“O fascismo é sempre uma possibilidade a que a burguesia ‘liberal’ recorre, para defender os seus interesses de classe.”
“Liberalismo” e fascismo
O português Seixas da Costa
questionou na sua
conta no Twitter
aqueles que equiparam a extrema-direita à extrema-esquerda, lembrando certeiramente que a extrema-esquerda não é racista, xenófoba e
homofóbica. Por uma dessas
associações de ideias difíceis
de explicar (ou talvez não),
ocorreu-me uma questão que
que me inquieta de maneira
recorrente: as relações entre o
“liberalismo” e o fascismo.
Lembrei-me de uma entrevista do grande intelectual Antônio Cândido, crítico literário
e pensador fundamental do
Brasil do século XX, ao jornal O
Estado de São Paulo, em 2017.
Ele começou com uma afirmação incomum:
“Eu acho que o
socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E isso não é um paradoxo.”
Para fundamentar essa afirmação, Cândido, depois de observar que o capitalismo e o socialismo “nasceram juntos, na Revolução Industrial”, começou
por lembrar como era o capitalismo nos seus primórdios: “Os
operários ingleses dormiam
debaixo das máquinas e eram
acordados de madrugada com
o chicote do contramestre. A
indústria era assim” (para confirmá-lo, acrescento eu, leia-se
Dickens, entre outros). “Aí começou a aparecer o socialismo”, pontuou, “para começar a
lutar pelos interesses dos operários”.
O que é que Antônio Cândido chamava de “socialismo”?
“Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso”, respondeu ele
ao Estado de São Paulo.
“Esse
pessoal começou a lutar para o
operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais do que 12 horas, depois para não trabalhar mais
que dez, oito; para a mulher
grávida não ter de trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as
crianças”, referiu.
Rótulos à parte, e observadas
as lições da História (por
exemplo, o descalabro do modelo estalinista de socialismo),
temos de dar razão a Antônio
Cândido: coisas que hoje são
banais em termos de direitos
dos trabalhadores são, inegavelmente, conquistas do socialismo.
Todas essas conquistas estão
em perigo, devido às mudanças ocorridas no mundo nas
últimas quatro décadas.
A
transformação do capitalismo
produtivista em capitalismo financeiro-tecnológico está a
mudar drasticamente as relações entre o capital e o trabalho, engendrando um fenómeno que alguns designam por
“uberização da economia”.
Como resultado, aumenta
cada vez mais o fosso entre os
mais pobres e uma minoria de
ultrabilionários, à custa dos
ganhos obtidos, sobretudo, graças a aplicações financeiras, enquanto os direitos dos
assalariados são literalmente
“atacados” (a precarização e
fragmentação da mão-de-obra
é um indício dessa nova realidade, mas há muitos outros).
Essas e outras transformações, como certos efeitos dúbios da globalização (deslocalização industrial, imigração,
etc.), não são alheias ao crescimento, em todo o mundo, da
extrema-direita, do autoritarismo e das tendências teocráticas, assentes na aliança entre
a política e o conservadorismo
e fundamentalismo religioso
de todos os matizes.
Esse “caldo” inquietante e perturbador
tem um nome: fascismo.
Acontece que a luta contra
todas essas tendências está
longe de ser unânime. A observação de Seixas da Costa com
que abri este texto faz-nos recordar a todos a existência de
certas correntes atuais, que se
proclamam liberais, mas que o
são principalmente no plano
económico, não hesitando em
ignorar o liberalismo social,
moral e até político, quando
julgam em perigo, justificadamente ou não, os seus interesses económicos. A equiparação entre extrema-direita e extrema-esquerda feita por esses
setores é um exemplo disso.
A terminar, reafirmo algo
que tenho dito várias vezes: o
fascismo é sempre uma possibilidade a que a burguesia “liberal” recorre, para defender
os seus interesses de classe.
A quem tiver dúvidas, aconselho que se pergunte o que explica a autêntica “tomada” do
Partido Republicano americano pelo trumpismo; o desaparecimento da direita democrática no Brasil; e os resultados
da última sondagem em Portugal sobre as preferências partidárias dos cidadãos.
https://www.dnoticias.pt/2023/2/2/346835-governo-regional-despede-professor-de-danca-suspeito-de-assediar-aluno/
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