(SLAPP): strategic lawsuits against public participation:
processos estratégicos contra a participação popular
Daphne Anne Caruana Galizia foi
uma extraordinária jornalista
de investigação, nascida em
1964, que foi assassinada em
2014. Uma bomba colocada no
seu carro pôs termo a uma
corajosa e solitária luta que incomodava
muita gente do poder. Denunciava, em Malta,
casos de corrupção, nepotismo,
branqueamento de capitais e ligações da
máfia a políticos locais.
Apesar das constantes ameaças e dos
sucessivos processos judiciais, o título da
última publicação no seu blogue, antes de ser
morta, dizia: “O vigarista Schembri esteve
hoje no tribunal, alegando que não é um
vigarista”, terminando com a frase “há
vigaristas para onde quer que se olhe agora. A
situação é desesperada” (Keith Schembri era
o chefe de gabinete do primeiro-ministro
maltês Joseph Muscat).
Na altura da sua morte, Daphne Caruana
Galizia enfrentava em tribunal 48 processos
por difamação. Num dos processos, intentado meses antes da sua morte por um banqueiro,
o valor da indemnização pedida era de 40
milhões de dólares. Daphne foi uma das mais
conhecidas vítimas do assédio judicial, já há
muito conhecido em alguns estados
norte-americanos e que tem vindo a proliferar
no continente europeu, Portugal incluído. A
proposta de directiva do Parlamento Europeu
e do Conselho SWD (2022) 117 final é uma
consequência da luta de Daphne e, agora,
falta saber se viremos a ter uma directiva
corajosa e que honre a sua memória ou se
será cobarde e envergonhada.
Na Exposição de Motivos, a proposta de
directiva é muito clara: “Os processos judiciais
manifestamente infundados ou abusivos
contra a participação pública (geralmente
também designados por ‘acções judiciais
estratégicas contra a participação pública’ ou
‘SLAPP’, do inglês strategic lawsuits against
public participation) são um fenómeno
recente, mas cada vez mais generalizado na
União Europeia. Constituem uma forma
particularmente prejudicial de assédio e
intimidação contra as pessoas envolvidas na
protecção do interesse público. Estes
processos judiciais infundados ou exagerados
são geralmente instaurados por indivíduos
poderosos, grupos de lobbies, grandes
sociedades comerciais e órgãos do Estado
contra partes que criticam os demandantes
ou comunicam mensagens que não são do seu
agrado sobre uma questão de interesse
público. Têm por objectivo censurar, intimidar e silenciar aqueles que os criticam,
sobrecarregando-os com os custos da defesa
de uma acção judicial, até serem obrigados a
abandonar as suas críticas ou oposição. Ao
contrário das acções normais, as SLAPP não
são instauradas com vista a exercer o direito
de acesso à justiça e com o objectivo de
ganhar o processo judicial ou obter
reparação. Em vez disso, são instauradas para
intimidar os demandados e esgotar os seus
recursos. O objectivo final é alcançar um
efeito inibidor, silenciar os demandados e
dissuadi-los de prosseguir o seu trabalho.”
Este tipo de acções judiciais não
configuram qualquer recurso aos tribunais,
por parte dos cidadãos, em busca de justiça,
mas, tão somente, a utilização da máquina da
Justiça para atemorizar, intimidar, desgastar e
calar os cidadãos intervenientes na esfera pública, muitas vezes jornalistas, que são
incómodos aos “poderosos”. O desgaste
económico e pessoal que representa para um
cidadão deslocar-se regularmente aos
tribunais para responder criminalmente ou
civilmente pelas afirmações públicas que faz
ao participar na vida pública, nomeadamente
as críticas que faz a figuras públicas, é imenso.
É natural que as pessoas se cansem e desistam
de expressar as suas opiniões controversas
publicamente.
(Verdade seja dita que, no nosso país,
temos muito pouco jornalismo de
investigação, sendo muitos dos trabalhos
apresentados como investigações jornalísticas
meras adaptações ao meio de comunicação
social em causa de peças de processos que
correm (!) pelos meandros da Justiça).
Nesta futura directiva é essencial que seja
estabelecido um mecanismo legal que
permita, de forma efectiva, que os tribunais
rejeitem liminarmente as acções que
configurem SLAPP; fala-se na proposta de
directiva em acções judiciais manifestamente
infundadas, o que pode vir a revelar-se uma
exigência excessiva. É, igualmente, necessário
que sejam estabelecidas medidas dissuasoras
da utilização das SLAPP, nomeadamente
prevendo o direito das suas vítimas a serem
indemnizadas. O sacrifício de Daphne Anne
Caruana Galizia exige firmeza e coragem ao
legislador europeu.
Hacían falta muchas daphnes annas en galicia.....
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