sexta-feira, 2 de setembro de 2022

«O direito à sátira» Por Francisco Teixeira da Mota

 Na sua rubrica, Escrever direito:

 Gil Canha e Eduardo Welsh vão receber de volta os 15 mil euros que tiveram de pagar ao empresário Luís Miguel Sousa por ordem da Relação de Lisboa, mas há algo que nunca vão voltar a ter: o Garajau

'A sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, através do seu exagero característico e distorção da realidade, tem naturalmente a intenção de provocar e agitar. Por esta razão, qualquer interferência no direito de um artista ou qualquer outra pessoa - de se expressar desta forma deve ser examinada com particular cuidado, uma vez que a sátira contribui para o debate público", lembrou o 'Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDHJ quando, no dia 26 dc Ju1ho, declarou que os tribunais portugueses tinham violado a liberdade de expressão de Tiago Abreu ao condcná-lo criminal e civilmente pela publicação no seu blogue de três caricaturas da autoria do pintor António Cadete. As caricaturas representavam o presidente da Câmara de Elvas e a vereadora e sua chefe de gabinete, Elsa Grilo, sob a forma de um burro com pêlo branco e vestido de fato, uma porca de peito, nu com cabelos louros, com meias de renda, um cinto de ligas e saltos altos, ambos rodeados de porcos,  também desnudados, todos com braçadeiras com as iniciais "CMR" o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considerou
que a condenação de Tiago Abreu não
configurava um justo equilíbrio entre a
protecção do seu direito à liberdade de
expressão e o direito da vereadora Elsa Grilo
à protecção da sua reputação. referindo que
as sanções penais, em casos como o de Tiago
Abreu, são susceptíveis de ter um efeito
dissuasor sobre a expressão satírica em
questões políticas, concluindo que a sua
condenação era desnecessária numa
sociedade democrática, tendo, assim, havido uma violação do Artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

(Convenção).

Na terça· feira, o TEDH voltou a declarar
que Portugal linha violado a liberdade de
expressão e condenou o nosso país a pagar
um pouco mais de 18 mil euros a Gil Canha e
a Eduardo Welsh, jornalistas do jornal
satírico garajau, que se publicava na
Madeira, mas já extinto graças aos poderes aí
reinantes. (Declaração de interesses: sou
advogado de Gil Canha e Eduardo Welsh na queixa apresentada no TEDH.)
Também neste caso, o TEDH viu-se obrigado a lembrar aos Tribunais portugueses a natureza "satírica" do jornal e censurou o facto de terem exigido ao Garajau um grau de certeza e de precisão quanto às afirmações publicadas, que se aproximava
do "normalmente exigido para o apuramento de uma acusação criminal por um Tribunal, o que dificilmente pode ser comparado com o padrão que deve ser observado quando se exprime uma opinião sobre urna questão de interesse público". Lembrou também o TEDH  que o visado nas notícias, o empresário Luís Miguel Sousa, era uma figura pública madeirense e que as afirmações em causa diziam respeito à gestão empresarial do Porto do Funchal, não referindo quaisquer aspectos da vida privada do empresário, mas apenas o seu comportamento profissional como administrador do porto. 
 Para o TEDH, a frase "Descarregar um navio no Caniçal é igual a descarregar uma palete de dinheiro na fundação laranja", que os nossos consideraram criminosa, poderia parecer excessiva, se não houvesse no mínimo de provas factuais, mas estava protegida pela liberdade de expressão que Portugal se obrigou a respeitar quando aderiu à Convenção em 1978, à luz dos factos estabelecidos, em particular tendo em conta o "tom metafórico da observação", o contexto específico em que a mesma foi feita e o interesse público envolvido. Gil Canha e Eduardo Welsh vão receber de volta os 15 mil euros que tiveram de pagar ao empresário Luis Miguel Sousa por ordem do Tribunal da Relação de Lisboa (para o compensar pelo danos sofridos na sua reputação e bom nome ... ) mais os cerca de três  euros de despesas judiciais,  há algo que nunca vão voltar a ter: o Garajau, uma das poucas vozes (talvez a única) ferozmente discordantes e criticas da realidade económica e política da Região Autónoma da Madeira na primeira década deste milénio. Era, com certeza uma voz, por vezes excessiva, mas como afirmavam no seu Estatuto Editorial, o Garajau informava utilizando o humor, a ficção e a sátira, "através de instrumentos de crítica como o sarcasmo, a caricatura e a hipérbole", com o objectivo de "divertir, consciencializar e incentivar o debate de ideias e de participação cívica dos cidadãos". Pode dizer-se que, para os Tribunais portugueses, eram instrumentos e objectivos a mais ...»

1 comentário:

  1. Na mesa de cabeceira do Coelho tem 2 retratos um do Che Guevara o outro retrato do advogado Francisco Teixeira da Mota.

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