResponderEliminarNormal nos países comunistas
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