terça-feira, 27 de outubro de 2020

Diz Paulo Morais acerca do Orçamento para 2021:" No próximo ano, serão mil e seiscentos milhões em rendas garantidas" para as PPP

 

 Despesas ocultas, e sem sentido. Assim vai o OE

O Orçamento do Estado tem sido, ao longo de anos, o mecanismo através do qual o Estado garante, de forma encapotada, regalias e tenças milionárias aos maiores grupos económicos. O Orçamento de 2021 (OE2021), presentemente em discussão parlamentar, não será infelizmente excepção. Os exemplos de maus gastos públicos e de favorecimento de grupos económicos são inúmeros. Em 2021, o Estado continuará a gastar fortunas com as ruinosas parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias, enriquecendo os concessionários privados de forma obscena. No próximo ano, serão mil e seiscentos milhões em rendas garantidas, quantia ainda superior à de 2020. Estas verbas são incompreensíveis, já que o valor actualizado do património alocado ao negócio é de cerca de cinco mil milhões (segundo o Eurostat), o que deveria representar rendas de cerca de 300 milhões. O pagamento das PPP rodoviárias irá, por mais um ano, reflectir um custo mais de cinco vezes superior ao valor dos activos. Esta situação, um verdadeiro cancro orçamental, irá prolongar-se pela próxima década e representa um desequilíbrio permanente nas contas públicas. Sob proposta do Governo, beneficiando de um silêncio cúmplice dos seus parceiros — Bloco e Partido Comunista —, estas despesas iníquas não serão sequer denunciadas pelo PSD e CDS, partidos eles também comprometidos com a origem dos 21 contratos de PPP rodoviárias ainda em vigor. Mas isto é apenas uma pequena amostra… A verdadeira insanidade orçamental do OE2021 é a inscrição de uma verba de dez mil milhões em “despesas excepcionais”, gastos camuflados que representam cerca de 10% da despesa pública anual prevista. Esta verba cresceu, face a 2020, 50%, é quase equivalente ao que se gasta em Educação e representa muito mais do que é investido em qualquer outra função primordial do Estado, da Justiça à Segurança. Mas, para além de extraordinárias, as despesas são iníquas. Em participações de capital irão ser despendidos mais dois mil e duzentos milhões de euros, sem quaisquer benefícios para os cidadãos. Surpreendentemente, ninguém questiona Costa ou o ministro Leão sobre estas “bagatelas” ou quais serão as empresas a beneficiar destes aumentos de capital. Sobre esta matéria, no Parlamento reina o silêncio: apoiantes do Governo fingem que não sabem, a oposição… moita-carrasco. 
 São também despesas excepcionais ocultas as contribuições para o Fundo de Resolução da Banca, em montante superior a 850 milhões de euros. Estas transferências são cada vez mais um apoio ilógico à banca, através de um Fundo de Resolução Europeu, que não controlamos. Vamos já no sétimo ano — desde a falência do BES, em 2014 — em que milhares de milhões dos nossos impostos são enterrados num sector perdulário e fonte de inúmeros negócios corruptos. Até porque, em apoios à banca, os governos não se coíbem. O Estado chega ao ponto de, em 2021, continuar a injectar 50 milhões no Banco Português de Negócios, 13 anos depois da nacionalização (que custou aos portugueses cerca de sete mil milhões) e dez anos depois da sua venda barata a Isabel dos Santos. Justificam-no como “despesas de reprivatização”. 
 É o delírio orçamental: o Estado, que vendeu por 40 milhões, continua a pagar, em montantes superiores ao valor da venda! Mas o que é ainda menos compreensível é a inclusão no OE2021 de uma verba de cerca de cinco mil milhões para empréstimos concedidos pelo Estado. O destino deste montante (superior ao orçamento de quase todos os ministérios) é verdadeiramente secreto, porquanto em nenhum dos documentos é explicitado, em nenhuma comunicação foi referido. A verba é colossal; e é oculta. Ao OE2021 falta, para além de clareza, coerência.  

 Irão destinar-se milhões para apoiar a Grécia, escondem-se mais 500 milhões para a TAP, a acrescer aos 1200 milhões já despendidos em 2020… São despesas sem sentido. No próximo ano, tal como nos anteriores, os recursos públicos serão canalizados para um restrito grupo de privilegiados e para muitas despesas sem qualquer racionalidade. O OE2021 irá certamente ser aprovado, beneficiando do apoio duma esquerda entorpecida, com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista como cúmplices da entrega de milhões à banca e aos concessionários das PPP. Inexplicavelmente, PSD e CDS também não denunciam estes desmandos, numa atitude que revela uma cumplicidade envergonhada.
Paulo  Morais, Presidente da Frente Cívica (publicado no jornal Público)

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