domingo, 22 de setembro de 2024

Fernanda Pires da Silva colocou processo de difamação contra o Jornal «O Diário» foi em 1981

« O caso da Imperatriz do Grão-Pará»

«Até 1981, o diário, julgado dezenas de vezes, alcançou suces-

sivas vitórias judiciais.

 As absolvições eram já esperadas por nós como coisa rotineira. Habituamo-nos a vencer.

 A partir de 1980 a situação alterou-se. A direita ganhou raízes no Poder e o novo quadro político produziu efeitos em todos os sectores e actividades da vida nacional. A atmosfera nos tribunais mudou, refletindo a arrogância e a agressividade crescentes da reacção contra todos aqueles que lhe faziam frente.

 O primeiro desaire do nosso jornal foi, porém, inesperado.

 Ocorreu em circunstâncias pouco normais. A sentença e os acórdãos que posteriormente me atingiram ainda hoje, decorridos anos, me aparecem, além de injustos, como absurdos.

 Éramos dois os réus: Jorge Fidelino de Figueiredo, autor dos textos que haviam motivado a acção, e eu, o responsável pela publicação.

 A Justiça, com o aval da sua mais alta instância, absolveu o

autor e condenou-me.

 Da perspectiva do jornalista, foi um dos processos mais inte-

ressantes. Tudo nele foi imprevisível.

 O desfecho foi aquele que, até hoje, mais me surpreendeu.

 Fernando Luso Soares e eu não incluímos inicialmente aquele processo entre os casos difíceis. A acusação não tinha pés nem cabeça.

 De que se tratava?

D. Fernanda Pires da Silva, reintegrada pelo primeiro governo

  Mário Soares na posse do Grupo de Empresas Grão-Pará, acusou o diário de a haver injuriado e caluniado. O suposto crime estaria no conteúdo de numerosos artigos, comentários, notícias e títulos publicados por o diário em 1976 e 1977, antes da desintervenção. Marcado o início da audiência, Jorge Figueiredo e eu apresentámo-nos na Boa Hora para sermos julgados. Semanas depois, o juiz considerou o processo extinto por faltas repetidas e não justificadas do advogado da queixosa. Era o Dr. Narana Coissoró.

  Não chegámos a vê-lo. D. Fernanda foi condenada a pagar as

custas:

  Considerámos aquele assunto arrumado. Mas a Relação discordou.

  Em 1981, desengavetado o processo, voltámos ao tribunal para sermos julgados. O advogado era outro: José Miguel Júdice, colunista do jornal O Diabo.

  Os textos de Jorge Figueiredo, redigidos com a minúcia e o amor do pormenor que lhe caracterizam o estilo, constituíam, passe a palavra, um painel que iluminava os negócios e ligações de

  D. Fernanda Pires da Silva antes da intervenção estatal no seu Grupo, concretizada quando o mesmo estava à beira da falência.

  Jorge Figueiredo, ao ser interrogado pelo juiz, Dr. Adelino

Gonçalves, declarou ser autor da quase totalidade dos textos não assinados. O seu nome figurava, aliás, nas peças mais importan-tes. Fora ele quem atribuíra a D. Fernanda o cognome pelo qual ficou conhecida e que lhe feriu a sensibilidade (segundo as testemunhas de acusação, os textos de o diário lançaram-na num estado de depressão profunda).

  As nossas matérias incidiam sobre negócios irregulares da conhecida empresária e as íntimas relações que ela mantivera com a Pide.

  A minha intervenção directa não fora, no conjunto do vasto

material publicado, além de um Editorial e um Registo.

  A audiência durou vários meses e teve muitas sessões. o diário apresentou novos elementos ao tribunal, incluindo documentação enviada  por antigos trabalhadores do Grupo que acompanhavam a marcha da audiência.Testemunhas acusaram nos seus depoimentos D. Fernanda de fraudes e desvios de capitais, responsabilizando-a por uma gestão sabotadora das suas próprias empresas (antes de fugir para o Brasil).

Carlos Silva, desenhador projectista que fora membro da antiga comissão de trabalhadores, confirmou e ampliou o que o diário havia publicado a respeito das relações entre a empresa e a Pide.

Contou que um agente desta, um tal Henrique Pinto, fora chefe da «segurança interna». Agentes da Pide tentaram instalar microfones para controlarem as conversas dos funcionários, arrombavam gavetas, revistavam tudo. Chegaram ao extremo de elaborar um ficheiro político dos trabalhadores. 

 D. Fernanda, através das suas testemunhas, informou o tribunal de que desconhecia quaisquer contactos com gente da Pide.

  Não fora sequer ouvida quando o Grupo publicou anúncios na revista da Pide. Não sabia também dos passeios turísticos dos esbirros da Pide (com tudo pago) à Madeira.

 O advogado Júdice não gostou do depoimento de Carlos Silva.

  A certa altura perguntou-lhe se sabia ler.

  O desfile das testemunhas apresentadas pela acusação deu origem a situações mais adequadas a uma telenovela do que a uma sala de tribunal. D. Fernanda foi elogiada como senhora virtuosa de muitas prendas. A estória das jóias que ela cogitou vender quando se encontrava às portas da miséria quebrou o habitual silêncio do público. Frouxos de riso subiram à abóbada.

  Fernando Luso Soares, nas alegações, colocou o tribunal perante a questão de fundo. A empresária financiara a revista da Pide; o seu Grupo mantivera íntimas relações com a Pide. Durante o julgamento fora feita a prova de que a intenção de o diário era exclusivamente política. A acusação, aliás, apenas quisera fazer política ao processar o diário. «Se assim não fosse», lembrou Luso Soares, «a dona do Grupo Grão-Pará teria processado igualmente o semanário Sempre Fixe quando este jornal afirmou que ela tinha ligações com a Pide. Mas não o fez [...] Só se sentiu ofendida quando o diário levantou o assunto, obviamente por razões políticas.»

 Júdice proferiu um furibundo discurso anticomunista. Enquanto falava, fitava-nos, de esguelha, a Jorge Figueiredo e a mim, com olhar fuzilante, irado. Rodando o corpo, chamou-me «burguês comunista».

O juiz deu-me, depois, a palavra. Ditei para a acta a seguinte

declaração:

 «o diário é acusado de haver ofendido gravemente a honra da senhora Fernanda Pires da Silva. Qual a ofensa? Na parte que me toca, nas matérias editoriais de o diário, embora responsável por tudo o que se publicou sobre o assunto, a principal acusação é a de haver qualificado a senhora Pires da Silva de financiadora e protectora da Pide.

«Foi provado durante a audiência que a revista da Pide, arrogantemente intitulada Continuidade, publicou muitas páginas de anúncios da Grão-Pará, num valor que, atualizado, representaria hoje muitas centenas de contos.

«As tarifas desses anúncios foram superiores às praticadas hoje por órgãos de informação de larga tiragem. A revista da Pide, como órgão de difusão publicitária, não existia. Essa publicidade em tal revista, que foi, pois, senão um acto de protecção, uma forma de financiamento?

«Foi provado durante a audiência que a Pide, isto é, gente sua, se movimentava na Grão-Pará como se fosse a sua própria casa.

Expressão que consta, aliás, de um dos artigos apologéticos publicados na citada revista.

 «Os pides distribuíam revistas pelas mesas, fotografavam os trabalhadores, passavam férias na Madeira, recebiam homenagens e jantares de confraternização. Até filhotes da Pide eram contemplados com empregos pela direcção da Grão-Pará.

 «o diário julga pois ter apenas cumprido um dever social, ao publicar aquilo que publicou, particularmente no que diz respeito à movimentada ponte existente entre a Pide e o Grupo Grão-Pará, no qual a senhora Pires da Silva detém mais de cinquenta por cento do capital e nos apareceu sempre, portanto, como responsável pela estranha amizade com a associação de malfeitores que tinha a sua sede na Rua António Maria Cardoso.

«É verdade que muitos pides foram reintegrados; alguns até receberam indemnizações de centenas e mesmo milhares de con-tos. O nosso juízo sobre a Pide não mudou, porém. O povo português tem memória dos crimes da Pide e o diário continuará a avivá-la, sempre que necessário.

«Finalmente, algumas palavras inseparáveis da forma como a

acusação particular se comportou durante a audiência.

«Por momentos, ao escutar o discurso da acusação, senti-me transportado aos anos 40 e 50, quando nesta mesma sala, cheia de pides, funcionava o Tribunal Plenário do fascismo.

«O discurso da acusação não foi apenas apologético da Grão-Pará e da sua suserana. Nele se misturou a cada momento, descabidamente e com fanatismo, um frenético discurso anticomunista. Em dado momento, até foi solicitada a expulsão da sala de um fotógrafo.

«Quero declarar que sou militante comunista, que sinto honra por sê-lo, mas que não estou a ser julgado pela minha condição de comunista. No Portugal de Abril, ninguém hoje é julgado por ser comunista.

«D. Fernanda Pires da Silva, da Grão-Pará, tão generosa nos favores à Pide, encontrou no seu representante da acusação particular o defensor que merece.»

 Quase no final, o juiz interrompeu-me para observar que eu

não tinha o direito de criticar o advogado.

  Júdice, lépido, pediu então a palavra. Declarou que eu o havia ofendido na sua dignidade e na sua consideração e pediu uma certidão das minhas palavras para «efeito de procedimento criminal».

  Foi apenas uma bravata. Ao escutar-lhe o comentário às minhas palavras sorri para dentro. Pensei em estatísticas. Era um absurdo tanta obsessão, tanta teimosia em fazerem de mim um recordista em ofensas à honra e dignidade. Que falta de imagi-nação!

 A sentença, lida no dia 12 de Julho de 1982, foi recebida como um balde de água fria. Ninguém a esperava. O juiz, Dr. Adelino Gonçalves, absolveu Jorge Figueiredo, autor dos principais artigos. Ao meu caso aplicou a lei da amnistia. Mas o magistrado, afirmando estar convicto de que eu injuriara e difamara efetivamente D. Fernanda Pires da Silva, condenou-me a pagar-lhe uma indemnização de 100 contos.

  Interpus recurso da decisão, mas o diário perdeu na Relação e

no Supremo.

  Enquanto essa condenação nos atingia, muitos pides eram reintegrados na Função Pública e recebiam chorudas indemniza-ções pelos salários perdidos... Sinal dos tempos.» 

-Copiado do livro «o diário acusa» da autoria de Miguel Urbano Rodrigues


23 comentários:

  1. Palha e mais palha para o coelho ruminar

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. História para alguns deixarem de ser ignorantes...a Madeira foi o reduto dos pides...havia muitos na Madeira...a historia só se repete quando se esquece o passado...convém divulgar e fomentar a ignorância...

      Eliminar
    2. Os comunas ainda hoje ficam de diarreia a recordarem esses bons tempos em que a Pide os tratavam muito bem

      Eliminar
    3. https://ensina.rtp.pt/artigo/historia-da-pidedgs/

      Eliminar
    4. A PIDE não tratava só de comunas, tratava de toda a oposição viesse de onde chegasse...a morte do Humberto Delgado e de muitos no ultramar pelo "fogo amigo"...

      Eliminar
    5. De certeza que és um ex-PIDE ou então és um bosta que sente prazer em espezinhar os outros.

      Eliminar
    6. O Filho do "enfermeiro" da quarta-classe antiga, o Tal Edgar, escreve com corrector automático.

      Eliminar
    7. O Sr enfermeiro Edgar, sabe escrever e publicar, tu ‘Rafael’ tens a quarta classe, porque o Governo Regional da Madeira, te deu.
      E acabaste o teu miserável curso com 12.
      Se estás esquecido, está no Google, marginal.

      Eliminar
    8. E tú mira, como falsificas, as tuas papeladas?com IA?

      Eliminar
  2. Muito boa reportagem! É sempre bom relembrar.

    ResponderEliminar
  3. Rapidez com que imigrantes criam negócios em Portugal “é um risco muito grande”, diz associação"
    https://executivedigest.sapo.pt/noticias/rapidez-com-que-imigrantes-criam-negocios-em-portugal-e-um-risco-muito-grande-diz-associacao/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Fugitivo à democracia plena (Venezuela) do Coelho e afins sabe bem o que é ser comuna nesse país e acabam por fugir

      Eliminar
    2. O Fugitivo Lopes é comuna?
      Parece um circo. Ele é o principal financiador do Grande Chega na região

      Eliminar
  4. Ditador mira , gatuno, fizeste acusações, para????
    Para criar um partido político, achando que nos ias tornar numa ditadura.
    ENGANASTE-TE ESTUPIDO, ANORMAL
    aprende com a Diana Pereira.
    Sempre foste burro, tonto e alucinado.
    És o gozo de muitos.
    Vai trabalhar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Aqui não mandas nada.
      Não passas de um ladrao, que vive às custas de subsídios!
      Cresce e trabalha, fdp

      Eliminar
  5. Esse mira, sempre foi um tonto, mentia e acusava os outros dos seus erros.
    Essa família nunca prestou.
    O pai era um trafulha também.
    Deus o castigou, acabou num congelador, porque o filho, nem lhe deu funeral, para receber as pensões até o fim.
    Eram incestuosos, uns sem vergonha.
    Comiam-se entre si.
    Parasitas.

    ResponderEliminar
  6. Ele 🇻🇪 ainda não percebeu, falta de QI, naturalmente, aqui nem se trata de ser ou não PSD.
    Trata-se de um vigarista , criminoso, perigoso, doente mental, que tem um nome artístico de Rafael, emigrante 🇻🇪 que se anda a pavonear na Europa, completamente alucinado a fazer mal às pessoas.
    Ele tem que ser recambiado, para a sua terra natal.
    Ditador e narcisista.
    Cadeia já, na Venezuela.
    Não sujes mais a Europa, com a tua figura de ‘eu sou alguém ‘
    NÃO ÉS!

    ResponderEliminar
  7. Fazes do teu perfil Charl, uma ditadura e deste blogue que roubaste, outra ditadura, o que não te agrada, no teu perfil, não mostras, aqui apagas.
    FORA DA EUROPA, DESAPARECE MONSTRO.

    ResponderEliminar
  8. 1981?
    Vivem aqui do passado?
    Isto não interessa, nem à abóbora do Halloween.

    ResponderEliminar
  9. JPP
    Élvio, arqueólogo, foi este fdp, do Charl, que escolheste para estar no teu partido?
    Já nem podemos ouvir a tua voz
    Ele sujou toda a imagem do partido.
    Assim como ele, vales zero , és um tretas de meio metro.

    ResponderEliminar
  10. Foi das laranjas que comeste...

    ResponderEliminar