quarta-feira, 5 de abril de 2017

Artigo de opinião de Gil Canha, publicado no "Fénix do Atlântico"

A Ratoeira do Munícipe





Nos tempos do Estado Novo, a propaganda era requintada e seguia um certo ritual protocolar. Fazia-se uma cerimónia solene com o lançamento da primeira-pedra, e após a obra pública concluída, fazia-se nova cerimónia festiva, e assim se fazia render o peixe.
Na semana passada, o sr. Prof. Paulo Cafofo, na companhia do sr. Primeiro-ministro, repetiram os gestos e os modos do Doutor Oliveira Salazar, lançando uma lasca de pedra no meio dum poio de hortaliças, nos Viveiros, mas com um pequeno senão: a obra ainda não tem o visto do Tribunal de Contas, uma minudência institucional que no tempo do senhor de Santa Comba seria considerada uma heresia.
Seguidamente, a mesma comitiva salazarenta foi, em passo-de-corrida, inaugurar com pompa e circunstância a nova Loja do Munícipe (não sabemos se houve brindes com espumante Terras do Avô, do que tivemos conhecimento é que a autarquia gastou uma pipa-de-massa numa capa propagandística no Jornal do Blandy), uma instalação de atendimento luxuosamente decorada e equipada com computadores topo-de-gama – equipamentos e softwares instalados pela inocente MCComputadores, conhecida ex-empresa do administrador do Diário de Notícias, José Câmara. (Atenção ao prefixo ex)
O mais caricato é que esta orgia de despesismo público foi para inaugurar um belo “Ferrari” equipado com uma caríssima centralina, mas sem motor, caixa de velocidades e transmissão, no fundo, um embrulho ricamente empapelado sem nada dentro. E explico porquê:
Em Outubro de 2013, antes de tomar posse como vereador da famigerada Coligação Mudança, fui a expensas minhas ao Continente, mais propriamente à Câmara Municipal de Cascais, para me inteirar tecnicamente dos passos que tinham sido dados por esta autarquia para a total desmaterialização processual. Isto é: depois da autarquia de Oeiras, a Câmara de Cascais era a segunda autarquia do país (Setembro 2010), a iniciar todo este complexo processo de simplificação e desburocratização administrativas, criando uma plataforma informática que permitia não só maior transparência, mas também agilização e tramitação interna e externa de todo o procedimento administrativo municipal. Resumindo, não entrava papel na autarquia, acabava-se de vez com os pesados e volumosos processos, que exigem força humana para movimentá-los, como também grande espaço físico para arquivá-los, e assim todo o ciclo de vida de produção documental do município (papelada) passou para suporte electrónico, muito mais fácil de manusear, anotar e despachar.
Mas este recurso a novas tecnologias tem de começar obrigatoriamente na área do urbanismo, porque é aquela que intrinsecamente contém maior complexidade. Deste modo, em finais de 2013, na Câmara Municipal do Funchal, começámos a dar os primeiros passos para esta modernização administrativa, com a adjunta da presidência, dra. Filipa Teixeira, a preparar os “alicerces informáticos” onde assentaria toda esta complexa estrutura electrónica. Aliás, a própria Legislação, como o DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, adaptado à região pelo DLR nº 37/2006, de 18 Agosto, já o exigia.
Infelizmente, com a nossa “defenestração” todo o trabalho foi para o lixo, não só os estudos para a desmaterialização das reuniões camarárias (ainda são feitas anacronicamente a papel e a caneta, sem um sistema integrado on-line, no qual os vereadores com os seus PCs poderiam consultar, submeter e votar/deferir electronicamente os processos), como também todos os esforços que estavam a ser feitos, para se criar uma Loja do Munícipe genuína, onde por exemplo, os munícipes entregariam obrigatoriamente os seus projectos ou operações urbanísticas em CD/DVD ou PenDrive, (obras de edificação; obras de demolição; loteamentos; requerimentos e certidões), que depois sofreriam posterior tramitação electrónica, desde a sua análise até o deferimento técnico, com as diferentes fases a serem autenticadas e validadas por assinatura digital. Os processos seriam rápidos e transparentes, e qualquer munícipe na sua casa, sentado confortavelmente no seu sofá, poderia acompanhar com o telemóvel todo o seu processo, sem se sujeitar ao actual labirinto burocrático cafofiano.
Infelizmente, esta Câmara de incompetentes gastou 2 milhões de euros num cenário pomposo, numa obra de fachada, quando poderia ter dado passos significativos na reforma e modernização do sistema, e, mais confrangedor ainda, é saber-se que a nossa autarquia tem o seu arquivo quase todo ele digitalizado e um Sistema de Informação Geográfica (SIG) super-carregado de informação electrónica, dois vectores essências para o arranque e suporte da desmaterialização. 
Para finalizar, a Câmara de Cascais, na criação do seu balcão de atendimento exclusivamente electrónico, gastou em 2010, no projecto “Cascais Mais Perto”, a quantia de € 501.712,48 tendo recebido co-financiamento comunitário no âmbito do QRN/Por Lisboa, no valor de € 114.000,00 mas como não tinham o seu arquivo digitalizado e necessitavam de aperfeiçoar e ampliar a sua plataforma electrónica, gastaram mais € 701.269,65 onde voltaram a usufruir de uma comparticipação comunitária de 40%. Isto é, criaram uma verdadeira Loja do Munícipe onde não entra um papel, por menos de metade do valor que o sr. Cafofo derreteu na sua Loja do Faz de Conta.
Esta brincadeira eleitoralista do sr. Cafofo com o apoio tácito do sr. António Costa merecia uma profunda investigação do MP e uma auditoria do Tribunal de Contas. E modelos para comparação de custos não faltam, basta ver os exemplos das câmaras municipais de Sintra, Seixal, Loulé, Ílhavo, Vizela… que modernizaram os seus balcões electrónicos, racionalizaram os seus recursos, promoveram a desmaterialização efectiva e reduziram o tempo de resposta aos seus munícipes, sem este postiço e caríssimo forrobodó cafofiano.
Gil Canha

(ver Fénix do Atlântico)

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