sábado, 16 de dezembro de 2023

O Juiz Clarence Thomas recebia subornos milionários nos EUA

 No mais alto pano cai a nódoa

juiz Clarence Thomas


«Nos EUA tem vindo a desenvolver-se uma curiosa e esclarecedora novela sobre as relações de alguns juízes do Supremo Tribunal com bilionários donos de empresas com processos judiciais no Supremo Tribunal. A aura, não de infalibilidade, mas de respeitabilidade e seriedade do Supremo Tribunal norte-americano tem vindo a perder brilho sobretudo a partir das revelações da ProPública, uma organização de jornalistas de investigação, sem fins lucrativos, sobre dois dos juízes mais conservadores do Supremo Tribunal e as suas vantajosas relações com doadores bilionários. Ao longo de 2023, a ProPública tem vindo a produzir informação sobre a amizade de há dezenas de anos do juiz Clarence Thomas com o magnata do sector imobiliário Harlan Crow e as vantagens dela decorrentes, bem como as viagens de luxo do juiz Samuel Alito com o bilionário Paul Singer. 
 
Embora os visados tenham procurado minimizar as revelações, a  verdade é que o Supremo Tribunal já se viu obrigado a abrir uma investigação e a promulgar um opaco e seguramente pouco eficaz código de conduta... Enquanto do outro lado do Atlântico se vai desenrolando esta emocionante investigação, cá pelo Velho Continente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) viu-se obrigado a pronunciar-se sobre uma queixa apresentada pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas e outros sindicatos contra a França por violação do direito a um julgamento justo por um tribunal imparcial, devido à participação, na decisão do recurso que tinham apresentado, de três juízes do Supremo Tribunal (Cour de Cassation) que os queixosos afirmavam estarem ligados à parte contrária. Em causa estava uma reestruturação da editora Wolters Kluwer France (WKF), dedicada à informação e formação jurídica e que, no âmbito do grupo empresarial a que pertencia, contraíra um empréstimo interno de 445 milhões de euros, avalizado por um revisor oficial de contas, que tinha levado a que os trabalhadores deixassem de receber participações nos lucros da empresa. Os trabalhadores tinham defendido, nos tribunais franceses, que esta engenharia financeira e fiscal era uma operação fraudulenta em prejuízo dos trabalhadores e, no tribunal de recurso, tinham ganho a causa, sendo decidido que deveria ser estabelecido, por um revisor oficial, o montante da reserva especial de participação que os assalariados da empresa deveriam receber relativamente aos anos de 2007 a 2015. A WKF recorreu para o Supremo Tribunal e aí, num colectivo de seis juízes, teve a “sorte” de encontrar três juízes que colaboravam com a editora, nomeadamente fazendo formações pagas a 1000 euros por dia ou 500 euros por meio-dia. E a decisão foi... a revogação da decisão do tribunal de recurso. Curiosamente, embora os juízes do Supremo dissessem que a sua decisão se inscrevia numa jurisprudência constante de não pôr em causa as operações avalizadas por um revisor oficial de contas, diversos juristas afirmaram que tal jurisprudência não era seguida quando estavam em causa actuações fraudulentas, como havia sido estabelecido pelo tribunal de recurso. Esta decisão causou algum alarido e o Conselho Superior da Magistratura, interpelado pelos sindicatos, chegou a pronunciar-se sobre o assunto, considerando que os juízes se deveriam ter considerado impedidos de julgar no processo, mas que este desrespeito pelas normas deontológicas não atingia “um nível de gravidade suscetível de constituir uma infração disciplinar” (!). E foi assim que o caso chegou ao TEDH, que, no passado dia 14, por unanimidade, embora sublinhando que “a contribuição dos juízes para a divulgação do direito, nomeadamente através de eventos científicos, actividades pedagógicas e publicações, faz parte natural das suas funções”, considerou que as relações profissionais dos juízes em causa com uma das partes no processo eram “regulares, estreitas e remuneradas”, o que era suficiente para demonstrar que se deveriam ter declarado impedidos e que os receios dos queixosos quanto à sua falta de imparcialidade estavam objetivamente justificados. Considerou, assim, o TEDH que a França tinha violado o direito a um processo equitativo consagrado na Convenção – “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei ...” – mas as consequências práticas para os trabalhadores serão, muito provavelmente, poucas para além da vergonha nacional que representa para os juízes franceses esta decisão europeia.» (Público)

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