A fınal foram quatro séculos
A emoção deriva do facto de o meu pai, também ele açoriano, ter lutado por muitas das mesmas causas. A apreensão, de não ser capaz de fazer jus à tarefa, pois Antero foi não só um grande poeta, mas também por muitos considerado como um dos fundadores do “socialismo experimental” em Portugal. Foi com Oliveira Martins que fundou em 1869, em plena monarquia, o jornal A República e que juntamente com Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e o mesmo Oliveira Martins organizaram as Conferências Democráticas iniciadas em 1871.
O tema transversal de toda a sua preocupação foi sempre a necessidade urgente de reformar a sociedade, e o papel fundamental que a educação devia ter nesse projeto. Incluir os povos peninsulares no seu discurso é particularmente relevante, porque, segundo o autor, as razões do declínio são semelhantes. O texto aqui apresentado transcreve a primeira dessas conferências realizada na sala do Casino Lisbonense há quase 150 anos, com o objetivo de “expor ideias e estimular o debate, jamais impor opiniões”.
Para Antero “a Península, durante os séculos 17, 18 e 19, apresenta-nos um quadro de abatimento e insignificância, tanto mais sensível quanto contrasta dolorosamente com a grandeza, a importância e a originalidade do papel que desempenhámos no primeiro período da Renascença, durante toda a Idade Média, e ainda nos últimos séculos da Antiguidade”. Afirmando logo de seguida que “até ao meado do século 16 a Península conservou-se à altura daquela época extraordinária [a Renascença] de criação e liberdade de pensamento”, dando como exemplo o facto de um terço das universidades estabelecidas na Europa durante esse século terem sido fundadas na península. Termina a sua análise de forma dura: “Saímos de uma sociedade de homens vivos, movendo-se ao ar livre: entramos num recinto acanhado e quase sepulcral, com uma atmosfera turva pelo pó dos livros velhos, e habitado por espectros de doutores.”
Hoje, e com o devido distanciamento, eu diria que esse atraso foi muito mais longo. Teve o seu início nas disputas sangrentas da Reforma e Contra-Reforma do século XVI e na incapacidade da Igreja de Roma se adaptar a um novo mundo, onde personagens como Erasmus, Lutero, Montaigne e Bacon semeavam as ideias mestras desse mundo. Em Portugal isso traduziu-se pela implantação em 1536 duma Inquisição que em breve cobriria todos os territórios do império ultramarino português, e que só foi formalmente extinta em 1821. Em Castela e Aragão a Inquisição inicia a sua atividade muito mais cedo (em 1478) e dura 356 anos.
Antero escolhe o Concílio de Trento, realizado em 1545, como o evento que inicia o processo do que ele apelida “da morte moral” dos povos peninsulares. “Essa morte moral não invadira só o sentimento, a imaginação, o gosto: invadira sobre tudo a inteligência.” E mais à frente continua: “Durante 200 anos [séculos XVII e XVIII] de fecunda elaboração … aparecem os Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz, os Harvey, os Bufon, os Ducange, os Lavoisier, os Vico — onde está entre estes um nome espanhol ou português? … que nome espanhol ou português se liga à descoberta de uma grande lei científica, dum sistema, dum facto capital?” E acrescenta: “Foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.” E eu acrescentaria a essa longa lista nomes como Copérnico, Galileu, Kepler, Pascal e Espinosa, entre tantos outros. Recorde-se que sobre os séculos XVII e XVIII o conde de Ficalho, na sua obra sobre Garcia de Orta, exprime uma opinião idêntica, mas menos agressiva.
Para Antero, as principais causas da decadência refletem-se nos três grandes aspetos da vida social: o pensamento, a política e o trabalho.
A primeira, já referida (o Concílio de Trento), é analisada em grande detalhe. “Das influências deletérias nenhuma foi tão universal, nenhuma lançou tão fundas raízes.” Para Antero o resultado resume-se à ideia de que, sendo o cristianismo sobretudo um sentimento, o catolicismo fortalece a instituição. “Um vive da fé e da inspiração: o outro do dogma e da disciplina.” Para impor a Igreja de Roma, o cristianismo era sacrificado. E não poupa os jesuítas. “D. Sebastião, o discípulo dos jesuítas, vai morrer nos areais de África pela fé católica, não pela nação portuguesa.”
A segunda foi o estabelecimento do absolutismo. “O poder absoluto assenta-se sobre a ruína das instituições locais.” Forçando e “acostumando o povo a servir, habituando-o à inércia de quem espera tudo de cima… quebrou a energia das vontades, adormeceu a iniciativa”. Tomando como exemplo um dos grandes desastres desse período, acrescenta: “Se Filipe II não fosse absoluto, jamais teria podido tentar o seu absurdo projeto de conquistar a Inglaterra, não teria feito sepultar nas águas do oceano com a invencível armada milhares de vidas e um capital prodigioso inteiramente perdido.”
A terceira causa, as Conquistas, foi de caráter essencialmente económico. A procura da glória e fortuna “fáceis” transformou os agricultores em soldados e aventureiros, despovoou as terras e destruiu a agricultura. Escravizou povos, destruiu civilizações e a riqueza que produziu foi efémera.
Termina o seu discurso apelando à “renovação incessante da humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado”, lutando por uma revolução, vista como “um verbo de paz, por que é o verbo humano por excelência”. Em 1871 esta mensagem era revolucionária. Mas pouco ou nada mudou até os peninsulares se libertarem das longas ditaduras a que foram sujeitos. Afinal, foram quatro séculos de atraso.
Já em democracia e integrados numa Europa baseada na liberdade e no conhecimento, ficamos surpreendidos com a recuperação das últimas quatro décadas.
Apesar de ainda frágil, foi possível. Num momento em que os fundamentalismos religiosos, políticos e económicos crescem por todo o lado, os alertas de Antero continuam a ser mais do que pertinentes.
YouTube "The most feared machine by the new world order". Talvez um pouco exagerado o título, mas faz algum sentido.
ResponderEliminarMundo Desconocido-The most feared machine by the new world order.
EliminarÉ preciso um jornalista ou político ser muito ignorante ou mal intencionado para não perceber porque é que os Açores recebem mais do que a Madeira. Vejam quantas ilhas são habitadas, por quantos e as suas características. Capa de jornal?
ResponderEliminarSr Primeiro Ministro, favor não coloque o Augusto Santos Silva a lidar com os britanicos. Não é a pessoa certa, muito menos a partir de Janeiro.
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