Enquanto 28 milhões de angolanos não conseguem ter uma quadra festiva minimamente digna devido à alta nos preços dos bens alimentares, o Presidente da República, João Lourenço, escolheu as Ilhas Seychelles para passar o “réveillon”, com a sua família com todas as despesas pagas com fundos públicos. E não vai só. Leva toda a sua comandita. É fartar vilanagem.
Por Geraldo José Letras
De acordo com o itinerário da viagem presidencial, que vazou nas redes sociais, serão 34 pessoas entre familiares, staff e gabinete de voo que vão viajar com o Presidente da República no dia 30 deste mês com regresso marcado para o dia 9 de Janeiro de 2024.
Entre os 13 membros da família estão a primeira-dama, Ana Dias Lourenço, cinco filhos e seis familiares do Presidente da República.
Do staff formado por 18 pessoas, destaca-se Edeltrudes Gaspar Costa, Ministro e Director de Gabinete do Presidente da República, além do Director-adjunto do Cerimonial do Presidente da República, Comandante da Unidade de Segurança Presidencial, Chefe da Escolta Presidencial, Secretário do Centro de Telecomunicações e Informática da Casa de Segurança do Presidente da República, três médicos, Assistente da primeira-dama, Ajudante de Campo, Financeiro, Chefe de Escolta da primeira-dama, ajudante de Campo da Primeira-dama, Oficial da Técnica Operativa, Técnica de Laboratório, Empregado de mesa e duas educadoras de infância.
Para o Gabinete de voo do Presidente da República vão seguir viagem com João Lourenço, o Comandante do Gabinete de voo Presidencial, além de dois assistentes.
Fonte do Folha 8 junto dos Órgãos Auxiliares do Presidente da República não soube precisar o orçamento geral da comitiva presidencial, mas revelou que a origem do dinheiro é do erário público o que, em português corrente, significa dinheiro roubado aos milhões de angolanos que continuam – sem sucesso – a tentar aprender a viver sem… comer.
Enquanto as famílias angolanas se vêem impedidas de comemorar a quadra festiva devido à subida descontrolada dos preços dos bens alimentares (mesmo dos mais básicos dos básicos), João Lourenço, revela mais vez que não é para o povo que existe nem como Presidente da República, nem como Presidente do MPLA, nem como Titular do Poder Executivo.
Trufas e caviar ao jantar
Areiterada, ao logo de 48 anos, estratégia de João Lourenço obriga-nos (em abono da memória) a lembrar que, em Julho de 2008, os líderes das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), reunidos no Japão numa cimeira sobre a fome, causaram espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada pelos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala.
Reunidos sob o signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos – e consequente apelo à poupança -, bem como da escassez de comida nos países mais pobres, os chefes de Estado e de Governo não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.
Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas eram apenas alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais, que acompanharam a refeição da noite com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005, que estava avaliado na altura em casas da especialidade online a cerca de 70 euros cada garrafa.
Não faltou também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos. Nas refeições estiveram envolvidos 25 chefs japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns galardoados com as afamadas três estrelas do Guia Michelin.
Segundo a imprensa britânica, o “decoro” dos líderes do G8 – ou, no mínimo, dos anfitriões japoneses – impediu-os de convidar para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal.
Os jornais e as televisões inglesas estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização Britain Save the Children, citado por várias órgãos online, referiu que “é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia”.
Para Andrew Mitchell, do então governo-sombra conservador, “é irracional que cada um destes líderes tenha dado a garantia de que vão ajudar os mais pobres e depois façam isto”.
A cimeira do G8, realizada no Japão, custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou quatro milhões de doentes com Sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para o evento, custou 30 milhões de euros.
Crianças morrem de… fome
As autoridades sanitárias angolanas registaram (são, portanto, dados oficiais), no primeiro semestre deste ano, cerca de 45.000 casos de desnutrição aguda (fome) de crianças, doença que está associada a cerca de 50% da mortalidade infantil no país.
Os dados, citados pela Rádio Nacional (do MPLA) de Angola, foram divulgados pela coordenadora do Programa Nacional de Desnutrição, Natália da Conceição, durante uma acção de formação e capacitação de supervisores nacionais de nutrição, em cooperação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Por sua vez, o médico da Sociedade Angolana de Pediatria, César Freitas, referiu que em Luanda morreram cerca de 26.000 crianças por desnutrição no ano passado.
“Nós aqui em Luanda, durante o ano 2022, registamos mais de 26.000 crianças com desnutrição e dessas, mais de 4.000 tinham a forma grave e cerca de 10% faleceram. Com relação à morte dessas crianças em função das unidades que temos, os óbitos variam de 17% a 40%, o que é considerado inaceitável”, sublinhou.
De acordo com a responsável de nutrição da Unicef em Angola, Joana Abraão, o seminário visou formar supervisores de nutrição angolanos que avaliarão se o sistema “para tratar correctamente a criança desnutrida, curar, registar os dados e reportar ao nível superior” está a funcionar.
“Nós temos 38% das crianças sofrendo de desnutrição crónica em Angola e, das crianças menores de 5 anos, 5% delas padecem de desnutrição aguda”, informou Joana Abraão, reforçando que o objectivo da formação é dar ferramentas, capacitar, para se realizar uma supervisão com qualidade.
Provavelmente os supervisores de nutrição irão estagiar nas lixeiras onde se abastecem muitos dos 28 milhões de pobres angolanos…
Joana Abraão referiu que o próximo Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde está a ser realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), e vai fornecer dados mais recentes sobre a situação nutricional.
“A Unicef tem apoiado o Governo de Angola com trabalho comunitário, garantindo que haja capacitações como esta que estamos a fazer aqui hoje, que o Governo tenha os produtos para tratar a desnutrição. Temos feito isso já há muitos anos e vamos agora verificar com o próximo inquérito como está a situação actual”, frisou.
Não precisam, contudo, de se cansar muito. Há 48 anos que estão no Poder e o resultado é o que se conhece. O melhor mesmo é apresentar um estudo sobre a média dos casos. Ou seja, se um neto de João Lourenço come todos os dias cereais e derivados, tubérculos, fruta, hortícolas, lacticínios, carne, pescado e ovos, e o neto da Maria passa fome, em média este come metade daquilo que o netinho querido do rei tem todos os dias na mesa.
Na verdade o problema da pobreza extrema em Angola “vai além da realidade estatística” apresentada pelas autoridades, sobretudo para os que vivem em áreas recônditas, revela um estudo sobre a execução do programa governamental de combate à pobreza, apresentado em Outubro de2022 pela Associação de Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), que analisou a execução do Programa de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (Pidlcp) nos municípios de Cacuso, província de Malanje, do Bailundo, província do Huambo, e da Ganda, província de Benguela.
A pesquisa conclui que “o problema da pobreza extrema é ainda mais forte” do que se imagina (do que alguns imaginam), “uma vez que vai além da realidade estatística frequentemente apresentada pelo INE [Instituto Nacional de Estatística]”.
“Os angolanos, em particular os que vivem em áreas mais recônditas, sentem a pobreza e sentem-na numa proporção asfixiante”, refere-se no estudo.
De acordo com o documento, os inquiridos consideram preocupante a intensidade da pobreza. “Mais de metade diz que o Pidlcp não impactou a sua vida e não resolveu a situação mais urgente das comunidades, que são a fome, saúde, energia, água, mobilidade e educação”, adianta-se no estudo.
O inquérito conclui que o Pidlcp “foi ineficaz na promoção da educação e também na melhoria da qualidade dos serviços de saúde”, recomendando o aumento da verba para a merenda escolar e distribuição regular para dirimir o problema da desistência escolar.
Relativamente à saúde, a recomendação vai no sentido de se construir um hospital de médio porte em cada comuna, com acesso a ambulância e uma logística que supra as necessidades dos cidadãos.
No que toca à fome (que, segundo o actual presidente – não eleito – João Lourenço, é relativa ou inexistente) e aos níveis de desnutrição crónica registados, devido à depressão da actividade agrícola, tendo como efeitos o êxodo rural das famílias à procura de outras áreas agricultáveis, os inquiridos pretendem que o Governo invista na agricultura e os ajude a cultivar. A fazer fé nos exemplos dos últimos 48 anos, a ajuda do MPLA não é por aí além pois recomenda que, por exemplo, as couves sejam plantadas com a raiz para cima…
Em declarações à imprensa, à margem da apresentação do estudo, o director da Unidade de Projectos e Desenvolvimento da ADRA, organização que realizou o estudo no âmbito da implementação do seu plano estratégico 2018-2022, de monitorização às contas públicas, referiu que a pesquisa teve como objectivo central analisar “até que ponto é que este programa está a contribuir para a erradicação da pobreza nas zonas rurais”.
“O que nós constatamos é o seguinte: o programa ainda tem enormes desafios. As comunidades, na sua maioria, dos 187 inqueridos, dizem que o programa não resolveu os problemas concretos que concorrem na sua maioria para a qualidade de vida”, realçou Abílio Sanjaia.
Segundo o representante da ADRA, as comunidades apresentaram como principais preocupações a melhoria de serviços básicos, tendo-se constatado que o programa “contribuiu muito pouco para atender às necessidades que eles colocaram”.
O responsável destacou também a necessidade de se assegurar o envolvimento das comunidades em todas as fases do planeamento das acções, todavia, “o que se constatou é que ainda é um desafio”.
Abílio Sanjaia realçou que uma directiva do Governo, com o apoio técnico do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), obriga que as administrações municipais consultem as comunidades para a elaboração orçamental, acção que conta igualmente com o apoio de organizações da sociedade civil.
“A ADRA foi uma delas, desencadeámos esse processo, ajudámos metodologicamente à recolha das principais prioridades em cada comuna, em sede da elaboração do orçamento, pensamos que este é o caminho, porque os municípios recebem mensalmente 25 milhões de kwanzas (53.376 euros), que anualmente totaliza os 300 milhões de kwanzas (640.521 euros). As necessidades são ilimitadas, mas os recursos são limitados, então é importante que este dinheiro que é disponibilizado responda, atenda, às principais prioridades das comunidades”, vincou.
Na mesma altura em que organizações da sociedade civil angolana consideram que o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país deve-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas, é altura de transformar em património nacional todas essas características.
Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, em média, duas crianças com menos de cinco anos morrem em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA (o único partido que governa o país há 48 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.
Para o líder da organização “Construindo Comunidades”, padre Jacinto Pinto Wacussanga, o quadro “pode ser muito mais grave do que se pode pensar”. E não é por falta de alertas que o Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, olha para o lado e assobia. É, isso sim, pelas criminosas políticas económicas e sociais que o seu governo leva a cabo.
O conhecido padre dos Gambos, na Huíla, diz que por falta de comida, “as crianças da região são alimentadas com frutos silvestres e com raízes”. Será que João Lourenço sabe o que são crianças angolanas? Será que sabe que lidera um país rico e que nem nos piores tempos da colonização acontecia tal coisa?
O activista social Fernando Pinto, responsável de uma associação de apoio às crianças pobres do distrito urbano do Zango, em Luanda, dizia que esta realidade é “um retrato fiel do que se passa em Angola, até mesmo na sua capital”.
Além da falta de alimentos em vários lugares, ocorrem rupturas constantes de stock de produtos terapêuticos nos centros de saúde, atraso na planificação e o número insuficiente de pessoal capacitado para tratar a desnutrição aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualmente por pertencerem a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.
Recorde-se que o Presidente (não eleito) João Lourenço mentiu quando, na célebre entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssima má-nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço. Mais tarde explicou que a fome era “relativa”… (folha8)