Mais de metade do dinheiro distribuído foi parar a Avelino
Grupo AFA foi o maior beneficiário dos contratos públicos atribuídos
por Albuquerque. Novo hospital da Madeira é uma das obras sob suspeita
O grupo AFA (Avelino Farinha e Agrela) recebeu mais de
metade do dinheiro atribuído
por Miguel Albuquerque em
contratos públicos desde que
este se tornou presidente do
Governo Regional da Madeira,
em 2015.
As empresas de construção
controladas por Avelino Farinha — um dos três arguidos
presos na operação que levou
à demissão de Albuquerque na
semana passada por suspeitas
de corrupção, prevaricação,
participação económica em negócio, abuso de poder, tráfico
de influência e atentado contra o Estado de direito — têm
tido uma posição claramente dominante na Madeira, de
acordo com cálculos feitos pelo
Expresso a partir dos dados
disponibilizados pelo Base.gov,
o portal público que centraliza
informação sobre todos os contratos celebrados pelo Estado
em Portugal.
Dos €540 milhões distribuídos desde 2015 pelo Governo
Regional, através de contratos públicos assinados pela
Secretaria Regional dos Equipamentos e Infraestruturas e
pela vice-presidência do Governo Regional, €332 milhões
foram parar a duas empresas
do grupo AFA — a Afavias e a
Construtora do Tâmega Madeira — ou a consórcios de que
elas fizeram ou fazem parte. Numa análise a 1042 contratos públicos assinados desde
que Miguel Albuquerque assumiu a função de chefe do
Executivo da Região Autónoma da Madeira, em abril de
2015, apenas 57 envolveram o
grupo AFA. Esta meia centena
de adjudicações, no entanto,
representou 61% do bolo total
distribuído pela vice-presidência do Governo Regional e
pela Secretaria Regional dos
Equipamentos e Infraestruturas, duas entidades adjudicantes que surgem com o mesmo
número de contribuinte no
portal de informação sobre
contratos públicos. Embora
tenha havido outras secretarias regionais a celebrar alguns contratos com a Afavias
(e nenhum com a Construtora
do Tâmega Madeira), no valor
global de €17 milhões, o peso
desses contratos é relativamente pequeno.
No top 20 dos maiores contratos públicos dos últimos oito
anos assinados pelo Governo
Regional, 11 foram parar ao
grupo AFA, sendo que a fatia
do dinheiro distribuído nessa
lista é ainda mais desproporcional: 79% dos €291 milhões
relativos a esse top 20 foram
pagos a empresas de Avelino
Farinha ou a consórcios de que
fizeram ou fazem parte.
Tudo sob investigação
Todas estas adjudicações
ganhas pelas empresas de
Avelino Farinha estão a ser
investigadas em dois dos processos-crime em que este empresário é visado no Departamento Central de Investigação
e Ação Penal (DCIAP), de acordo com fontes judiciais contactadas pelo Expresso. “Quando
há suspeitas sobre uma, tem
de se investigar todas”, explica
uma fonte judicial.
O maior desses contratos, celebrado em outubro de 2022,
diz respeito à segunda fase
do projeto de construção do
novo Hospital Central e Universitário da Madeira, que foi
ganho, por €74,7 milhões, por
um consórcio onde está a Afavias, a Tecnovia Madeira e a
Socicorreia — Engenharia.
O CEO e principal acionista desta
última empresa, Custódio Correia, é um dos arguidos detidos
num dos processos-crime em
curso, aberto em 2021, e em
que o hospital é uma das obras
suspeitas, sendo que Avelino
Farinha e Pedro Calado, antigo vice-presidente do Governo
Regional e presidente da Câmara Municipal do Funchal
demissionário, são também
arguidos nesse inquérito.
A Afavias já tinha ficado, sozinha e não em consórcio, com
a primeira fase da obra, para escavações e contenções do
terreno, atribuída, por €18,9
milhões, em março de 2021,
quando Calado era vice-presidente do Governo Regional.
Este deixaria esse cargo poucos meses depois, em agosto
desse ano, para conquistar a
Câmara do Funchal.
Se acrescentarmos às adjudicações feitas pelo Governo
Regional os contratos distribuídos por todas as entidades
públicas do arquipélago — incluindo a Empresa de Eletricidade da Madeira —, então
o peso de Avelino Farinha na
relação dos empreiteiros locais
com o Estado é ainda maior. As
suas empresas, de forma isolada ou em consórcio com outras
companhias, faturaram €474
milhões ao Estado desde 2015,
sem contar com €59 milhões
ganhos com os municípios.
Apesar de ser arguido em
dois processos diferentes e de
ser suspeito de corrupção, o
ainda chefe do Governo Regional não foi chamado para
interrogatório. A razão é
simples: a procuradora Rita
Madeira terá decidido que só
depois de analisar todo o material recolhido nas buscas à
casa particular e à residência
oficial do governante é que
estará em condições para o
chamar a depor. Mais de uma
semana depois de terem sido
detidos pela PJ, Pedro Calado,
Avelino Farinha e Custódio
Correia continuam a ser ouvidos, em primeiro interrogatório judicial, em Lisboa.
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