sábado, 1 de julho de 2023

Os tribunais e a participação pública dos cidadãos (Abaixo toda essa cachorrada dos tribunais fascistas!)

  (SLAPP): strategic lawsuits against public participation

processos estratégicos contra a participação popular


 Daphne Anne Caruana Galizia foi uma extraordinária jornalista de investigação, nascida em 1964, que foi assassinada em 2014. Uma bomba colocada no seu carro pôs termo a uma corajosa e solitária luta que incomodava muita gente do poder. Denunciava, em Malta, casos de corrupção, nepotismo, branqueamento de capitais e ligações da máfia a políticos locais. Apesar das constantes ameaças e dos sucessivos processos judiciais, o título da última publicação no seu blogue, antes de ser morta, dizia: “O vigarista Schembri esteve hoje no tribunal, alegando que não é um vigarista”, terminando com a frase “há vigaristas para onde quer que se olhe agora. A situação é desesperada” (Keith Schembri era o chefe de gabinete do primeiro-ministro maltês Joseph Muscat). Na altura da sua morte, Daphne Caruana Galizia enfrentava em tribunal 48 processos por difamação. Num dos processos, intentado meses antes da sua morte por um banqueiro, o valor da indemnização pedida era de 40 milhões de dólares. Daphne foi uma das mais conhecidas vítimas do assédio judicial, já há muito conhecido em alguns estados norte-americanos e que tem vindo a proliferar no continente europeu, Portugal incluído. A proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho SWD (2022) 117 final é uma consequência da luta de Daphne e, agora, falta saber se viremos a ter uma directiva corajosa e que honre a sua memória ou se será cobarde e envergonhada. Na Exposição de Motivos, a proposta de directiva é muito clara: “Os processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos contra a participação pública (geralmente também designados por ‘acções judiciais estratégicas contra a participação pública’ ou ‘SLAPP’, do inglês strategic lawsuits against public participation) são um fenómeno recente, mas cada vez mais generalizado na União Europeia. Constituem uma forma particularmente prejudicial de assédio e intimidação contra as pessoas envolvidas na protecção do interesse público. Estes processos judiciais infundados ou exagerados são geralmente instaurados por indivíduos poderosos, grupos de lobbies, grandes sociedades comerciais e órgãos do Estado contra partes que criticam os demandantes ou comunicam mensagens que não são do seu agrado sobre uma questão de interesse público. Têm por objectivo censurar, intimidar e silenciar aqueles que os criticam, sobrecarregando-os com os custos da defesa de uma acção judicial, até serem obrigados a abandonar as suas críticas ou oposição. Ao contrário das acções normais, as SLAPP não são instauradas com vista a exercer o direito de acesso à justiça e com o objectivo de ganhar o processo judicial ou obter reparação. Em vez disso, são instauradas para intimidar os demandados e esgotar os seus recursos. O objectivo final é alcançar um efeito inibidor, silenciar os demandados e dissuadi-los de prosseguir o seu trabalho.” Este tipo de acções judiciais não configuram qualquer recurso aos tribunais, por parte dos cidadãos, em busca de justiça, mas, tão somente, a utilização da máquina da Justiça para atemorizar, intimidar, desgastar e calar os cidadãos intervenientes na esfera pública, muitas vezes jornalistas, que são incómodos aos “poderosos”. O desgaste económico e pessoal que representa para um cidadão deslocar-se regularmente aos tribunais para responder criminalmente ou civilmente pelas afirmações públicas que faz ao participar na vida pública, nomeadamente as críticas que faz a figuras públicas, é imenso. É natural que as pessoas se cansem e desistam de expressar as suas opiniões controversas publicamente. (Verdade seja dita que, no nosso país, temos muito pouco jornalismo de investigação, sendo muitos dos trabalhos apresentados como investigações jornalísticas meras adaptações ao meio de comunicação social em causa de peças de processos que correm (!) pelos meandros da Justiça). Nesta futura directiva é essencial que seja estabelecido um mecanismo legal que permita, de forma efectiva, que os tribunais rejeitem liminarmente as acções que configurem SLAPP; fala-se na proposta de directiva em acções judiciais manifestamente infundadas, o que pode vir a revelar-se uma exigência excessiva. É, igualmente, necessário que sejam estabelecidas medidas dissuasoras da utilização das SLAPP, nomeadamente prevendo o direito das suas vítimas a serem indemnizadas. O sacrifício de Daphne Anne Caruana Galizia exige firmeza e coragem ao legislador europeu.
Juízas da Comarca da Madeira que usam o SLAPP


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