Vejamos a tacharia socialista na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)
Na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)
cruzam-se, como em
poucos outros sítios, nomeações que misturam relacionamentos familiares (com dirigentes
do PS ou até mesmo apenas com
dirigentes da própria Santa Casa)
e políticos.
A SÁBADO tinha já noticiado,
em novembro último, a contratação de Paulo Pedroso como consultor externo, por 3.700 euros/mês, por deliberação de 25 de
setembro, mas com efeitos retroativos a abril. O ex-ministro do
Trabalho e Segurança Social era
já consultor da Associação Mutualista Montepio (de que a SCML é
acionista) também desde abril. Irá
colaborar num projeto de políticas
de longevidade. Ora, se Pedroso
andar pela sede da Santa Casa,
arrisca cruzar-se com o (ex-) cunhado: é que já antes, mas durante
o mandato do atual provedor, a
Santa Casa tinha contratado o
psicólogo João Mendes, irmão l
da (ex-) mulher, a líder parlamentar socialista, Ana Catarina
Mendes (segundo o Observador,
Pedroso já estará separado de Ana
Catarina Mendes).
Em resposta à SÁBADO, a SCML
esclareceu que o colaborador João
Mendes integra de facto os seus
quadros há três anos “no âmbito
do lançamento do Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades” e
que a “admissão teve como critério a avaliação curricular e o perfil
para um trabalho de contacto direto com os cidadãos e as estruturas
do poder local da cidade”. A SÁBADO questionou a SCML sobre
o salário do psicólogo, tendo esta
respondido que tem “um vencimento correspondente às tabelas
em vigor” na instituição para o
cargo de coordenador de núcleo,
mas solicitadas essas tabelas já
não obtivemos resposta.
Esta nomeação interfamiliar cruzada, no entanto, talvez não seja de
estranhar numa instituição em que
o provedor, Edmundo Martinho,
contratou para coordenadora do
Grupo de Trabalho de Políticas
Públicas de Longevidade, Maria da
Luz Cabral, com quem mantém há
muito um relacionamento. A própria contratação gerou mal-estar
entre funcionários da Santa Casa.
Maria da Luz tem gabinete nas instalações onde está situada a provedoria e no espaço de um ano (entre
2017/18) terá apresentado despesas
(em deslocações ao estrangeiro,
por exemplo), que ascenderam a 22
mil euros – um dado que já foi noticiado pelo jornal Sol. O que passou mais discretamente foram outras nomeações. Já com Maria da
Luz na SCML, foram contratadas
mais duas pessoas consigo relacionadas: Ana Isabel Cardoso (na altura nora de Maria da Luz Cabral)
começou a trabalhar na Sociedade
de Apostas Online, na área da comunicação; e Bruno Cabral (irmão
de Maria da Luz Cabral) entrou
para o Departamento de Jogos da
Santa Casa, como técnico superior
de nível 2, no Porto.
Sobre estes dois casos, a SCML
clarificou que “a Santa Casa não
contratou Ana Isabel Cardoso, pelo que quaisquer questões” devem ser
endereçadas à “entidade patronal.”
De facto, foi a SAS (Sociedade de
Apostas Online) – de que a SCML é
dona – a fazer o contrato. Ana Isabel Cardoso respondeu por telefone
à SÁBADO que já não tem “nada a
ver” com Maria da Luz Cabral (e
questionada em concreto sobre se
se separou do marido, respondeu
que sim) e que o facto de ter sido
contratada numa altura em que a
então sogra chegou à SCML “não
tem nada a ver” com a sua própria
contratação. Sobre o irmão da dirigente também contratado, a SCML
apenas confirmou que “o colaborador Bruno Cabral foi admitido como
gestor de zona (Norte) do Departamento de Jogos”, ressalvando que
tal ocorreu “após processo de candidatura, e com avaliação, feita pelos
serviços correspondentes, entre vários candidatos”.
O percurso de Maria da Luz Cabral para o piso da provedoria
passou primeiro pela ESSA (Escola
Superior de Saúde de Alcoitão,
que pertence à SCML), quando
Edmundo Martinho era ainda
vice-provedor. No seu currículo
depositado na ESSA, Maria da Luz
Cabral indica ter sido “técnica su perior” desde 2009 e em diversas
funções, no Instituto de Segurança
Social do Porto e depois na AMA
(Agência para a Modernização Administrativa). No entanto, o despacho oficial de exoneração (a seu
pedido) antes de vir para a ESSA,
publicado em Diário da República
a 12 de maio de 2016, indica que
Maria da Luz era afinal “detentora
da categoria e carreira de assistente operacional” (a mais baixa das
três carreiras da administração pública, de acordo com a Lei Geral
do Trabalho em Funções Públicas)
– e não de técnica superior. Na
ESSA, Maria da Luz passou a auferir 3.601,03 euros (passou a coordenadora cerca de um mês após
iniciar funções). Sobre o atual salário, a SCML remeteu a SÁBADO
para as tabelas da casa, que, solicitadas, também não facultou.
Sobre o caso de Maria da Luz
Cabral, a SCML esclareceu que
“não se pronuncia sobre matérias
que assentam em pressupostos e
insinuações relacionadas com a
esfera privada de cada cidadão”.
A SÁBADO contrapôs que não
houve nenhuma insinuação, mas
sim um pressuposto assumido: o
de que existe um relacionamento
pessoal, que “é do conhecimento público e que, havendo coincidência com funções profissionais,
pode passar a ter interesse jornalístico”. A SCML já não respondeu.
As contratações da SCML são regra geral bastante mais opacas do
que a generalidade das nomeações para a administração pública
e suas dependências. Apesar de a
sua administração ser de nomeação política, trata-se de uma
instituição de direito privado e utilidade pública administrativa, pelo que
não está obrigada a publicar as nomeações em
Diário da República. As duas ilustres filhas
Martinho é profissionalmente um compagnon de
route de José Vieira da Silva e de Paulo Pedroso na
área da Segurança Social. Foi
presidente do Instituto para o
Desenvolvimento Social (IDS) e,
depois, do Instituto de Segurança
Social (ISS). Entrou para a Santa
Casa como vice-provedor, em
modo de repartição de poder, ainda no tempo de Pedro Santana Lopes à frente da instituição. Já nessa
altura, ainda vice-provedor, con tratou, por exemplo, Vera Sampaio
(filha de Jorge Sampaio), que manteve como sua assessora quando
passou a provedor, em 2017.
Entretanto, também a filha de
Diogo Lacerda Machado, o amigo
do primeiro-ministro António
Costa cujo percurso na orla do
Governo tem sido escrutinado, foi
promovida pelo atual provedor.
Joana Lacerda Machado, que trabalha na SCML desde 2013, passou
com Edmundo Martinho a desempenhar o cargo de assessora da
administração. A SCML negou à
SÁBADO que a filha de Lacerda
Machado tivesse sido promovida.
Mas não só a informação é confirmada por fontes internas da
SCML, como a própria a assume
até abertamente na sua página de
LinkedIn, informação esta que foi
remetida à SCML – e nessa altura
já não obtivemos resposta.
Mas há outro caso bastante recente: a 15 de janeiro, iniciou funções como administradora Ana Vitória Azevedo, nomeada por despacho de dezembro da ministra do
Trabalho e Segurança Social, Ana
Mendes Godinho. É mulher de André de Aragão Azevedo, secretário
de Estado para a Transição Digital.
Ana Vitória Azevedo, com formação em Direito, tem carreira na
área da Justiça (era subdiretora-geral da Administração da Justiça
desde 2014) e trabalhou duas vezes
no Governo (no Turismo e na Estrutura de Missão Portugal IN). No
seu currículo não há cruzamento
com as áreas de atuação da SCML.
Quem já esteve na instituição
explica à SÁBADO que o apetite
político pela Santa Casa se prende,
além do potencial de cargos para
colocar correligionários, também
com o poder financeiro da instituição, que permite que seja “um
instrumento que dá jeito para por
vezes ir resolver problemas que
surgem até fora da sua órbita”. A
SCML adquiriu recentemente, por
exemplo, o Hospital da Cruz Vermelha, insolvente, e especulou-se
sobre a entrada com 200 milhões
no Montepio – mas aqui a polémica fez encolher a participação
para 75 mil euros.
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