Por favor, poupem-nos à hipocrisiaPor favor, poupem-nos à hipocrisia.
Dizem que no regime soviético os fuzilados gritavam viva Staline antes dos disparos; pois agora, depois do exercício de crucificação pública, é igualmente exigido às vítimas que declarem a sua ardente fé na justiça portuguesa.
O mais difícil de suportar, neste último folhetim penal a que chamam tutti frutti, é esse ar de espanto simulado diante do escândalo recém-descoberto. Não, não, esse espanto não é verdadeiro. O que está a acontecer já aconteceu antes no processo marquês. Todos viram antes a longa campanha de difamação desenvolver-se sem qualquer entrave. Todos viram os crimes de violação de segredo serem praticados impunemente. Todos viram esse crime ser lentamente transformado em monopólio dos agentes do estado. Por favor, poupem-nos ao fingimento.
Todos viram. Todos viram a vigarice da escolha do juiz, a prisão em direto na televisão, a invenção do perigo de fuga. Todos viram os procuradores dizer que tinham provas, provas muito sólidas -- e no final viram que era tudo falso. Mas viram e aplaudiram. Viram e foram cúmplices. Viram o juiz escrever que a prisão preventiva "a pecar não será por excesso" -- e celebraram. Celebraram e ignoraram os protestos da defesa. E, não, não me deixa nada contente ver os cúmplices de então transformados nas vítimas de hoje. Não vejo nisso nenhuma justiça poética. O que vejo é a mesma doutrina e a mesma escola -- a escola Alexandre. Nada isto é de agora.
O truque, antes como agora, consiste basicamente em construir um duplo processo. Um, o processo oficial, o outro um processo paralelo que "corre termos" no espaço público e que é alimentado nos jornais pelos agentes do estado que supostamente o deveriam guardar do olhar público em nome das garantias constitucionais. A artimanha, antes como agora, consiste em deslocar o processo da sala de tribunal para o conforto do estúdio de televisão onde polícias, procuradores e jornalistas contam a sua história sem empecilhos ou contradições. Ali não entra a defesa. A câmara de televisão como novo punhal do assassinato político e do golpe de mão. E a perfídia é tão completa, tão perfeita, que no final da cena de abuso ainda exigem da vítima a total submissão, convidando-a a proclamar a sua confiança na justiça. Dizem que no regime soviético os fuzilados gritavam viva Staline antes dos disparos; pois agora, depois do exercício de crucificação pública, é igualmente exigido às vítimas que declarem a sua ardente fé na justiça portuguesa.
Mais um ponto. A atual hipocrisia dos que agora protestam em nome do estado de direito não se limita a fingir que nada houve antes, mas a pretender que nada há para além. Não é verdade. A violência e o arbítrio de tais métodos não são um exclusivo deste último episódio. Os sinais estão por todo o lado e a questão vai muito mais longe e mais fundo. Agora vemos responsáveis policiais (com a cumplicidade do governo que os nomeia) a falar na necessidade de limitar o direito de recurso e a falar em "terrorismo processual"; agora vemos responsáveis judiciais a dizer que é preciso cortar no "excesso de garantias"; agora vemos ativistas políticos e jornalistas a fazer apelos para que percamos de vez os "complexos com a ditadura". Agora vemos velhas luminárias do direito interrogando-se se este Código de Processo Penal é adequado a determinados processos, deixando implícito que talvez um qualquer estado de exceção constituísse melhor resposta aos modernos desafios da justiça. Agora vemos os tribunais a recusar fazer perícias médicas independentes para saber se o visado está em condições de se defender e de entender o que está a acontecer no julgamento. Agora vemos os tribunais recusar cumprir a lei que determina o sorteio de todos os juízes e a exercer a sua mesquinha vingança sobre os cidadãos recalcitrantes usando o poder sancionatório das custas judiciais. É como estamos. Não, não é um fenómeno isolado, nem é de agora. Vem muito detrás. É uma escola e é uma deriva - menos direitos individuais; mais poder para as instituições de repressão estatal. A indiferença com as garantias constitucionais é fenómeno visível à esquerda e à direita, mas é particularmente penosa no partido socialista que já foi o partido da liberdade e é agora mais um partido da autoridade. Não, não, nada disto é novo. Esta foi a cultura política por detrás do processo marquês. Tem dez anos.
PS: Também li os artigos dos deputados do PSD a propósito dos abusos das autoridades penais contra si. Compreendo. Todavia, se me permitem, a defesa das garantias constitucionais é mais necessária quando os alvos do arbítrio judicial são os nossos adversários políticos.
Ericeira, 14 de junho de 2023 (DN Lisboa)https://br.rbth.com/historia/81289-photoshop-sovietico-propaganda-stalinista
José Sócrates e Putin, dois personagens que são referências para o Pravda.
ResponderEliminarFalta ainda o Lula da Silva outra referência para o Pravda.
Eliminar"O seu a seu dono"
EliminarTodos os corruptos são apoiados pelo Pravda
Todos não, menos a Ophélia do Quebra Costas, o Albucoca, o Calado, o Jaime Sanitas, e a demais corja laranja
EliminarDisseste bem que esses não estão na corja de vocês.
EliminarParabéns, já ganhaste o dia ó gilinho.