terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Coisas que hoje são banais em termos de direitos dos trabalhadores são, inegavelmente, conquistas do socialismo.

 “O fascismo é sempre uma possibilidade a que a burguesia ‘liberal’ recorre, para defender os seus interesses de classe.”

“Liberalismo” e fascismo

  O português Seixas da Costa questionou na sua conta no Twitter aqueles que equiparam a extrema-direita à extrema-esquerda, lembrando certeiramente que a extrema-esquerda não é racista, xenófoba e homofóbica. Por uma dessas associações de ideias difíceis de explicar (ou talvez não), ocorreu-me uma questão que que me inquieta de maneira recorrente: as relações entre o “liberalismo” e o fascismo. Lembrei-me de uma entrevista do grande intelectual Antônio Cândido, crítico literário e pensador fundamental do Brasil do século XX, ao jornal O Estado de São Paulo, em 2017. Ele começou com uma afirmação incomum:
 “Eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E isso não é um paradoxo.” Para fundamentar essa afirmação, Cândido, depois de observar que o capitalismo e o socialismo “nasceram juntos, na Revolução Industrial”, começou por lembrar como era o capitalismo nos seus primórdios: “Os operários ingleses dormiam debaixo das máquinas e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. A indústria era assim” (para confirmá-lo, acrescento eu, leia-se Dickens, entre outros). “Aí começou a aparecer o socialismo”, pontuou, “para começar a lutar pelos interesses dos operários”. O que é que Antônio Cândido chamava de “socialismo”? “Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso”, respondeu ele ao Estado de São Paulo.
 “Esse pessoal começou a lutar para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais do que 12 horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter de trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças”, referiu. Rótulos à parte, e observadas as lições da História (por exemplo, o descalabro do modelo estalinista de socialismo), temos de dar razão a Antônio Cândido: coisas que hoje são banais em termos de direitos dos trabalhadores são, inegavelmente, conquistas do socialismo. Todas essas conquistas estão em perigo, devido às mudanças ocorridas no mundo nas últimas quatro décadas. 
 A transformação do capitalismo produtivista em capitalismo financeiro-tecnológico está a mudar drasticamente as relações entre o capital e o trabalho, engendrando um fenómeno que alguns designam por “uberização da economia”. Como resultado, aumenta cada vez mais o fosso entre os mais pobres e uma minoria de ultrabilionários, à custa dos ganhos obtidos, sobretudo, graças a aplicações financeiras, enquanto os direitos dos assalariados são literalmente “atacados” (a precarização e fragmentação da mão-de-obra é um indício dessa nova realidade, mas há muitos outros). Essas e outras transformações, como certos efeitos dúbios da globalização (deslocalização industrial, imigração, etc.), não são alheias ao crescimento, em todo o mundo, da extrema-direita, do autoritarismo e das tendências teocráticas, assentes na aliança entre a política e o conservadorismo e fundamentalismo religioso de todos os matizes. 
  Esse “caldo” inquietante e perturbador tem um nome: fascismo. Acontece que a luta contra todas essas tendências está longe de ser unânime. A observação de Seixas da Costa com que abri este texto faz-nos recordar a todos a existência de certas correntes atuais, que se proclamam liberais, mas que o são principalmente no plano económico, não hesitando em ignorar o liberalismo social, moral e até político, quando julgam em perigo, justificadamente ou não, os seus interesses económicos. A equiparação entre extrema-direita e extrema-esquerda feita por esses setores é um exemplo disso.
  A terminar, reafirmo algo que tenho dito várias vezes: o fascismo é sempre uma possibilidade a que a burguesia “liberal” recorre, para defender os seus interesses de classe.
  A quem tiver dúvidas, aconselho que se pergunte o que explica a autêntica “tomada” do Partido Republicano americano pelo trumpismo; o desaparecimento da direita democrática no Brasil; e os resultados da última sondagem em Portugal sobre as preferências partidárias dos cidadãos.
Escritor e jornalista angolano Diretor da revista África 21


1 comentário:

  1. https://www.dnoticias.pt/2023/2/2/346835-governo-regional-despede-professor-de-danca-suspeito-de-assediar-aluno/

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