Por: João Miguel Tavares
O silêncio do filho Nuno e a verborreia do bispo José O Orçamento do
Estado para 2024
prevê uma despesa
de 123 mil milhões
de euros. Quatro
milhões de euros — o
preço dos medicamentos
oferecidos às duas gémeas
brasileiras — são 0,003% desse
valor, uma gota de água no oceano
da despesa pública. Haverá
certamente dinheiro muito mais
mal gasto e desviado para causas
menos nobres. Então, porque é
que continuamos a falar do caso
das gémeas, semana após semana?
É simples. 1) Porque é evidente,
desde a primeira hora, que houve
um tratamento de favor. 2) Porque
é evidente que o favor se torna
mais grave por ser uma cunha
médica, num hospital onde
falta dinheiro para quase tudo, e
num sector da saúde onde milhões
de portugueses já sofreram na
pele a lentidão, a ineficácia e a
falta de meios. 3) Porque é evidente que todos os políticos
envolvidos no caso mentem desde
a primeira hora. 4) Porque é
evidente que o caso reforça os
preconceitos contra a classe
política, com Presidente e
membros do Governo a
fazerem-se de sonsos e
esquecidos, numa conspiração
generalizada contra a inteligência
dos cidadãos.
Essas são quatro razões para
continuarmos a falar do caso. Mas
as razões não param, e só nesta
semana tivemos mais três. 1) A
mudez de Nuno Rebelo de Sousa
na sua chegada a Portugal,
perseguido pelas câmaras de televisão. 2) A espantosa reflexão
sobre o caso do bispo José Ornelas.
3) A entrevista de Lacerda Sales ao
Expresso e as alegadas explicações
que forneceu sobre a sua
intervenção. Vamos por partes.
1) O doutor Nuno Rebelo de
Sousa não pode querer ser filho do
Presidente da República na hora
de pedir favores, ou de presidir à
Câmara Portuguesa de Comércio
de São Paulo, e depois refugiar-se
no estatuto de cidadão comum
para evitar dar explicações aos
portugueses. A sua chegada em
silêncio absoluto ao aeroporto de
Lisboa, cheio de estilo e vaidade —
óculos escuros à noite, boné preto
da Mercedes, mochila Montblanc
de 1500 euros às costas; um
homem rico que ajudou amigos
ricos a usufruírem dos meios
limitados do SNS —, fala mais do
que muitos discursos, e é mais um
prego na popularidade de Marcelo
Rebelo de Sousa.
2) Sem que ninguém lhe tivesse
encomendado o sermão, o bispo
José Ornelas declarou que “cunhas
que salvam crianças não fazem
mal a ninguém” — esquecendo-se
de que médicos no Brasil e em
Portugal puseram em causa a
eficácia terapêutica do Zolgensma
face ao que as gémeas já estavam a
tomar no Brasil, e que os tribunais
brasileiros recusaram o recurso ao medicamento, argumentando que
a família não estava “em condição
de pobreza” e que as crianças não
estavam “desassistidas”. “Se isso é
ser corrupto, então eu também
quero ser corrupto”, afirmou o
bispo Ornelas. Perdoai-lhe,
Senhor, que não sabe o que diz.
3) O ex-secretário de Estado, Lacerda Sales meteu no saco a tese
da “sede própria” e veio
apresentar explicações públicas,
esforçando-se por não mentir sem
nunca contar toda a verdade.
Confirmou que teve uma reunião
com Nuno Rebelo de Sousa sobre
as gémeas, e uma outra “sobre um
assunto completamente
diferente”: “[Ele] trouxe dois
empresários, creio que da
hospitalização privada no Brasil.”
Nada mais acrescentou. Pelos
vistos, o filho do Presidente tanto
pede reuniões a um secretário de
Estado por razões humanitárias,
que até dão vontade ao bispo
Ornelas de ser corrupto, como por
razões de lobbying e de negócios.
Como distinguir umas das outras?
Enquanto Nuno Rebelo de Sousa
permanecer em silêncio, a
distinção é nula e todos podemos
pensar o pior. -(Público) O sermão do pardalão: (o bispo
José Ornelas declarou que) “cunhas
que salvam crianças não fazem
mal a ninguém”
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