João Caldeira ainda hoje não sabe se o arreliador ‘bug’ que lhe encravou o computador foi um mal que veio por bem – ou um azar que o entalou. Este homem, de ar afável e feitio cortez, era director dos serviços de contabilidade e tesouraria da Parque Expo. No início de Agosto de 1998, no auge da última exposição mundial do século, o seu computador bloqueou. Caldeira chamou os técnicos de informática – que lhe levaram a máquina para arranjar. Uma semana depois, rebentou o escândalo: o tesoureiro da Expo, até aí um respeitado técnico de contas, foi preso pela Polícia Judiciária no local de trabalho.O disco do computador continha informação escaldante. Além dos mapas dos fechos de contas da Parque Expo, lá estava a contabilidade da cooperativa de habitação Mar da Palha, de que ele era vice-presidente e contabilista, e de uma empresa de pesca na Tanzânia, a Dica SA, em que tinha interesses. Caldeira fora atraído para o negócio da pesca na Tanzânia por dois velhos conhecidos portugueses – que lhe explicaram como o lucro estava garantido sem grande capital de investimento. O contabilista embarcou nesta imprudente aventura africana de olhos postos na miragem dos cifrões. A cegueira arrastou-o para o fundo. A companhia de pesca, proprietária de dois barcos, revelou-se desde a primeira hora um sorvedouro de dinheiro. O naufrágio era inevitável. Mas João Caldeira estava determinado a salvar a empresa. Passavam-lhe diariamente pela tesouraria da Expo milhões de contos – e ele estava em posição de desviar dinheiro e manter a burla escondida durante uns meses. Seria capaz de resistir à tentação? Ainda hesitou. Até que decidiu arriscar. João Caldeira tinha a esperança de que o camarão capturado na Tanzânia em breve começava a dar dinheiro. Seria uma questão de tempo. Teria então a oportunidade para repor as quantias desviadas. Os dois barcos de pesca navegavam em mar cada vez mais encapelado. Era preciso mais e mais dinheiro. O contabilista recorreu pela primeira vez aos fundos alheios em Fevereiro de 1997. Nunca mais parou – sempre à espera de fundos da Tanzânia que tardavam em chegar. O desfalque, contas feitas, rondou o meio milhão de contos. Se o computador de João Caldeira não tivesse avariado naquele início de Agosto, teria ele conseguido repor o dinheiro em falta a tempo de não ser apanhado – ou a avaria foi um mal que veio por bem e evitou que o contabilista se visse a contas com uma fraude do tamanho da Expo? O director dos serviços de contabilidade e tesouraria da Parque Expo foi detido pela Polícia Judiciária na manhã de 8 de Agosto de 1998, sábado, uma semana depois de o computador ter sofrido a avaria – e ficou em prisão preventiva por ordem de um juiz de instrução criminal. As investigações prolongaram-se por oito meses. Os técnicos de informática não conseguiram recuperar todos os documentos do disco do computador de João Caldeira: perderam-se para sempre os dados sobre a verdadeira extensão dos negócios na Tanzânia. Ainda assim, o Ministério Público apurou uma fraude de exactamente 435 288 466 escudos – e acusou-o de peculato, falsificação agravada, falsidade informática, abuso de poder e burla. A Polícia Judiciária não conseguiu descobrir o paradeiro de cerca de 200 mil contos. Ainda hoje não se sabe para onde foi o dinheiro. Os sócios de João Caldeira na empresa de pescas chegaram a ser inquiridos pela PJ – mas contra eles nada ficou provado. Quando foi detido pela Polícia Judiciária, em 8 de Agosto, Caldeira tinha em seu poder seis cheques, no valor global de 1,2 milhões de contos, de contas tituladas pela cooperativa de habitação Mar da Palha – cheques que já deveriam ter sido depositados a favor da Parque Expo para pagamento de terrenos urbanizados pela cooperativa. João Caldeira punha e dispunha dos dinheiros da Mar da Palha: era vice-presidente e contabilista da cooperativa. Estas funções, aliadas às de chefe dos serviços de contabilidade e tesouraria da Parque Expo, permitiram-lhe desviar para proveito próprio o dinheiro dos cooperantes para pagamento de terrenos à Expo. Já preso, Caldeira assumiu sozinho o desfalque: “Não fui aliciado por ninguém para o fazer, nem aliciei outros para me ajudarem a fazê-lo” – disse à Polícia Judiciária. Mas acrescentou que a trama só foi possível pelas “facilidades” que os serviços de controlo da Parque Expo lhe deram. Deixou os investigadores da PJ boquiabertos de espanto quando lhes explicou como teria dado o golpe do século: “Se quisesse, desviava milhões de contos, ‘lavava’ o dinheiro e refugiava-me num país onde era impossível a minha detenção.” ARREPENDIDO “Estou profundamente arrependido” e “assumo as responsabilidades”, disse João Caldeira na primeira sessão de julgamento. Garantiu que estava disposto a repor todo o dinheiro desviado – mas não podia fazê-lo imediatamente, porque não tinha bens imóveis e perdera o contacto com os sócios portugueses no negócio de pesca na Tanzânia, Eduardo Vieira Pereira, Serafim Antunes Afonso e Capaz Bom. Disse que apenas no prazo de quatro a seis anos depois de sair da prisão, “se a vida lhe correr muito bem”,, estaria em condições de pagar tudo o que devia. TRIBUNAL: CONFISSÃO João Belo Vilela Caldeira foi julgado no Tribunal Criminal da Boa-Hora, em Junho de 1999, pelas juízes Ana Brito (presidente), Teresa Féria e Ana Sebastião. Nem parecia que respondia por burla e desfalque. Regra geral, os burlões põem o ar mais inocente e desmultiplicam-se em explicações rebuscadas. João Caldeira, defendido pelo advogado António Saldida, não estava ali em juízo para fazer perder tempo aos juízes: confessou tudo – e o julgamento ficou despachado em meia dúzia de sessões. Foi condenado a sete anos de cadeia e ao pagamento de uma indemnização de cerca de 17,5 mil contos à parque Expo por danos causados à imagem da empresa. Saiu em liberdade condicional em finais de 2001.
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