Depois das atrocidades cometidas no século XX
em nome dos ideais comunistas, os movimentos
de esquerda tornaram-se anémicos, incapazes de
prosseguir a crítica do capitalismo. A morte de Toni Negri
deixa um vazio num momento em que, nem perante
uma crise existencial, o mundo se resolve a admitir
que só a revolução pode trazer um novo rumo.
Tendo nascido em Pádua, em 1933, a
forma como primeiro nele se manifestou um impulso para uma adesão a uma
ação coletiva foi seguindo uma certa
orientação católica, tendo integrado, nos
anos 50, a Gioventù di Azione Cattolica.
Mas logo sentiu que as convicções que
formava com os livros lhe exigiam um
compromisso mais forte com o seu tempo, e veio a inscrever-se na secção de
Pádua do Partido Socialista, e foi a partir dali que sentiu que faltava por ali um
verdadeiro fervor e algo que respondesse ao impulso de revolta que então aflorava nele. Foi assim que veio a liderar
o movimento Potere operaio, adequando a crítica marxista a princípios de ação
solidária, tornando-se um desses movimentos que vieram dar força aos sindicatos, que por sua vez alcançaram significativas conquistas, permitindo que as
massas se integrassem na vida política do país, começando por fim a sanar-se a cisão entre aquilo que diziam as leis
e depois a realidade que afetava a vida
dos trabalhadores, sobretudo nas fábricas. Foi um capítulo decisivo no que toca
a encorajar o robustecimento de uma
ação cívica por parte de uma esquerda
sem expressão parlamentar. Mas, uma
vez mais, foi por sentir que o Partido
Comunista guiado por Berlinguer e os
próprios sindicatos, em vez de uma ação
revolucionária, no início dos anos 70,
estavam a assumir uma postura meramente reformistas, lutando por melhorias incrementais em vez de estarem
comprometidos com uma transformação profunda do horizonte social, distanciou-se do Potere operaio e fundou
a Autonomia Operaia, atualizando o
compromisso revolucionário, e admitindo o recurso à violência e ao uso de
armas como “vigorosa afirmação da
necessidade do comunismo”, contra o
Estado e os seus organismos representativos. Negri, que nunca empunhou
uma pistola, viria a converter-se nesses
anos num dos legitimadores das ações
de terror como forma de ação política,
mesmo se o fez sempre apegado a certas noções mais românticas do que propriamente orquestrando ou dirigindo
este ou aquele atentado. A fundação
daquele segundo movimento radical
deu-se um ano depois do assassinato de
Aldo Moro. Negri veio a ser detido, juntamente com outros dirigentes e militantes da Autonomia Operaia, sendo
indiciado como o responsável moral no
assassínio daquele político pelas Brigadas Vermelhas. Acabou absolvido desta acusação, mas não se livrou de uma
pena de 12 anos de prisão por associação subversiva, tendo-se dado como provada a sua cumplicidade num assalto
em 1974. Contudo, depois de ter sido
enfiado no cárcere, o líder do Partido
Radical, Marco Pannella decidiu incluílo, em 1983, nas listas daquela formação e convertê-lo em deputado, o que
lhe permitiu deixar a prisão. Gerou-se
então um enorme escândalo na vida política, com as formações de direita a exprimirem o seu horror por verem um
homem condenado por terrorismo a
entrar no Palácio Montecitório. Mas
Negri aproveitou para fugir de Itália,
acolhendo-se em França, beneficiando
da doutrina Mitterrand, com a recusa
do executivo galês em extraditar membros da extrema-esquerda italiana refugiados no país. Em Paris veio a encontrar as condições ideais para retomar a
sua atividade enquanto pensador, autor
e professor universitário, tendo dado
aulas na Sorbonne e no Colégio Internacional de Filosofia, entre outras instituições. Apesar desses anos na Cidade
da Luz terem sido decisivos para alcandorá-lo enquanto um dos mais influentes pensadores no que toca à refundação do comunismo, ou seja, de uma
esquerda não conformista e heterodoxa, aquele período esteve longe de ser
um idílio, e devido às contas pendentes
em Itália, chegou a ser alvo de um atentado de sequestro parte dos serviços
secretos transalpinos. A completa liberdade só lhe foi concedida em 2003, seis
anos depois de ter regressado a Itália
para cumprir a pena.
Em 1984, Negri escreveu a meias com Félix Guattari um livro que tem uma edição portuguesa publicada no Brasil com o título “As Verdades Nômades – Por Novos Espaço de Liberdade”, em que às tantas os autores lembra, que “(…) o Estado é o que permanece como uma das formas mais abjectas do poder quando a sociedade se desvia de suas responsabilidades colectivas. E não é só o tempo que levará a termo essa secreção monstruosa, mas antes de tudo as práticas organizadas que permitem à sociedade livrar-se do infantilismo colectivo ao qual a destinam os media e os equipamentos capitalistas. O Estado não é um monstro exterior que precisamos de afugentar ou domar. Ele está em toda parte, a começar em nós mesmos, na raiz do nosso inconsciente.”
Já no que toca à denúncia da condição esclerótica e senil da esquerda, à sua incapacidade de responder às transformações impostas pelo capitalismo nesta sua fase extrema, Negri foi um dos autores que melhor soube fazer o diagnóstico dessa crise, e numa entrevista vincou como a esquerda tem ainda o esqueleto do capitalismo no seu armário, pois nasceu de uma interpretação objetivista e determinista do Capital de Marx. “Os líderes da esquerda gostariam de ser patrões, e como não o podem fazer a título privado, fazem-no a título público, no Estado. Indo mais longe, esses dirigentes nunca entenderam que o capital é o conceito de uma relação, de uma luta. Ou pior ainda, se o entenderam, decidiram fazer parte dele, procurando estar entre os que mandam. O socialismo não é outra coisa senão a transformação do Estado.”
Sem comentários:
Enviar um comentário