terça-feira, 30 de janeiro de 2024

“Polvo” na Madeira também envolverá quatro secretários regionais e seis câmaras

 A Grande Teia: “Polvo” na Madeira também envolverá quatro secretários regionais e seis câmaras

Três destes governantes ainda se mantêm em funções e uma* quarta saiu do governo regional há uns meses. No rol das autarquias, juntam-se à do Funchal a Calheta e Câmara de Lobos, entre outras. 

Mariana Oliveira e Ana Henriques 30 de Janeiro de 2024, *(Susana Prada)

Além do presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, que já anunciou a sua demissão na sequência da sua constituição como arguido no caso de corrupção que explodiu na semana passada naquela região, há três secretários regionais ainda em funções e uma quarta, que fazia parte do anterior executivo, referenciados nos inquéritos que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal tem em curso. Também seis autarquias, incluindo a do Funchal, que até à semana passada era presidida por Pedro Calado - um dos três detidos num dos inquéritos - aparecem referidas nos mandados de buscas. São elas Calheta, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Santa Cruz e Porto Santo. Relativamente a cada uma delas são referidos negócios que suscitam dúvidas, mas não é identificado qualquer suspeito. No rol de actuais secretários regionais, o Ministério Público realça o nome de Rogério Gouveia, que, desde Agosto de 2021, ocupa a pasta das Finanças, lugar criado após Pedro Calado ter abandonado a vice-presidência do governo regional para se candidatar à presidência da Câmara do Funchal. Este governante concluiu procedimentos de contratação e lançou outros que estão em investigação. Exemplo disso é o concurso para aluguer de impressoras e serviços de impressão para o governo regional, de quase 3,8 milhões de euros, aberto em 2021 ainda quando Calado estava na vice-presidência e terminado já por Rogério Gouveia. O Tribunal de Contas já tinha apontado como ilegal o procedimento e pedido responsabilidade financeira aos dois governantes e a outros dois altos quadros da administração regional. A empresa contratada comercializava e dava assistência técnica aos produtos da Canon, que, por sua vez, patrocinava a equipa de ralis de Calado, a Team Vespas. Quem também aparece no rol dos actuais secretários regionais é Pedro Fino, que ocupa a pasta dos Equipamentos e das Infra-estruturas desde Outubro de 2019. Destaca o Ministério Público que desde que ocupou o cargo e até Setembro do ano passado a sua secretaria de Estado adjudicou à empresa de construção Afavias, do grupo AFA, do empresário Avelino Farinha (outro dos três detidos), mais de 213 milhões de euros. Este conglomerado com dimensão internacional e várias áreas de negócio factura 300 milhões por ano. O secretário Regional da Economia, Rui Barreto (CDS-Madeira) e a ex-secretária regional do Ambiente, Susana Prada, que saiu do governo em Outubro passado, são igualmente referidos. Apesar disso, segundo o PÚBLICO apurou, não terão sido constituídos arguidos.

 Rui Barreto aparece envolvido com Miguel Albuquerque (https://www.publico.pt/2024/01/26/politica/noticia/albuquerque-indiciado-oito-crimesincluindo-corrupcao-activa-passiva-2078272) num dos vários negócios alegadamente lesivos do interesse público. Trata-se da concessão do serviço público de transporte rodoviário de passageiros em metade da ilha, entregue em 2022 pelo governo regional a um consórcio ligado ao empresário Afonso Tavares da Silva, vice-presidente na Câmara do Comércio e lndústria da Madeira. O que diz o Ministério Público é que, mesmo depois de ver esta concessão, com dez anos de duração, anulada em tribunal na sequência da queixa de outro concorrente, Tavares da Silva continuou a comprar autocarros “no pressuposto de que o serviço viria a ser-lhe adjudicado”. Tudo isto, garantem os investigadores, com o conhecimento e acordo de Miguel Albuquerque e de Rui Barreto. Por fim, já em 2023, o Tribunal de Contas acabou por visar o contrato. "A circunstância de ter sido celebrado com empresa diversa do agrupamento inicialmente seleccionado, excluído do concurso em consequência de decisão proferida pelo tribunal, levanta a fundada suspeita de que o procedimento tenha sido manipulado”, com o presidente do Governo Regional a violar os deveres do cargo que ocupava para beneficiar o empresário, deduz o Ministério Público (MP). Haverá, de resto, uma relação de grande proximidade entre ambos: o político socialdemocrata frequenta a casa de Tavares da Silva, sendo por seu turno frequentemente convidado para eventos na Quinta Vigia (sede do Governo Regional). “Subsistem suspeitas de que, valendo-se deste contexto de proximidade, o empresário solicitasse a intervenção de Miguel Albuquerque para que intercedesse em seu favor, no enquadramento de negócios concretos que pretendia desenvolver”, alega o MP, acrescentando que, em determinadas ocasiões, a iniciativa partiu do próprio presidente do Governo Regional, que apresentou o amigo a “pessoas com responsabilidades em áreas com potencial relevância em matérias e processos decisórios” nas suas áreas de actuação.

A construção de um projecto imobiliário na praia Formosa (https://www.publico.pt/2019/03/28/local/noticia/madeira-suspende-plano-municipalresolver-impasse-antigo-hotel-1867225), numa zona defronte do mar em que o Plano Director Municipal do Funchal não permitia edificações, é outro negócio que levanta suspeitas aos investigadores, implicando não apenas Miguel Albuquerque como Pedro Calado e a então secretária regional do Ambiente, Susana Prada, casada com Paulo Prada, administrador do grupo Pestana. Organização que terá sido indevidamente beneficiada pelos poderes regionais, tendo sido postos à venda há um ano, em planta, os apartamentos dos sete prédios de nove andares autorizados para o Formosa Bay Pestana Residences & CR7. “O projecto não terá sido precedido de avaliação de impacte ambiental”, refere o MP. Além do grupo Pestana, por trás deste empreendimento está, segundo os investigadores, uma figura central das investigações em curso na Madeira: o empresário Avelino Farinha. Accionista dos dois jornais regionais e dono de rádios locais, a maior parte dos lucros deste homem de negócio (https://www.publico.pt/2024/01/25/politica/noticia/ministeriopublico-investiga-negocios-260-milhoes-governo-madeira-grupo-afa-2078153)s vêm-lhe da empresa de construção civil Afavias, tendo tido a trabalhar para si há cerca de uma década, como administrador do grupo, Pedro Calado. Os investigadores acreditam que quando foi vice-presidente do Governo Regional, entre 2017 e 2021, Calado terá usado a sua posição e influência a favor do antigo patrão: “Por sua intervenção directa, terá o grupo Afa tido acesso prévio a propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes nos concursos” e beneficiado “de peças processuais feitas à medida de requisitos prédeterminados de modo a só poderem ser preenchidos por aquele grupo”.

 Da mesma forma, terão sido estabelecidas cláusulas para os cadernos encargos cujo preenchimento de propostas só estaria ao alcance do mesmo grupo. 

Estadia grátis com tudo incluído?

 Os quatro dias que Miguel Albuquerque passou com a família no luxuoso hotel Savoy, no Funchal, no Verão passado ter-lhe-ão saído a custo zero, suspeita o Ministério Público. Por razões que não são explicadas o governante, mulher e filhos tiveram de sair temporariamente da sua residência entre o final de Junho e o início de Julho, tendo um adjunto seu, pedido ao empresário Avelino Farinha que lhe providenciasse dois quartos na sua unidade hoteleira. 

“Avelino Farinha determinou que lhes fosse dado tratamento preferencial, uma premium experience, com full credit para todos os consumos efectuados durante a estadia. Subsistem suspeitas de que Miguel Albuquerque, fruto da relação de proximidade com Avelino Farinha, e como contrapartida de actos praticados no exercício das funções de presidente do Governo Regional da Madeira, susceptíveis de beneficiarem o grupo Afa, possa ter permanecido na dita unidade hoteleira sem suportar total ou parcialmente os custos devidos pela sua estadia”, escreve o Ministério Público, adiantando que poderá estar-se perante uma vantagem pecuniária ilegítima.






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