Ver manifesto Comunista
Os capitalistas já votaram e escolheram o Podemos
Pablo Iglesias, do Podemos, e Alexis Tsipras, do Syriza, juntaram-se na Assembleia cidadã do partido espanhol
O Podemos espanhol começa a assemelhar-se a outras coisas já vistas, nomeadamente com o Syriza grego: partidos que cavalgam movimentos sociais inorgânicos, construídos à volta de uma figura intensamente promovida mediaticamente, com o rótulo de “radicais” e exteriores ao “sistema”, mas que o mesmo “sistema” acarinha e coopta. Partidos que são contra “os Partidos e contra “as ideologias”. E cujas propostas “radicais” se vão diluindo à medida que lhes acenam com a proximidade do poder.
“Nada revive o passado com tanta força como um odor ao qual esteve alguma vez associado.” (Vladimir Nabokov)
1.- O rastilho, a gasolina e o fogo:
Às vezes somos tentados a bater com a cabeça na parede quando observamos o modo simplista com que muita gente se limita a não descortinar a realidade social, económica e política espanholas mais além de onde chega a ponta do seu nariz. Façam o exercício de olhar o referido apêndice e comprovarão que aquilo que Valle Inclán fazia dizer a um Max Estrella bêbado é muito certo: “Os heróis clássicos reflectidos em espelhos côncavos dão o Esperpento. O sentido trágico da vida espanhola apenas pode apresentar-se por meio de uma estética sistematicamente deformada.”
A realidade da sociedade espanhola já não passa nem pelo olhar crítico da selvagem exploração da classe trabalhadora e pela penosa situação de milhões de desempregados - isso importa pouco no ruído nacional desde há anos -, nem sequer pela mais comedida crítica da crescente desigualdade ou pela visão das limitações das liberdades por parte de um governo liberticida e criminoso que está a criar um Estado totalitário de direito, nem tão pouco por esse mesmo governo que encara o processo soberanista da Catalunha a partir da perspectiva do louco ao qual pouco importa o choque dos comboios desde que a outra parte fracasse e isso lhe dê votos do lado de cá do Ebro.
Não. A única coisa que parece acender a raiva nacional é a corrupção, evidentemente apenas dos políticos que foram corrompidos e não daqueles que os compraram, os seus corruptores: o apodrecido empresariado deste país que, atendendo à sua condição de classe, não ignora que a corrupção é o óleo que lubrifica a engrenagem deste sistema económico ao qual quase ninguém parece opor-se.
Esta não é uma atitude de sucesso. Parece que apenas é indecente o corrupto político mas que quem compra esse político deve sair quase sempre ileso. A corrupção política está associada a centenas de pessoas mas o corruptor económico tem apenas um nome, “a doutrina Botín” e vocês já sabem como aquilo acabou. A ideologia dominante leva a que o pessoal queira triunfar a qualquer preço dentro da iniciativa privada.
A corrupção é a luz ofuscante que encobre qualquer outra realidade nacional: a pobreza de milhões de espanhóis, o subsídio de desemprego esgotado por tanto trabalhador quarentão ou cinquentão que já ficou definitivamente desprovido de futuro, os filhos dos filhos do desamparo que não são universitários amplamente preparados e não terão oportunidades de sair para o estrangeiro porque não adquiriram título académico, nem sabem outras línguas senão a própria, nem tiveram sequer a possibilidade de conhecer por uma primeira vez na sua vida o que é essa coisa chamada trabalho.
A realidade nacional tem na corrupção o rastilho da raiva colectiva. E na demagogia que a converte em quase o único problema de que o país padece encontra a gasolina que faz de acelerador do incêndio. No ambiente de taberna dos meios de manipulação (mass media e redes sociais) o fogo que liga com as anteriores. O que fica menos à vista é a mão dos poderes fácticos que maneja o rastilho incendiário: o poder económico em primeiro lugar e outros que seguramente não são já a Igreja nem o exército porque perderam influência na pirâmide do próprio poder mas que constituem a mão invisível que embala o berço. Deixo a sua identificação ao vosso critério.
Chama a atenção que, sendo os principais partidos tão solícitos na hora de cumprir os menores desejos do capital, não se tenha até ao momento produzido uma reivindicação imperativa de limpeza da corrupção e esta não tenha sido levada a cabo. Talvez se tenha que procurar uma parte da explicação no pestilento odor que a CEOE e a AEB emanam e no carácter de isco - leia-se engodo, reclame - da corrupção, capaz de ocultar o resto dos problemas colectivos.
2.- Um olhar sobre o passado recente:
Algum tempo antes daquilo que logo foi apelidado de 15M, o mainstream em que este movimento foi desenhado exprimiu-se claramente quanto aos seus objectivos (1): eram constituintes/substituintes do regime de partidos imperante, um sai tu para me dares o lugar; negadores da representação, sempre que não fosse a sua; partidárias do Estado mínimo e do “empoderamento cidadão”, uma categoria que, à margem do movimento feminista de que é originária, foi historicamente promovida pelas agências ianques de ingerência, disfarçadas de ONGs, na sua luta por colonizar grupos sociais para os afastar de posições que tivessem a ver com a luta de classes. Em nenhum momento se questionava nem o sistema capitalista nem o de relações laborais ou sociais de produção. Muito pelo contrário. Tratava-se de fazer da política o idiota útil que permitisse que o sistema económico em que o Tea Party indignado espanhol acreditava marchasse sobre esferas.
O que lhe interessava, como agora sucede com Podemos, era a questão das listas, eleições, maiorias, mudanças de caras governantes e, sobretudo, das críticas ao sistema de representação e aos representantes existentes. Já então, em 2010 (2), o apelidavam de casta. Mas quem empregava essa linguagem eram a direita e a extrema-direita espanholas. Por muito que houvesse antecedentes mais remotos na acepção do termo, não os procurem em Pérez Galdós para quem a expressão nunca chegou a ser um mantra na sua ideologia republicana. Se desejam antecedentes do termo menos contemporâneos do que o de há quatro anos, busquem-nos na Europa de entre guerras e nos movimentos ascendentes que levaram à II Guerra Mundial.
Entre os pais ideológicos menos conhecidos do 15M a palavra sistema adquiria o mesmo significado que teve na altura para um sujeito como Mario Conde: limitava-se apenas a certas conivências entre o sistema político e o empresarial-financeiro. Mas o problema não era o sistema económico, mas o demasiado poder que o sistema político tinha, e isso tinha que ser “corrigido”. Em nenhum caso se questionava o capitalismo entendido globalmente. A coisa viria a abrir espaço aos aventureiros da ocasião.
E chegou o 15M assumindo toda a parafernália ideológica previamente criada, e acrescentando uma horizontalidade negada na cafeteria da frente da assembleia de turno pelo comité de espertos e pela wikidemocracia 2.0, de onde logo nasceriam o partido, o Partido da Internet, o Partido X e Podemos, entre outras genialidades.
No mundo da classe media e do aspirante sem classe a criar um nicho em tal espaço, a sua guerra era virtualmente uma “ágora” - expressão grega que não apenas alude à praça como espaço de actividade política mas também ao comércio e à economia- na qual qualquer disparate podia alcançar níveis de categoria teórica: inclusividade, inimigo o governo, não o capital, e limitação da crítica económica aos bancos a partir de um discurso de cliente, que capturaria os desalojados desviando as suas críticas do capitalismo e das suas crises para a simplista ideia da vigarice.
Este conceito de vigarice conduziu a uma visão da crise capitalista como conspiração mundial “dos poderosos”, desdenhando a realidade da que é a contradição fundamental do capitalismo, o antagonismo entre produção colectiva de bens e a apropriação privada dos lucros, que está na origem tanto das crises económicas cíclicas como das sistémicas. Os sectores das classes médias afectados em maior ou menor medida pela crise, rejeitaram as questões ideológicas porque, segundo eles, dividiriam um movimento que se tem mostrado incapaz de avançar dentro do seu escudo e de radicalizar a sua crítica ao conjuntural num horizonte mais amplo do que o das circunstâncias vividas.
Mas o certo é que, para não dividir por questões ideológicas o movimento indignado, a consigna de “sem bandeiras e sem partidos”, a lengalenga de que as ideologias estão superadas e de que las classes sociais são algo difuso que corresponde com uma linguagem do passado, acabou de mãos dadas com a tese de Fukuyama do fim da história e com pensamentos políticos de direita, anarcocapitalistas, de liberalismo disfarçado de não ideologia e, no melhor dos casos, de soluções keynesianas que já fracassaram quando foram aplicadas na crise de 29.
Classe, para os vendedores de “dispositivos” neutrais para o protesto colectivo, era um termo proibido porque se assumia que todo o protesto devia representar as classes medias - seguindo a reaccionária teoria de que no meio está a virtude - e, por conseguinte, luta de classes era uma expressão, para além de antiga, tosca, serôdia e cheia de ressentimento.
A essa performance jogaram não apenas os evidentes (DRY, 15M, Juventud Sin Futuro e toda o bando de Anonymous e Erasmus fazendo o franchising do 15M e DRY pela Europa fora (na Grécia saíram-se mal na Praça de Sintagma e a classe trabalhadora helena mandou-os em 2011 pentear macacos) e pelas supostas organizações de esquerda. E estas desde antes do primeiro dia (estavam na montagem prévia a DRY e tinham gente já instalado no projecto). Refiro-me a Izquierda Unida, Izquierda Anticapitalista, a fauna anarca - que quando vê críticas à autoridade se imagina uma comuna aragonesa -, a mais ampla variedade de pequenos grupos de esquerda mais ou menos radical. Isto sem esquecer as seitas tipo Partido Humanista, os Zeitgeist, Testemunhas de Jeová ou grupúsculos como o MCRC.
O “comando à distância”, as “ferramentas digitais para a revolução democrática” (3) não estavam nas praças mas fora de elas, em multimilionários que deram cobertura da Internet às acampadas da Puerta del Sol (4), em globalistas cujas entidades ingerencistas proporcionam formação de lideranças num movimento supostamente carente de líderes (5) ou no financiamento de projectos digitais que a Open Society Foundation do magnata e especulador financeiro internacional tem angariado desde há anos para a EDRi (European Digital Rights), organização à qual pertencem entre, outras entidades, a Nodo50, um fornecedor de serviços de Internet orientado para os movimentos sociais.
As esquerdas foram pescar ao 15M. Pensavam fortalecer-se em militância e acabaram “pescando”…o vírus da cidadanite (os termos operários e trabalhadores foram desterrados e proscritos da linguagem das esquerdas), o ébola da democratite e o cancro de um “aggiornamento” tão moderno, tão moderno que, renunciando à sua origem em 1917, acabou por regressar a 1789 com toda a bazofia constituinte, esquecendo a luta de classes como motor da historia.
Pois bem, todo aquele descontentamento - porque apelidá-lo de mais do que isso seria excessivo - dado o esforço de umas velhas classes medias que se negavam a morrer e de umas novas que se criam largamente preparadas e tinham uma enorme ambição empreendedora, acabou deixando um rasto de incómodo ambiental profundo - são as únicas classes que os media do capital referem como grandes vitimas da crise – e misturou-se com o crescente encabrestamento colectivo face às pauladas de uns políticos que pareciam ser os decisores das desgraças colectivas das chamadas classes populares. Evidentemente, a repulsa face ao político corrupto não teve a sua correspondência em repúdio face ao empresário corruptor. Isso foi desde o princípio rejeitado por uma sociedade fortemente direitizada para a qual o capitalista apenas é malvado se é banqueiro ou se é um dos homens mais ricos do mundo. No melhor dos casos a crítica ao capitalismo limita-se à sede de lucro do capitalista mas não ao sistema de relações de desigualdade profunda, à injustiça de base da propriedade privada dos meios de produção ou à estrutura social que esse mesmo capitalismo gera.
O paradoxo é que a crise mais profunda que o capitalismo já viveu na sua historia, com um brutal incremento da pobreza, números do desemprego como não havia memória, perda galopante de direitos e conquistas sociais da classe trabalhadora significou o reforço do capitalismo como único horizonte sistémico, a viragem da sociedade no sentido de posições cada vez mais conservadoras e a aceitação de facto do modelo liberal como exclusiva alternativa económica “realista”, a não ser que alguém ainda engula que a bazofia da filosofia e da economia do bem comum ou da economia colaborativa, más versões actualizadas das teorias utilitaristas de Bentham y Stuart Mill, têm algo de revolucionário.
Ao vendedor de bancos de tempo, moedas sociais e outras patranhas que pretenda argumentar que no Equador se estão guiando pela filosofia e economia do Bem Comum, convém deixar claro que desde há anos o Governo do Presidente Correa não faz outra coisa senão virar à direita e no sentido do capital (6). Mas como a economia equatoriana ainda cresce e há políticas assistenciais, o protesto tem pouco eco. Quando se esvaziar o balão económico aqueles que em Espanha a acolheram como modelo e viajam para se fotografar com o actual Presidente repudiá-lo-ão como agora fazem com a revolução bolivariana, que chegou muito mais longe e em maior profundidade nas suas mudanças políticas e económicas.
3.-Algo falhou para que não se tenha dado até hoje outro tipo de protesto
Os pequeno-burgueses de classe média, com os seus programas de democracia radical, são dados a dar lições a quem não as pediu de que os seus estratos sociais são os que buscam autênticas mudanças e que a classe trabalhadora se aburguesou e acomodou, falácia que esconde o facto de que as classes não são sujeitos históricos espontâneos quando carecem de sujeitos políticos; isto é, de organizações que representem realmente os seus interesses.
Hoje, entretanto, essa pequena e média burguesias não são motor de nenhuma revolução social, mas de um movimento involutivo cujo alcance se irá vendo no decurso dos próximos anos. E não o são porque não podem sê-lo.
Não são a classe ascendente que mudará a historia mas a descendente que luta por sobreviver no meio da voragem capitalista, sabendo que a direcção da historia caminha em sentido inverso à sua sobrevivência como estrato social corta-fogos de uma autêntica transformação social. Quando as classes medias se sentem ameaçadas as suas acções caminham na mesma direcção que na Europa dos anos 30.
O drama para a classe trabalhadora é que as esquerdas com algum peso e o sindicalismo que um dia foi de classe se tornaram sistémicos; quer dizer, parte do sistema. O seu objectivo já não é acabar com o capitalismo, nem sequer reformá-lo. Os partidos autodenominados socialistas - Manuel Valls, primeiro-ministro do PSF já fala em abandonar a palavra “socialista” no nome do seu partido - são hoje direita democrática desde que o trabalhismo de Blair e o socialismo do ex. colaboracionista de Vichy, Miterrand, optaram por abrir uma etapa que enterrasse a social-democracia em nome do pragmatismo social-liberal. As esquerdas de matriz comunista, salvo honrosas excepções, são mera social-democracia cujo único objectivo é gerir keynesianamente a crise e salvar os restos do naufrágio do Estado de Bem-estar, esquecendo cinicamente que o comboio da social-democracia já partiu e que já não há espaço para a social-democracia porque o capitalismo não quer pacto social nenhum.
O fenómeno que hoje conhecemos como Podemos vem de há muito tempo sendo adubado por essas “esquerdas” claudicantes que negaram a classe trabalhadora em nome do cidadão como sujeito histórico, a luta de classes em nome da escolha da classe media como base social e que abandonaram o horizonte socialista em nome da gestão eficaz de um capitalismo de rosto humano e de gerir os sistemas fiscais como meio de realizar políticas moderadamente redistributivas num mundo globalizado em que o Estado perdeu os comandos da economia.
As palavras da moda dentro dessas pseudo-esquerdas são “reinventar-se”, “modernizar o discurso”, “refundar-se”; em definitivo, mil eufemismos para tratar de ocultar o que a todos os títulos é inocultável, que há já muito tempo que deixaram de ser o que ainda dizem que são, quando o ritual eleitoral o exige.
4.- E nisto chegou Podemos, mas quem o trouxe?
Podemos trouxe-o a renuncia das esquerdas a cumprir o papel histórico para que nasceram, a ser nesta hora do capitalismo agentes de autêntica transformação social, que se não passa por criar consciência de que o capitalismo tem de ser derrubado antes que a sua barbárie acabe com a humanidade, não pode passar por nenhum outro sitio porque a via eleitoral e ganhar os governos através do voto é já uma armadilha eleitoral para caçar elefantes, porque os governos nunca como hoje foram tão Conselhos de Administração dos interesses da classe burguesa, apesar de Marx o ter dito em 1848. (7)
Podemos trouxe-o todo o discurso antipolítica, antipartidos (vendeu-se inicialmente como um não-partido, como um movimento e uma iniciativa cidadã), negador do antagonismo de interesses entre a classe trabalhadora e os capitalistas, negador da luta de classes, negador das ideias de esquerda (“não somos de esquerda nem de direita. Somos os de baixo e vamos tratar dos de cima”), negador da representação (até a classe media ter encontrado quem os representasse), negador de “a casta” mas não do capitalismo, rejeitador de designar o seu anti capitalismo de slogan pelo seu nome (socialismo), na base de que “as etiquetas dividem e afugentam as pessoas” e de que é uma linguagem “desfasada”.
Ao Podemos trouxeram-no, tal como ao 15M, os poderes fácticos do capitalismo que sabem que, se a crise não traz uma saída que acalme as causas do descontentamento e da raiva sociais, de pouco valerão as medidas necessárias, mas cosméticas por insuficientes, para regenerar o sistema político pela via da transparência e de uma luta contra a corrupção cuja bandeira Podemos empunha hoje nominalmente, porque a pobreza, o desemprego, a desigualdade, a desprotecção social continuarão aí e seguramente crescendo. E então já não valerá que a classe media participe nos diferentes formatos de dissidência controlada que até agora se vêm sucedendo.
O capitalismo já ungiu Podemos como o seu filho bem-amado do momento, como passo necessário e em previsão desse dia em que um hipotético governo de Podemos possa causar desilusão, que é o que vem quando se acaba a “ilusão”, e frustração. Será esse o momento em que o cenário político estará maduro para outros actores políticos, quando o discurso social já não se dirija contra uma ou outra representação concretas, contra partidos determinados, mas contra todo o sistema democrático formal e que o que se reivindique aos gritos seja um caudilho que acabe com todos os políticos e decida por todos. Nos tiques autoritários e messiânicos do macho alfa já se adivinha um futuro mais além da configuração actual de Podemos.
Estamos assistindo à farsa de uma nova transição gattopardiana na qual se aparenta demolir todo o edifício quando, na realidade, apenas assistimos ao remoçar da fachada com novas molduras, baixos-relevos e saneamento do pórtico do Congresso da Nação.
5.- Mas ¿porque digo que Podemos foi o capital que o trouxe?
Na realidade, o que estou a dizer é que o capital já votou, que os capitalistas optaram e escolheram Podemos como a sua melhor opção de momento, dentro de que tudo se move muito depressa nesta crise, de que o capitalismo nunca dispôs de soluções definitivas mas que tem vindo a aplicar remendos em andamento.
¿Acreditam que se o senhor Pablo Iglesias fosse um perigoso bolivariano, ou mais, um marxista-leninista clássico, um perigoso anti-sistema, como afirma a Brunete mediática, a televisão Intereconomía teria contado com ele durante todo um ano desde 2013, sendo esta a primeira a dar-lhe o baptismo da TDT?
¿Acreditam acaso que os senhores Iglesias, Monedero, Errejón e, em menor medida Alegre ou a senhora Bescansa saltam continuamente e sem parar de plateau em plateau de televisão, como símios de liana em liana, porque Podemos dá audiência às televisões, como respondeu o senhor Iglesias ao senhor Évole no seu programa “Salvados”? Não estou a negar que possa dá-la mas, em primeiro lugar, quando La Sexta e o jornal Público lançaram Pablo Iglesias para o estrelato este não era precisamente alguém muito conhecido que pudesse dar às televisões grande audiência. E em segundo e principal lugar ¿Acaso são tão ingénuos que crêem que os meios de comunicação não são empresas capitalistas que têm entre os seus accionistas bancos e outras corporações não mediáticas? ¿Crêem na verdade que se o capital estivesse minimamente preocupado com Podemos ia dar-lhe uma exposição tão impressionante que quase supera a soma do tempo concedido a todos os demais partidos, sem ter mais do que 5 eurodeputados e nem um só ainda no Congresso dos Deputados? ¿ Crêem na verdade que os capitalistas iam fazer hara-kiri para ganhar audiência? ¡Gente, por favor! Deixem em paz as pastilhas da avozinha.
Analisemos como mudou Podemos desde as eleições europeias até hoje:
a) Começou assegurando que os Círculos eram a base do poder cidadão e que compatibilizariam a eficácia da organização do seu movimento com a horizontalidade e a democracia de assembleias e acabou registando-se como partido político no Ministério do Interior com a cara de Pablo Iglesias nos boletins de voto e criando um partido vertical, com secretario geral-porta-voz (PIT, que não Brad) e deixando aos Círculos a mínima autonomia possível, ou seja, a de aplicar o que decida o Conselho de Coordenação de Podemos.
b) Começou proclamando um difuso republicanismo (o importante era que a cidadania decidisse, mais do que a forma de governo em sí), mas em Madrid não os vimos nas manifestações realizadas após a abdicação de Juan Carlos I, para passar mais tarde a declarar que não veriam inconveniente em aceitar a actual bandeira vermelha e amarela (será por aquilo de a I República, mas não a II, a ter mantido) ou as declarações do senhor Iglesias de que “a rainha Letizia tem interesse em conhecer-me” ¿Será porque o seu ex. marido simpatiza com Podemos ou porque a sua tia Henar Ortíz, processada por desvio de fundos, é do Círculo Podemos de Cangas de Onix? A continuar esta progressão vejo o “republicano” cidadão Iglesias emparentando com a Família Real. Ficaria bem de pajem nas fotos.
c) Começou por oferecer o “direito a um Rendimento Básico para todos os cidadãos pelo mero facto de o serem” (8) no seu programa para as eleições europeias e acabou por distinguir entre direito e recebedores nas palavras da senhora Bescansa - a que diz que os empresários deste país são gente honrada e que o aborto não é um tema que construa potência política - e com antecedência de PIT, que não Brad. O carácter do Rendimento Básico Universal (assim se denomina no logotipo de Podemos no Facebook. Acabarão por o mudar) não dá lugar a equívocos: o rendimento básico para todos ou universal é-o porque se trata de um direito que opera positivamente, isto é, que é recebido por toda a gente. Quando não é universal é um rendimento de inserção idêntico ao que o PSOE apresentou há dois anos no Congresso e que Pedro Sánchez actualmente defende. ¡Veja-se, Podemos convertido num PSOE bis como o de “OTAN de entrada não”! Por certo, a recusa de Podemos Rota em participar na marcha contra a presença da Base Naval da OTAN nesta localidade é bastante esclarecedora acerca do que há a esperar desta “gente” (9) Sugiro-lhes que leiam detidamente as razões de Podemos na referida localidade para não secundar a marcha.
Voltando à questão do Rendimento Básico para Todos e à mudança de posição de Podemos relativamente à mesma: ¿terá algo a ver com o facto de uma das novas contratações estrela de Podemos para a área económica ser o inconfesso keynesiano Juan Torres, que há um ano escreveu na secção de Andaluzia de El País uma crítica feroz contra a proposta de Rendimento Básico para a Andaluzia que a Esquerda Unida tinha apresentado? (10)
d) Podemos começou dizendo que se o Governo suspendesse o referendo soberanista na Catalunha, que agora a Generalitat transformou em consulta não vinculante e não convocada por meios escritos, apelaria à desobediência civil mas no passado dia 23 de Outubro o senhor ïñigo Errejón afirmava que “A decisão do caso catalão não é apenas catalã mas de todos os espanhóis” (11) ¿Soa-lhes bem isto? É a cantilena que Rajoy e o PP vêm repetindo todos os dias desde antes da convocatória do citado referendo. ¿Podemos Catalunha disse recentemente outra coisa? Pode dizer missa em latim, porque quem manda em Podemos é PIT o macho alfa. ¿Ou é que o vão desafiar? De momento, não convocaram nenhuma desobediência civil nas ruas, a não ser que entendam, como o senhor Junqueras, que desobediência civil é acorrer ao 9-N para votar. É terrível o carácter insubmisso e insurgente de Podemos. ¡Uyyyy, que medo!… me dão estes “patriotas” espanholaços.
e) Podemos começou proclamando no seu Manifesto as suas posições relativamente à auditoria cidadã da dívida “Movimentar as peças: converter a indignação em mudança política” em que afirmava “Há que revogar o artigo 135 da Constituição espanhola e [exercer] uma moratória para levar a cabo uma auditoria cidadã da dívida que determine que partes da mesma não são legítimas; as dívidas ilegítimas não se pagam.” (12) Passou a falar de uma “auditoria pública”, que não é o mesmo que “auditoria cidadã” porque o sujeito auditor muda, e a substituir a expressão “as dívidas ilegítimas não se pagam” por “reestruturação da dívida”, termo muito do agrado dos económetras que falam para não dizer nada, e que significa que podes organizar e remodelar a dívida tudo o que queiras mas que quanto a pagar a pagas na íntegra. Está claro que o efeito Tsipras, ou González de 82, é igual – viro à direita conforme me aproximo das expectativas de governo - cala fundo no Podemos. Dão-se um banho de “realismo político”, que não é outra coisa senão um vergonhoso possibilismo reformista. Negociarão e assinarão o que o capital lhes ponha à frente, com ou sem artigo 135 da Constituição, que aposto a barba em como nem sequer nesse ponto reformam.
Estas mudanças em apenas uns poucos meses, não já sem chegar ao poder mas mesmo sem ter tirado ainda um só ticket para a Carrera de San Jerónimo [Congresso dos Deputados]. Imagine-se se chegassem ao Governo. Até o bolo-Rei que adoptaram por logotipo mudavam.
Bom, isso não, que não os vejo muito republicanos ¿Surpreende-vos que diga que Podemos é a aposta actual do capital? ¿Sim, surpreende-vos?
Bem, continuemos.
¿Recordam em alguma altura durante o passado 2013, quando foram divulgadas sondagens da Metroscopia (El País) que apontavam para um notável incremento do voto na IU, que isso fosse destacado com a insistência e o nível de difusão com que se têm vindo a dar a conhecer as que apontavam para avanços de Podemos após as europeias?
Bastou que se “filtrasse” na altura que Podemos aparecia já nas sondagens de Metroscopia, nas respostas abertas, dentro da secção “outro partido”, para que El País passasse de ignorar Podemos a tratá-lo como uma força política a ter em conta. Apesar dos artigos críticos de Antonio Elorza sobre Podemos e de que El País informasse sobre um sinal de rebelião em Junho passado nos Círculos madrilenos deste partido, o grupo Prisa prontamente derramaria sobre ele a sua bênção, em forma encíclica-editorial. Com efeito, o editorial do jornal madrileno de 19 de Setembro não deixava lugar a dúvidas, a começar pelo próprio título “Bem-vindos ao sistema” (13). E o seu subtítulo era ainda mais clarificador: “Podemos merece a oportunidade de defender o seu projecto, sempre que respeite a democracia”.
O que El País estava fazendo em ambos era não uma subtil maldade mas amparar o seu pintainho. Este é o diário más lido entre aqueles que expressam intenção de voto em Podemos e o media conhece muito bem a ideologia dos seus leitores. Não está a vender jornais mas a detectar o que há a esperar da nova formação política.
E se restassem dúvidas acerca da postura em relação a Podemos do principal diário defensor do regime económico capitalista espanhol, as palavras do decano do “jornalismo respeitável”, senhor Gabilondo, acabariam por as clarificar na sua homilia em forma de videoblog de 16 de Outubro na qual critica o silenciamento e a caricaturização da organização do senhor Iglesias sob o título de “Podemos, um respeito”(14) Podemos já havia alcançado a grave responsabilidade que Pablo Iglesias exprimia em palavras suas quando afirmava há apenas alguns dias: “Passei de provocador à responsabilidade de Estado”.
O burguês gentil-homem atingiu a maioridade - perderá a sua cabeleira, como Sansão, e acabará como eunuco político -, convertendo-se o pirómano (nunca o foi) de incendiário em bombeiro…toureiro.
¿Compreendem agora porque é que o senhor PIT, que não Brad, fez a sua apresentação no Hotel Ritz (navio-almirante da plutocracia) para falar no Fórum Nova Economia. Ia apresentar as suas credenciais de novo parvenu no clube dos que comem na mão dos empresários.
Hoje, segunda-feira 3 de Novembro, Cayo Lara, Coordenador de IU, fez o que tinha a fazer. Isto para aqueles que afirmam que pertenço à casta por criticar Podemos e que sou da IU. Defendi em tempos a IU e o seu Coordenador. À primeira por ser nela que persistem os últimos restos do fio vermelho que não deve perder-se nas lutas sociais e ao segundo pela sua honestidade pessoal e pelo seu empenho em manter o dito fio vermelho e não renunciar à memória do que em tempos foi uma organização na qual ser-se marxista merecia respeito. Pelo que vou vendo na deriva de IU com Ganemos, uma espécie de Podemos em ponto pequeno que em muitos lugares praticará o “confluying” com estes últimos, o meu afastamento da IU é cada vez maior. Nego-me a avalizar com o meu voto qualquer tipo de pacto secreto entre a companheira de Pablo Iglesias Tania Sánchez para a Comunidade Autónoma de Madrid e Monedero para alcalde, com um sujeito tão inapresentável como Ángel Pérez para senador (15). Na minha dignidade e no meu voto mando eu.
¿Recordam quando o CIS deixou de perguntar pela Monarquia porque a sua imagem se havia deteriorado enormemente com os escândalos de saias, cornos, saltos de tigre, caças de elefantes e corrupções? Pois houve várias das suas sondagens em que não houve perguntas sobre a mesma. ¿Acreditam que se Podemos fosse realmente um perigo para o sistema estas sondagens não teriam sido cozinhadas de um modo menos favorável para o dito partido? Pelo contrário, primeiro filtrou-se o dado que o situava em primeira posição nas intenções de voto, depois Metroscopia ratificou-o, depois passeou-se por todas as televisões e pelo resto dos media para ir acostumando o votante a aceitar e reforçar os dados; reforço que em política se parece muito com o que realiza o adepto de futebol não catalão (este é muito mais fiel ao seu clube), que muda as suas preferências entre o Barça, o Real Madrid e inclusivamente o Atlético de Madrid conforme vai o campeonato.
Há uns dias conheci numa aldeia da serra de Madrid um jovem hoteleiro há muitos anos filiado no PP, que me disse que ia votar Podemos porque este ia ganhar. Depois esclareceu que a razão era estar farto da corrupção dos políticos. Este jovem é como Leonor Watling que afirma: “compartilho ideias com o PP e com o Podemos” (16). Não me surpreende. É o que têm os partidos nem de direita nem de esquerda, que no seu empoderamento todo-o-terreno entontecem o pessoal. Não tenho melhor imagem de muitos votantes, especialmente daqueles que, quando argumentas o que é Podemos na realidade, te perguntam em quem votar então. Tanto lhes faz que lhes digas que hoje o espaço eleitoral é uma estação sem carris porque ganhar umas eleições não serve de nada se não se derruba o poder económico do sistema, que isso não se faz com decretos-lei nem com acordos parlamentares mas à bruta e que, se mesmo assim querem votar, que olhem para a sua esquerda. Eles, tal como o capital, já optaram, ou este último convenceu-os de que estão a optar e decidiram que não suportam o horror do vazio. Têm obstinação eleitoral e entre quem os rouba e quem os engana decidiram pelos que os enganam, como se a única opção apenas fosse ficar manco ou coxo.
No que diz respeito à corrupção, cheguei à conclusão de que é sistémica e de que se acomoda ao governo de turno porque é o modo de funcionamento actual do capitalismo: o da Mafia. ¿Ou acreditam que as propostas da Transparência Internacional de regular os lóbis são algo diferente de legalizar a corrupção de modo que já não exista como delito porque tem um amparo legal? As limpezas têm que ser periódicas, com sacudidelas, grande dotação de meios para os juízes e os inspectores das finanças e actuando em duas frentes: a política e a económica. O resto, entretenimento para tontos.
Como entre os programas de “Sálvame” e as entrevistas de “Salvados” o sentido crítico foi anulado ou redirigido, quase ninguém em Espanha parece conhecer ou recordar-se de algo que há uns dias me assinalava Pedro García Bilbao: a semelhança entre a utilização que a corrupção tem hoje em Espanha e a que teve há apenas 20 anos em Itália com o assunto Tangentópoli e os juízes de Mãos Limpas (Mani Pulite). Por certo, um “sindicato” de extrema-direita espanhol designa-se assim e apresenta-se em todos os casos de corrupção de alta ressonância mediática. Talvez haja que procurar nesse grupo e noutros parecidos o elenco que venha depois de Podemos. Mas entretanto, ¿sabem quem chegou depois de Tangentopoli em Itália? O amigo Berlusconi. (diário-info)
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