segunda-feira, 4 de agosto de 2025

A igreja reacionária e obscurantista sempre esteve por detrás dos assaltos às sedes do PCP em 1975 no norte do país

 Verão Quente de 1975 Um país a ferro e fogo

 Foram meses de instabilidade política, de anúncios de golpes e contragolpes de Estado, e também marcados por uma onda de violência ímpar. A História descreve uma realidade de trincheiras e os protagonistas reconhecem que Portugal esteve à beira de uma guerra civil. O país vivia, literalmente, a ferro e fogo. Foi o Verão quente. Nas festas de adolescentes do Estoril no Verão de 1975, os filhos de famílias da linha agarravam-se aos sons de Emerson, Lake & Palmer, que anunciavam como ELP. O recurso ao acrónimo não era inocente, mas o tributo ao Exército de Libertação de Portugal (ELP), criado em Janeiro de 1975 pelo ex-subdirector-geral da PIDE-DGS, a polícia política da ditadura, Agostinho Barbieri Cardoso. Era a partir de Madrid que Barbieri Cardoso — envolvido na Operação Outono, o assassínio a 13 de Fevereiro de 1965 do general Humberto Delgado na localidade de Los Almerines, na Extremadura espanhola, perto da fronteira portuguesa — dirigia esta organização terrorista. Com um historial de ataques a sedes do PCP, à embaixada de Cuba e a 16 de Setembro de 75 à delegação no Porto do Bank of London and South América. Outra sigla destes tempos de chumbo era o MDLP (Movimento Democrático de Libertação  Nacional), anunciado pelo general António de Spínola a 5 de Maio de 1975. Foi o coroar de um percurso do “general do monóculo”, que o levara a abdicar em 30 de Setembro de 1974 do cargo de Presidente da República após a manifestação da chamada “maioria silenciosa” contra os caminhos da descolonização e a envolver-se na tentativa, também falhada, do golpe militar de 11 de Março de 1975 com o bombardeamento do RAL1 e o sobrevoo intimidatório de Lisboa. Da base de Tancos, de onde dirigiu o golpe, Spínola fugiu de helicóptero para a base militar espanhola de Talavera la Real, nos arredores de Badajoz, e rumou para o Brasil. Do outro lado do Atlântico, à frente do MDLP, idealizou um exército e a invasão de Portugal. Um propósito que muitos dos seus correligionários consideravam, no entanto, sobredimensionado, donde, pouco operativo.
De manifestantes a atacantes
“Discordei do plano de actuação do general Spínola porque a visão dele era a de uma reconquista territorial de Portugal e eu entendia que tinha de ser uma guerra subversiva, que tinha de haver uma sublevação no interior do território, a que chamámos ‘Maria da Fonte’”, comenta o coronel Sanches Osório, que no 28 de Setembro apoiou António de Spínola e uniu o seu destino ao do general. Responsável pelas relações internacionais do MDLP, estava sediado em Madrid, com incursões regulares a Paris, onde mantinha contacto com os serviços de informação franceses. “A Maria da Fonte funcionava com o apoio dos párocos que estavam connosco nas várias paróquias de norte a sul, ao toque dos sinos das igrejas”, descreve: “Para isso, foi posta à nossa disposição pelo senhor arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, o celebérrimo cónego Melo, em Braga, e o cónego Sarmento, em Vila Real. O apoio que nos davam era essencialmente logístico, de levantar as massas e nos dar abrigo.” Sanches Osório relata o modus operandi do assalto à sede do PCP de Braga, a 11 de Agosto de 1975, comum a outras acções, com camponeses e agricultores a serem concentrados nas cidades e vilas em autocarros alugados: “Começou com uma manifestação convocada em Braga pelo arcebispo na sequência de uma denúncia anónima ao COPCON [Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho] de que ele ia levar divisas para o Brasil; no aeroporto do Porto, os militares despiram o arcebispo à procura das divisas que não existiam.” Quando regressou, o arcebispo convocou a manifestação. “A denúncia foi numa carta do engenheiro Jorge Jardim e de Valdemar Paradela de Abreu”, revela: “Jorge Jardim foi utilíssimo, tinha uma imaginação extraordinária e a experiência de operações militares em África.” O ardil funcionou. “Posteriormente, fomos pedir-lhe desculpa e ajuda”, prossegue Sanches Osório: “Ele disse-nos que não nos podia ajudar, que era um problema que o transcendia, mas que nos ia apresentar alguém, era o cónego Melo.” A denúncia falsa foi o detonador para pôr o arcebispo a colaborar. O esquema de acção em Braga contra a sede do PCP repetiu-se por todo o país. “O funcionamento da organização da manifestação [de Braga] foi pôr uma cidadã a dar um tiro com uma pistolinha que tinha na mala e, depois, vários outros espalhados tacticamente entre a multidão de manifestantes, que gritavam: ‘Olha o PC, olha o PC.’ Transformámos os manifestantes em atacantes”, sintetiza.
Fim do apoio de Paris
Numa ida ao Rio de Janeiro para falar com Spínola, Sanches Osório detecta divisões internas no MDLP: “Cheguei ao Rio de Janeiro de madrugada; o coronel Simas, que tinha saído de Portugal com o general, encontrame e diz: ‘Não fales com o velho [Spínola] antes de falar comigo’, o que era sinal de que — e muito à portuguesa — já estavam todos zangados uns com os outros.” Após a estada no Brasil, o responsável das relações Externas do MDLP combina com os serviços secretos franceses uma visita de Spínola a Paris. “Impressionou-me nessa altura, porque fui buscar o general ao avião, metemo-nos num carro e, do aeroporto para a sede dos serviços secretos, mudámos de automóvel três ou quatro vezes”, recorda. Este recebimento não teve continuidade. “Tivemos um almoço e a seguir, em conclusão da reunião, o Presidente Giscard d’Estaing retirou todo o apoio ao MDLP. Não achou que fosse viável o plano que foi exposto pelo general Spínola ao coronel Alexandre de Marenches [chefe da secreta francesa].” Ou seja, o esquema da invasão, para a qual Spínola garantia já ter pessoal e armamento, não seduziu nem convenceu a secreta francesa. O apoio francês era decisivo. Não foi por acaso que a França manteve durante mais de 50 anos à frente da secção de África dos Negócios Estrangeiros o especialista Jacques Foccart. “O senhor Foccart punha e dispunha sobre África e dava instruções ao Savimbi”, anota Sanches Osório.
Mudança de estruturas
 No Verão Quente, Agostinho Lopes tinha 30 anos e estava à frente da Direcção da Organização da Região Norte (DORN) do PCP. Viveu aqueles tempos duros. “Era uma ofensiva de grande violência, com a colocação de bombas, atentados a tiro, agressões, que se começou a desenvolver a partir de Maio de 1975, o primeiro assalto foi à sede do MDP/ CDE de Bragança, a 26 de Maio”, recorda. “Preparavam acções que a derrota das tentativas anteriores de travar o processo revolucionário e o 25 de Abril — o golpe Palma Carlos, o 28 de Setembro de 1974 e o 11 de Março de 75 — não tinham conseguido”, descreve. “Utilizavam instrumentos velhos, como os sentimentos religiosos dos portugueses e as dificuldades da Revolução, para responder de forma adequada, nomeadamente ao campesinato, ao preço e escoamento dos produtos agrícolas”, lembra ainda. Neste caldo de cultura, o veterano dirigente comunista junta outro factor: “A legislação da altura dos rendeiros que a norte e centro vai alavancar a reacção dos grandes proprietários numa zona de milhares de pequenos agricultores.” A esta relação de causa e efeito, apesar de a lei do arrendamento rural de então ter dado resposta a problemas concretos, somou-se outro factor: “A chegada de uma população imensa de Angola e Moçambique, os chamados ‘retornados’, que vieram alterar a composição social.” Aconteceu então uma mudança de paisagem: “No distrito de Bragança, houve aldeias, como Alfândega da Fé, onde a população duplicou, com problemas de alojamento e emprego, com dificuldades em se encaixa rem do ponto de vista social, o que criou um ambiente que foi muito explorado pelas forças interessadas em travar o processo revolucionário do 25 de Abril.” Nesta tese, Agostinho Lopes desvaloriza qualquer reacção à Operação Nortada no âmbito das campanhas de esclarecimento político e dinamização cultural promovidas pelas Forças Armadas. No caso de Trás-os-Montes, a cargo de efectivos dos comandos: “Algumas dessas operações foram mais mediáticas do que no terreno, outras tiveram efeito quando fizeram o saneamento das autarquias e alteraram as relações de poder.” A substituição das estruturas municipais da ditadura pela nomeação de comissões administrativas para o novo poder local estendeu-se a outras realidades: “Também suscitou alterações nas cooperativas agrícolas, nos grémios da lavoura, tudo isso alterou relações de força que não foram bem vistas nem bem aceites por quem, até esse momento, partia e repartia tudo naquelas terras.”
Não à clandestinidade
 Com vários objectivos de involução, a violência marcou o Verão de 1975. Na contabilidade do PCP, o Dossier Terrorismo, das edições Avante!, regista de Maio de 75 a Abril de 77 a deÇagração de 310 bombas, a realização de 136 assaltos a sedes comunistas, 58 incêndios daquelas instalações, 36 casos de espancamento de militantes, 16 atentados a tiro e dez episódios de apedrejamento. Por distritos, estas acções ocorrem no Porto, (138 casos), em Lisboa (110) e Braga (70). No Alto Minho, um estudo recentemente publicado da organização comunista destaca a morte do militante José Martins da Costa, em Ponte de Lima, por disparos de militares que ocorreram a pôr termo ao assalto à sede do PCP e que responderam com rajadas de metralhadora aos tiros de caçadeira do centro de trabalho comunista. Mas não foi este o único caso de morte em actos de violência, alguns através das deÇagrações de bombas em veículos. Houve uma morte no assalto à sede comunista de Ponte de Lima, e outras duas em Arcos de Valdevez. Só na capital do Alto Minho, em Viana do Castelo, não houve incidentes, o que o PCP atribui à existência de um núcleo operário concentrado nos estaleiros navais da cidade. Em A Invasão Spinolista, livro do jornalista Eduardo Dâmaso, que relata as ramiÆcações políticas e de criminalidade comum, uma  cronologia aponta os episódios de ataques terroristas entre 1974 e 1976. Com uma curiosidade. O assalto, por duas vezes, às sedes do PCP e do MDP/CDE em Penafiel e em Bragança. Neste último caso, com nove feridos. Agostinho Lopes dá outro exemplo: “O centro de trabalho de Famalicão foi assaltado em [3] Agosto [de 1975] e passadas umas semanas já lá estávamos.” Manter a presença era fundamental. “As orientações nunca mudaram, a continuação do trabalho político e social, a denúncia do que tinha acontecido, os processos nos tribunais contra os assaltantes, as reuniões em casas de camaradas como sedes temporárias, com o esforço de rapidamente recuperar”, refere o antigo dirigente da DORN: “Mesmo durante o tempo dos assaltos, tomámos medidas de segurança, com militantes a dormirem nos centros de trabalho com caçadeiras.” A multiplicação das acções permitiu um padrão nos assaltos: “Faziam uma movimentação com um grupo dinamizador, às vezes atiravam pedras, noutras, tiros, havia ou não resposta com a ideia de provocar o menos possível o confronto e, a determinada altura chegavam as forças de segurança ou o Exército, que entravam nas sedes, desarmavam os militantes e os levavam para outro lado, e era então que havia o assalto. A maior parte dos assaltos era sem militantes dentro das sedes.” Agostinho Lopes nega a passagem momentânea à clandestinidade por motivos de se gurança: “Pelo contrário, uma das orientações mais certas do PCP foi evitar que deixasse de ser visível, sempre resistimos.”
A importância de Espanha
  Depois de desertar da Guerra Colonial, em Carmona, no Norte de Angola, para evitar um mandado de captura na sequência do 28 de Setembro, Jaime Nogueira Pinto percorreu uma peculiar geograÆa do exílio: Sudoeste Africano, hoje Namíbia, Pretória e Joanesburgo, na África do Sul, Rio de Janeiro e Madrid. “No Brasil, estive com Spínola duas ou três vezes porque tinha uns amigos que trabalhavam com ele, embora não fosse pessoa pela qual tivesse grande simpatia”, recorda. “Era amigo de várias das pessoas, quase todos, do Calvão [Alpoim], do Júdice [José Miguel], com quem compartilhava ideias, mas nunca estive propriamente inscrito no MDLP”, ressalva. Para o historiador e escritor, “Spínola era uma bandeira, estes movimentos em Portugal são de quadros, as revoluções portuguesas são de quadros médios, o 28 de Maio [de 1926] foi uma revolução de quadros médios, de capitães que, depois, foram buscar Gomes da Costa.” Os ataques às sedes da esquerda têm, para Nogueira Pinto, uma lógica própria: “Foi um movimento de reacção que envolveu, sobretudo, o clero católico e os católicos do Norte de Portugal; foi um movimento popular que teve esse enquadramento, estamos a falar do cónego Melo, do padre Narciso.” Para além da lógica, têm uma geografia singular: “É a geografia do Portugal conservador; se olharmos para a Guerra Civil (1832- 34), vemos que são zonas fortes do miguelismo; a Maria da Fonte (1846) tem também essa geografia; e na Monarquia do Norte (1919), à excepção de Aveiro, a geografia também é próxima.” Um Portugal conservador que vai à luta e desce à rua, enquadrado pela Igreja. “Hoje penso que, com a descristianização que existiu, já não seria possível um movimento desse tipo”, observa. “Foi um momento de catalisador anticomunista, onde estavam essas pessoas do MDLP em Madrid, e cuja importância foi fazer frente, animar os militares anticomunistas, desde os que estavam mais próximos da direita revolucionária aos que estavam próximos do centro, e mesmo do centro-esquerda”, descreve. “Essa atitude do povo na rua ajudou a legitimar esses movimentos e, no que é próprio dos movimentos ‘anti’, a tornarem amigas pessoas que não têm nada que ver com as outras.” No entanto, coloca limites à sua importância. “No Verão Quente de 1975, os soviéticos nunca estiveram interessados em tomar o poder em Portugal; Carlucci (Frank), nas suas memórias, fala disso”, lembra Jaime Nogueira Pinto, referindo-se ao embaixador norteamericano em Lisboa: “Os soviéticos não queriam mexer em Ialta [Conferência de Ialta, que decorreu entre 4 e 11 de Fevereiro de 1945], interessava-lhes manter uma testa de ponte até à conclusão do processo de descolonização. Aliás, o 25 de Novembro foi duas semanas depois da independência de Angola, a 11 de Novembro.” Jaime Nogueira Pinto junta outro factor: “O general Franco estava nas últimas, e se houvesse aqui uma perturbação de tipo prócomunista, o processo espanhol de transição não ia para a frente. E, apesar de tudo, a Espanha era mais importante do que Portugal.”



3 comentários:

  1. Paz, Pão...
    https://medium.com/@01marxista/paz-p%C3%A3o-e-terra-b3d66c71b32d
    https://www.psd.pt/pt/hinos-e-discursos
    os CHEGanos ainda vão obrigara os PPD a alterar o hino

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  2. Grande D Francisco Santana que expulsou o agitador pandeireta da Ribeira Seca de triste memória .
    Despois apareceu um sacristão à Brás a lhe dar uma credencial para ter um lugar no inferno com refresco no cu.

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