“Os mais furiosos despachos da Censura são contra o Vilhena. É quem realmente lhes toca as campainhas todas
25 DE ABRIL “Proibido por inconveniente” é o nome da exposição no âmbito
das celebrações da Revolução de 1974 que abre esta quinta-feira na galeria do antigo
edifício sede do Diário de Notícias, em Lisboa. Os materiais, que vão dos jornais
aos livros e aos discos, pertencem ao Arquivo Ephemera de José Pacheco Pereira.
Conta o historiador José Pacheco
Pereira que José Vilhena, que depois do 25 Abril ficou famoso pela
revista Gaiola Aberta, era uma espécie de inimigo público número 1 do Portugal do respeitinho, aquele que a Censura
ao serviço de Salazar e depois de Caetano
era suposto defender, e por isso tudo o que
publicava era logo proibido. “O Vilhena encontrou um nicho de mercado que não
existia em Portugal. Eram livros que tinham
ao mesmo tempo um conteúdo de crítica
social e política, mas que eram ilustrados
com estas senhoras de ar capitoso, digamos
assim. Portanto, eram livros contra os poderosos, contra a Igreja Católica, contra a moral sexual e compreende-se a fúria dos censores. Temos literalmente centenas de despachos da Censura e os mais furiosos são
contra o Vilhena. O Vilhena é que realmente lhes toca as campainhas todas”, explica o
criador do Arquivo Ephemera, de onde são
oriundos os materiais expostos de amanhã
até dia 27 na galeria do edifício histórico do
Diário de Notícias. “Há até este célebre cartoon, do Vilhena a provocar o censor do erótico, que está a ver um espetáculo para proibir, mas que gosta de ver”, acrescenta Pacheco Pereira, segurando um dos vários
livros expostos, com títulos tão sugestivos
como Julieta das Minhocas ou História universal da pulhice humana.
Sublinha o antropólogo Carlos Simões
Nuno, curador juntamente com Júlia Leitão
de Barros da exposição “Proibido por inconveniente”, que Vilhena chegava a imprimir clandestinamente os livros, depois “punha uns 40 ou 50 num saco e ia oferecê-los
à Censura para, dizia, lhes poupar trabalho.
Para eles era um tipo insuportável, pornográfico”. Escritor, cartoonista e humorista,
Vilhena chegou várias vezes a ser preso pela
PIDE, mas, por fazer a própria edição, ou
através de editoras por si criadas, como a
Edições Branco e Negro, era difícil de travar.
De José Vilhena a Vergílio Ferreira ou Simone de Beauvoir, outros dois autores de livros censurados pela Ditadura, pode ir uma
grande diferença de estilos e reputação, mas
como pano de fundo está sempre a ideia
que dá título a esta exposição com apoio da
Câmara Municipal de Lisboa: “Proibido por
inconveniente”. E Pacheco Pereira explica:
“O objetivo da Censura é esconder o Portugal aos portugueses e ao mesmo tempo defender todas as hierarquias de poder, ou
seja promover o respeitinho”.
No caso de Vagão J, o livro de Vergílio Ferreira exposto, o despacho da Censura visa
sobretudo a denúncia da pobreza e afirma:
“Parece que o autor esteve em qualquer vila,
ou aldeia, e escolheu para protagonista do
seu romance a família mais asquerosa do
povoado”. Já em relação ao Segundo Sexo, de Beauvoir, apreendido na edição francesa vendida discretamente nas livrarias portuguesas, o problema, nota Carlos Simões
Nuno, “é ser uma mulher a falar de sexo, visto na época como uma indecência”.
Não se pense, porém, com base nas provocações de Vilhena aos censores ou na capacidade de alguns jornalistas em enganá-
-los (num Diário de Lisboa exposto, o músico José Afonso é referido num artigo como
Esoj Osnofa, anagrama do seu nome), que
estes eram “burros”, como muitas vezes se
caricatura o homem do lápis azul. “Eram geralmente militares na reforma e sabiam o
que estavam a fazer. Tinham instruções claras. A ocultação do país real e a defesa dos
costumes”, diz Pacheco Pereira. Por isso,
houve livros proibidos nas bibliotecas de associações operárias, mas de venda autorizada em livrarias para as elites, discos comercializados, mas com parte das músicas proibidas de passar na rádio, livros assinalados
como perigosos para os ideais do regime,
como A Missão, de Ferreira de Castro, “em
que o censor , argumentando que o autor é
tão conhecido, e com tanta aceitação nacional e internacional, decide que mais vale
não levantar problemas”, explica Carlos Simões Nuno. E mesmo exemplos por vezes
bizarros, como a censura num jornal desportivo, de uma crítica ao árbitro de um jogo
de futebol tem de ser entendido no âmbito da defesa das tais hierarquias. Era um corte
que aos olhos do poder fazia tanto sentido
como o da notícia da Guerra do Vietname,
que se arriscava a ser usada como analogia
com a Guerra do Ultramar.
Pacheco Pereira, que até tem “ com muita honra” um livro proibido seu nesta exposição – Questões sobre o movimento operário português e a revolução russa de 1917 –,
chama a atenção para o painel, logo à entrada, “que mostra a amplitude da atuação da
Censura”. Livros, discos, publicidade, jornais, teatro, cinema, nada é suposto escapar ao controlo, para sobrevivência do regime e de um ideal de Portugal que, enfatiza
Pacheco Pereira, “passa pela ocultação do
país real, em nome de um país oficial que é
de brandos costumes, ordeiro, sem quezílias, sem corrupção, sem prostituição, sem
violência doméstica, sem miséria”
Tanto era inconveniente que volta e meia apanhava no focinho. Ó coelho não sabes a sorte que tiveste..já não tinhas pêlo
ResponderEliminarCoelho quando vais convidar o Pacheco Pereira para escrever as tuas Memórias do Ultramar?
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