Da leitura de Bernstein e Kautsky à teoria e prática Marxistas de Lenine
A obra teórica de Lénine tem para os comunistas uma importância que cresce à medida que os anos passam. A derrota transitória do socialismo não diminui o seu significado. Ela ajuda-nos aliás a enraizar no tacticismo dos revisionistas do início do seculo XX as opções ideológicas e o discurso político dos oportunistas do Partido da Esquerda Europeia que, mascarados de marxistas, são hoje instrumento inconsciente das classes dominantes e do imperialismo.
Reli há dias textos de Eduard Bernstein e de Karl Kautsky.
Foi um trabalho útil. O revisionismo de ambos ajuda a compreender lutas e desafios do presente.
Bernstein iniciou a campanha. Vendo no marxismo apenas um método para estudar os problemas sociais criticou o materialismo histórico e sustentou que era possível chegar ao socialismo sem revolução através de conquistas irreversíveis da classe operaria resultantes de reformas do capitalismo. A sua famosa sentença «o movimento é tudo, a meta final nada» motivou a réplica de Rosa Luxemburgo, para a qual a meta final, o socialismo, era tudo.
Na social-democracia alemã, as teses do chamado «socialismo evolutivo» de Bernstein semearam confusão, mas não contaram inicialmente com o apoio de Kautsky. O líder do Partido Social Democrata - SPD só mudou de posição nas vésperas da I Guerra Mundial. Partido mais votado nas eleições de 1912, o SPD deu uma brusca guinada à direita. Kautsky defendeu então o apoio à burguesia alemã ao começar a guerra imperialista.
Foi alvo de uma crítica devastadora de Lenin. O revolucionário russo, que o tinha admirado na juventude, qualificou-o então de renegado.
A polémica que na época dividiu o SPD teve por fulcro a questão do Estado.
Para Kautsky o Estado era uma máquina que, estando nas mãos da classe dominante, deveria ser conquistada pelo proletariado.
Para quê destruir o estado burguês – argumentava - se ele iria no decurso da luta cair mas mãos da classe operária?
Partindo de Marx, a posição de Lenin era antagónica.
No seu livro O Estado e a Revolução escrito em dois meses na Finlândia, após as Jornadas de Julho, o grande revolucionário fustigou o kautskismo. A tese do dirigente do SPD conduziria inevitavelmente à integração gradual das organizações operárias no sistema do mecanismo capitalista.
Citando, fora do contexto, a hipótese formulada por Marx de que na Inglaterra, excecionalmente, os trabalhadores poderiam chegar ao poder pela via pacífica, Kautsky, acompanhando Bernstein, defendeu uma estratégia que considerava a revolução desnecessária para a tomada do poder.
Como afirmou Bukharine, uma ala da social-democracia alemã de 2014 usava ainda uma «fraseologia marxista, símbolos marxistas, uma capa verbal marxista, mas já sem qualquer conteúdo marxista».
Transcorrido um século, e desaparecida a União Soviética, a ofensiva revisionista repete-se com uma linguagem diferente. O Partido da Esquerda Europeia, que agrupa a grande maioria dos partidos comunistas do Continente, também invoca Marx mas, tal como a velha social-democracia alemã, cultiva uma ideologia inseparável de uma prática oportunista.
A burguesia europeia acompanhou com simpatia o aparecimento do PEE. Viu nele um instrumento de neutralização da combatividade da classe operária. Na área internacional as posições que tem assumido são também muito negativas.
Às críticas que atingem o PEE, vindas de organizações que o responsabilizam pela crise do Movimento Comunista Internacional, os seus dirigentes respondem que o mundo mudou profundamente desde a época em que Marx produziu a sua obra e que colocar a questão da via para o socialismo e a temática do Estado citando textos seus é negar a própria essência do marxismo.
A argumentação desses revisionistas revela, essa sim, desconhecimento do marxismo.
O marxismo não é apenas uma metodologia científica criada para a transformação do mundo; é simultaneamente o instrumento indispensável para a colimação desse objetivo revolucionário.
Precisamente por ter compreendido que o marxismo não era estático, uma doutrina imóvel, mas sim dinâmica, Lenin soube extrair as lições implícitas nas profundas alterações que o capitalismo apresentava no início do seculo XX.
A criação do Partido marxista de novo tipo, o Bolchevique, foi uma delas, aliás decisiva para a vitória da Revolução Russa de Outubro.
Em vida de Marx o capitalismo tradicional não evoluíra ainda para capitalismo monopolista de estado, definido por Lenin como fase superior do Imperialismo. E somente a partir do final do seculo XIX o colonialismo assumiu importância decisiva no imperialismo.
O leninismo, filho do marxismo, não teria sido possível se o seu criador, além de notável estratego, não fosse também um tático atento a todos os aspetos inovadores nas sociedades do começo do século XX.
«Em grande parte – advertiu - os erros resultam de um facto: as palavras de ordem, as iniciativas que eram totalmente corretas num certo período da história e numa determinada situação, são mecanicamente transferidos noutro contexto histórico, noutra relação de forças».
Concluía daí pela necessidade de se colocarem questões que «permitissem uma síntese da destruição do antigo e da construção do novo, uma síntese desses aspetos num todo novo».
A obra teórica de Lénine tem para os comunistas uma importância que cresce à medida que os anos passam. A derrota transitória do socialismo não diminui o seu significado. Ela nos ajuda aliás a enraizar no tacticismo dos revisionistas do início do seculo XX as opções ideológicas e o discurso político dos oportunistas do Partido da Esquerda Europeia que, mascarados de marxistas, são hoje instrumento inconsciente das classes dominantes e do imperialismo.
O debate sobre a Questão do Estado não perdeu atualidade. Os defensores da via institucional para o socialismo sustentam que não será necessário destruir o estado burguês, mas transformá-lo através de reformas revolucionárias. Mas no Chile, quando dois partidos marxistas – o Socialista de Allende e o Comunista - chegaram ao governo, o desfecho da experiência foi um sangrento golpe militar. Na Venezuela bolivariana, as forças progressistas no poder optaram também pela via institucional. Mas apesar de mudanças muito positivas, a Venezuela continua a ser um país capitalista e o futuro imediato apresenta-se ali carregado de incertezas. O mesmo acontece na Bolívia.
Serpa, 2 de Janeiro de 2015
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