Promessas não cumpridas criaram sentimento de humilhação
«A OTAN não irá estender-se nem um centímetro para Leste»
por Philippe Descamps
Eles mentiram-nos repetidamente, tomaram decisões nas nossas costas, colocaram-nos perante o facto consumado. Isto aconteceu com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN] para Leste, bem como com a instalação de infra-estruturas militares nas nossas fronteiras.» A 18 de Março de 2014, o presidente Vladimir Putin mostrou o seu rancor em relação aos dirigentes ocidentais num discurso de justificação da anexação da Crimeia pela Federação da Rússia.
Pouco depois, a Revue de l’OTAN respondeu-lhe com argumentos destinados a desmontar este «mito» e esta «pretensa promessa»: «Nunca houve, da parte do Ocidente, qualquer compromisso político ou juridicamente vinculativo de não alargar a OTAN para lá das fronteiras de uma Alemanha reunificada», escreveu Michael Rühle, chefe da secção Segurança Energética (1). Ao precisar o termo «juridicamente vinculativo» acabou por levantar a lebre. Documentos recentemente desclassificados (2) permitem reconstituir os debates da época e avaliar os compromissos políticos ocidentais assumidos com Mikhail Gorbatchov em troca das iniciativas deste para pôr fim à Guerra Fria.
Logo que chegou à liderança da União Soviética, em 1985, Gorbatchov encoraja os países do Pacto de Varsóvia a empreender reformas e renuncia à ameaça de um recurso à força. A 13 de Junho de 1989, assina inclusivamente com Helmut Khol, o chanceler da República Federal da Alemanha (RFA), uma declaração comum que afirma o direito dos povos e dos Estados à autodeterminação. A 9 de Novembro cai o Muro de Berlim. Uma vez passada a euforia, as questões económicas tornam-se prementes em toda a Europa central. Os habitantes da República Democrática Alemã (RDA) aspiram à prosperidade do Ocidente, e um êxodo ameaça a estabilidade da região. O debate sobre as reformas económicas torna-se muito rapidamente um debate sobre a união das duas Alemanhas, e depois sobre a adesão do conjunto à OTAN. O presidente francês François Miterrand aceita a evolução, desde que ela seja feita no respeito das fronteiras, de maneira democrática, pacífica, num quadro europeu (3)… e que a Alemanha aprove o seu projecto de união monetária. Todos os dirigentes europeus afirmam estar acima de tudo preocupados em tratar Gorbatchov com deferência.
A administração norte-americana apoia o chanceler alemão, que avança em passo acelerado. Em Moscovo, a 9 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado americano, James Baker, multiplica as promessas perante Eduard Chevardnadze, o ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, e Gorbatchov. Este último explica que a integração de uma Alemanha unida na OTAN irá perturbar o equilíbrio militar e estratégico na Europa. Defende uma Alemanha neutra ou que participe nas duas alianças — a OTAN e o Pacto de Varsóvia —, que se tornariam estruturas mais políticas do que militares. Em resposta, James Baker agita o fantasma de uma Alemanha entregue a si própria e capaz de se dotar da arma atómica, ao mesmo tempo que afirma que as discussões entre as duas Alemanhas e as quatro forças de ocupação (Estados Unidos, Reino Unido, França e URSS) devem garantir que a OTAN não vá mais longe: «A jurisdição militar actual da OTAN não irá estender-se nem um centímetro para Leste», afirma ele três vezes.
«Supondo que a unificação tenha lugar, o que prefere?», questiona o secretário de Estado. «Uma Alemanha unida fora da OTAN, absolutamente independente e sem tropas americanas? Ou uma Alemanha unida que mantenha laços com a OTAN, mas com a garantia de que as instituições ou as tropas da OTAN não irão estender-se para Leste da fronteira actual?» «A nossa direcção tenciona discutir todas estas questões em profundidade», responde-lhe Gorbatchov. «Escusado será dizer que um alargamento da zona OTAN é inaceitável.» «Nós concordamos com isso», conclui Baker.
No dia seguinte, 10 de Fevereiro de 1990, é a vez de Khol vir a Moscovo tranquilizar Gorbatchov: «Nós pensamos que a OTAN não deve alargar o seu alcance», garante o chanceler da Alemanha ocidental. «Temos de encontrar uma resolução razoável. Eu entendo bem os interesses da União Soviética em matéria de segurança.» Gorbatchov responde-lhe: «É uma questão séria. Não deve haver qualquer divergência em matéria militar. Eles dizem que a OTAN sem a RFA vai colapsar. Mas, sem a RDA, também será o fim do Pacto de Varsóvia…»
Em Julho de 2015, Putin esboça um ricto ao evocar este episódio fundamental da história das relações internacionais perante o realizador americano Oliver Stone: «Nada foi passado para o papel. Foi um erro de Gorbatchov. Em política, tudo tem de ser escrito, mesmo que uma garantia em papel também seja tantas vezes violada. Gorbatchov apenas discutiu com eles e considerou que essa palavra bastava. Mas as coisas não são assim!» (4).
A história acelera. Todos os regimes da Europa central caem. As únicas garantias sólidas que sobram à URSS nas negociações são os Acordos de Potsdam de Agosto de 1945 e a presença de 350 mil soldados soviéticos em solo alemão. James Baker regressa a Moscovo a 18 de Maio de 1990 para demonstrar a Gorbatchov que as suas posições são tidas em conta: «A OTAN vai evoluir no sentido de se transformar sobretudo numa organização política. (…) Estamos a esforçar-nos, em diversos fóruns, para transformar a CSCE [Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, futura OSCE] numa instituição permanente que se tornará uma pedra angular da nova Europa.» Gorbatchov leva-o à letra: «Afirma que a OTAN não se dirige contra nós, que se trata apenas de uma estrutura de segurança que se adapta à nova realidade. Então vamos propor entrar nela».
Miterrand encontra-se com Gorbatchov a 25 de Maio de 1990, em Moscovo, e diz-lhe: «Insisto em lembrar-lhe que sou pessoalmente favorável ao desmantelamento progressivo dos blocos militares». Acrescenta: «Sempre disse que a segurança europeia sem a URSS é impossível. Não porque a URSS seja um adversário dotado de um exército poderoso, mas porque é nossa parceira». O presidente francês escreve a seguir ao seu homólogo americano dizendo que a hostilidade de Gorbatchov à presença da Alemanha unificada na OTAN não lhe parece «fingida nem táctica», precisando que o dirigente soviético «já não tem qualquer margem de manobra».
Apesar da degradação económica, Gorbatchov consolida o seu poder. Tendo sido eleito presidente da URSS em Março, afasta os conservadores durante o Congresso do Partido Comunista da União Soviética que tem lugar no início de Julho. O último acto político acontece a 16 de Julho, na aldeia montanhosa de Arhiz, no Norte do Cáucaso. Em troca da retirada das tropas soviéticas da futura Alemanha unida e membro da OTAN, Khol compromete-se perante Gorbatchov a aceitar as fronteiras de 1945 (linha Oder-Neisse), a não ter qualquer reivindicação territorial, a diminuir para metade os efectivos do Bundeswehr, a renunciar a qualquer arma ABQ (atómica, bacteriológica ou química) e a pagar uma substancial «ajuda à partida».
O acordo é selado no Tratado sobre a Reunificação da Alemanha assinado em Moscovo a 12 de Setembro de 1990. Mas este texto só aborda a questão da extensão da OTAN a propósito do território da antiga RDA após a retirada das tropas soviéticas: «Forças armadas e armas nucleares ou ogivas de armas nucleares estrangeiras não ficarão estacionadas nesta parte da Alemanha e não serão para lá deslocadas» (5). No último minuto, os soviéticos torcem o nariz. Para conseguir a sua assinatura, os alemães acrescentam uma alteração que esclarece que «todas as questões relativas à aplicação da palavra “deslocadas” (…) serão resolvidas pelo governo da Alemanha unida de maneira razoável e responsável, tendo em conta os interesses de segurança de cada parte contratante». Nenhum texto fixou o destino a dar aos outros países do Pacto de Varsóvia.
No início de 1991 chegam da Hungria, da Checoslováquia, da Polónia e da Roménia os primeiros pedidos de adesão à OTAN. Uma delegação do Parlamento russo encontra-se com o secretário-geral da OTAN. Manfred Wörner diz-lhe que treze dos dezasseis membros do conselho da OTAN se pronunciaram contra um alargamento, e acrescenta: «Nós não devemos permitir o isolamento da URSS».
Andrei Gratchov, antigo conselheiro de Gorbatchov, compreende as motivações dos países da Europa central «ainda agora libertados da dominação soviética» e mantendo na memória as «ingerências» da Rússia czarista. Em contrapartida, lamenta a «velha política do “cordão sanitário”» que em seguida conduzirá a um alargamento da OTAN a todos os antigos países do Pacto de Varsóvia, e até às três antigas repúblicas soviéticas bálticas: «A posição dos falcões americanos é muito menos admissível, revelando uma profunda ignorância da realidade e uma incapacidade de abandonar as limitações ideológicas da Guerra Fria» (6). (ver fonte)
É mesmo? "Fia-te na virgem...e não corras" !!!!
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