A queda da ditadura e do Império foi lenta. Os anos 1970
do século passado aceleraram o processo e potenciaram
o seu desenlace, numa imparável contagem decrescente.
A
9 de Setembro de 1973, na
Herdade do Sobral, em
Alcáçovas, Ferreira do
Alentejo, decorreu a primeira reunião de capitães
que esteve na origem do
derrube da ditadura. Em África,
Portugal tinha guerra em três frentes e, na mais dura, Guiné, vivia-se
sob o fantasma da Índia: a rendição
a 19 de Setembro de 1961 do governador-general Vassalo e Silva à invasão por tropas da União Indiana de
Goa, Damão e Diu, que levou à sua
expulsão das Forças Armadas e os
seus homens a serem considerados
traidores pelo regime de Lisboa.
“O ano de 1973 foi o pior de todos
da Guerra Colonial na Guiné. Vivemos os três G: Guidaje, Guileje e
Gadamael”, relata ao PÚBLICO o
coronel Jorge Sales Golias, autor de
A Descolonização da Guiné-Bissau e o
Movimento dos Capitães. Entre Abril
e Maio, o então capitão de 32 anos
assistiu a três desastres militares “Em Guidaje, no Norte, na fronteira com o Senegal, houve um cerco
de 53 dias ao quartel do Exército, estiveram envolvidos centenas de
militares, comandos, pára-quedistas,
fuzileiros, milícias e até a companhia
de Cavalaria de Salgueiro Maia que, já finda a comissão, foi enviada para a
frente por mais seis meses”, refere.
Na resistência, contra-ataque e
libertação do cerco também estiveram os Comandos Africanos do major
Almeida Bruno e os homens dirigidos
pelo capitão comando Carlos Matos
Gomes. “O PAIGC tinha tanques,
aviões e os mísseis Strela, o Exército
acabaria por atacar a base no Senegal,
numa batalha quase corpo a corpo”,
continua. Assim se rompeu o cerco.
Foi nos céus de Guidaje que os mísseis soviéticos acabaram com a tradicional supremacia aérea portuguesa,
e abateram os dois primeiros North
American T6 Harvard [aviões a hélice
de fabrico norte-americano], mudando a guerra. “O major Rolando Mantovani foi abatido, um segundo aparelho baixou e foi também abatido”,
descreve. “Mantovani era meu amigo
pessoal, o meu piloto para as operações mais complicadas”, acentua o
engenheiro aeronáutico e major-general José Manuel Costa Neves, então
jovem major de 32 anos. Costa Neves, membro do Conselho
da Revolução “do princípio ao fim”,
explica a situação: “Quando o PAIGC
começou com os mísseis Strela, não
sabíamos como defender-nos, foi feito um estudo da Direcção dos Serviços de Material da Força Aérea e decidido manter os aviões no chão até
haver uma resposta, o estudo durou
relativamente pouco tempo, alguns
meses.” A Força Aérea utilizava os T6
Harvard, não podia recorrer aos jactos F-86 afectos à NATO, não autorizados a participar na guerra, e os FIAT
G-91. “Tínhamos aviões relativamente antigos, de outras guerras” (II Guerra Mundial).
A solução para escapar à perseguição dos mísseis guiados por infravermelhos atraídos pelas fontes de calor
— os motores — era fazer manobras
bruscas e evasivas. “Na Guiné, os próprios pilotos aviadores começaram a
saber quais eram as zonas perigosas”,
reconhece.
Dias depois do ataque, no Norte, a
acção da guerrilha, numa clássica
operação de tenaz, passou para o
lado oposto, o Sul: o alvo era Guileje.
“Estava no corredor de abastecimento do PAIGC, cujas tropas na zona eram comandadas por Nino Vieira
[que viria a ser Presidente da República da Guiné-Bissau em dois mandatos]. Foram meses de ataques e
bombardeamentos, os nossos militares viviam em buracos”, precisa o
coronel Sales Golias.
“O major Coutinho e Lima, que
comandava a nossa tropa em Guileje,
a 22 de Maio decidiu retirar sem autorização superior e, sem comunicações por o posto de transmissões ter sido
destruído, ignorou-se o seu paradeiro
durante algum tempo até ser localizado por pára-quedistas”, refere.
“Em Bissau, Spínola [governador e
comandante-chefe das Forças Armadas na Guiné] retirou o comando ao
major, mandou-lhe instaurar um processo judicial de que resultou uma
pena de prisão de um ano, da qual
Coutinho e Lima apenas se livrou após
o 25 de Abril de 1974, com o arquivamento do processo”, recorda.
“O alferes miliciano José Barros
Moura [viria a ser deputado do PCP e
eurodeputado do PS], que integrou a
equipa de defesa do major, foi castigado e colocado no mato, em Ingoré,
onde o MFA [Movimento das Forças
Armadas] o foi buscar após o 25 de
Abril”, assinala.
A situação militar na Guiné culmina, há 50 anos, com o abandono de
Gadamael, zona onde, a 24 de Setembro de 1973, o PAIGC decretaria unilateralmente a independência. “É
considerada a maior débâcle do Exército português: mais de 100 homens
abandonaram o quartel”, enumera.
“Vinha-nos à memória a imagem do
abandono da Índia”, diz Sales Golias. Em escassos meses, a situação degrada-se: “A ordem era aguentar posições no terreno sem entrar em combate. Perdemos a iniciativa, entrou-se
numa certa entente, não atacávamos
para não sermos atacados...”
Em Outubro, as Nações Unidas
aprovam uma resolução que insta
Portugal a abandonar o território, e
as tropas portuguesas passam a ser
consideradas invasoras. “António de
Spínola, através de Léopold Senghor
[Presidente do Senegal], contacta o
PAIGC, mas Marcello Caetano desautoriza-o”, salienta. “Prefiro um desastre militar na Guiné a negociar seja
com quem for”, terá dito o Presidente do Conselho. Spínola é substituído
pelo general Bettencourt Rodrigues,
que na carta de comando tinha como
ordem um significativo resistir até à
exaustão dos meios.
“Quando começaram a deitar abaixo os aviões com os mísseis e bombardeavam os nossos quartéis com artilharia a partir do Senegal e da Guiné Conacri, Costa Gomes, que era chefe
do Estado-Maior General das Forças
Armadas, recomendou o recuo”, anota o almirante Martins Guerreiro,
antigo conselheiro da Revolução. Então com 32 anos e primeiro-tenente engenheiro construtor naval, assegura que na Guiné se vivia uma síndrome histórica: “Os militares não
aceitavam uma nova Índia [com a sua
culpabilização pela derrota] e Marcello Caetano preferia perder a negociar,
tornando os militares em bode expiatório.”
Independência branca.
A situação militar nas colónias não
autorizava o propósito do 1.º Congresso dos Combatentes do Ultramar,
realizado no Porto, de 1 a 3 de Junho.
Os “ultras” defendiam uma solução
militar para a guerra e queriam que
Marcello se comprometesse com a
continuação das hostilidades.
“Desde o tempo de Humberto Delgado, [eu] estava nas fileiras da oposição e sentia que a contestação ao
Congresso dos Combatentes podia
ser aproveitada. Envolvi-me com Carlos Fabião e Firmino Miguel na recolha de assinaturas contra o congresso”, relata o general Pezarat Correia,
então major de 41 anos em missão no
Luso, Angola.
“Na Guiné, a guerra estava perdida”, sentencia. “Em Angola, estava
mais controlada. Angola era a jóia da
coroa do Império, a colónia mais rica,
com maior ocupação do interior e um
maior número de colonos”, prossegue. Autor de … Da Descolonização.
Do Protonacionalismo ao Pós-colonialismo, a sua tese de doutoramento em
Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, Pezarat Correia,
também ele membro do Conselho da
Revolução, fez um total de seis missões em Angola, Guiné, Moçambique
e Índia.
Explicita as peculiaridades angolanas: “Em Angola, existiam três movimentos de libertação em confronto e
guerra civil entre si”, recorda. “Os
vizinhos de Angola, África do Sul,
Zâmbia e Zaire, eram favoráveis a
Portugal; em Cabinda, a República
Popular do Congo apoiava o MPLA,
mas a principal zona de combate era
a frente Leste, onde a UNITA se uniu
a Portugal para combater o MPLA”,
destaca.
E continua o balanço da especificidade angolana: “Portugal não estava
na iminência de perder a guerra, mas
também não estava na iminência de
a ganhar, porque os movimentos de
libertação estavam presentes no terreno e, nas vésperas do 25 de Abril, a
UNITA rompeu o acordo com Portugal assinado com Bettencourt Rodrigues [comandante da Zona Militar
Leste de Angola de 1971 a 73].”
Do ponto de vista militar, Angola
tinha uma situação própria, que a
distinguia das outras colónias: “50%
do Exército era de forças de recrutamento local, a serem somados aos 30
mil mobilizados na metrópole.”
A geopolítica ditava, ainda, outras
consequências. “Os Estados Unidos
apoiavam a África do Sul, que, tal
como a Rodésia, queria captar Angola e Moçambique para o projecto Alcora de independências brancas
naquelas duas ex-colónias, a que
Marcello Caetano aderiu”, anota.
“Para Agosto de 1974, estava prevista a apresentação pelo governador geral de Angola, Santos e Castro, da
declaração de uma independência
branca”, garante Pezarat Correia.
“PIDE em maus lençóis”
“Moçambique não estava tão mal
como a Guiné”, admite Costa Neves,
de 1967 a 70 no território. “Utilizando os termos da época, Moçambique foi a província que mais tarde
sentiu os efeitos da guerra, aliás, em
Moçambique os militares recebiam
menos do que os que estavam em
missão na Guiné ou Angola”, destaca.
Pezarat Correia explica que, em
1973, a situação não era tranquilizadora para o quartel-general da então
capital, Lourenço Marques: “Não
estava tão mal como na Guiné, mas
para lá andava. Estava mal a norte,
em Niassa e Cabo Delgado, e muito
mal em Tete.”
O ano de 1973 foi de catadupa de
acontecimentos. Em Julho e Agosto,
Marcello Caetano, empenhado em
não ceder em África, aprovou dois
decretos-leis que tiveram um duplo
efeito: de bumerangue e potenciador do descontentamento militar.
Para responder às necessidades da
Guerra Colonial, o quadro de oficiais milicianos poderia ultrapassar
o dos oficiais com formação de quatro anos.
“Em Setembro, vou passar uns
dias de férias a Luanda e apercebo-me que a 16 vai haver uma reunião
de capitães no Hotel Continental e,
apesar de ser major, compareci”,
recorda Pezarat Correia: “Na parte final disse-lhes que os militares estavam a ser desprestigiados por serem
vistos como suportes do regime e se
não nos demarcássemos não recuperávamos o prestígio. Fui aplaudido.”
“Na Guiné, o movimento dos
capitães começou pela constituição
de um grupo, eu, o Matos Gomes e
o jornalista e oÆcial miliciano José
Manuel Barroso”, lembra o coronel
Sales Golias. Na metrópole, multiplicavam-se os contactos que levaram à reunião de Alcáçovas, apesar
da polícia política.
“A PIDE não actuou porque tinha
ligações com o Exército, era mesmo
a polícia de informações militares,
e assim se manteve em África após
o 25 de Abril”, explica Martins Guerreiro: “A PIDE, directa e indirectamente, tinha ligações com Spínola
e Costa Gomes, a PIDE considerava,
de boa fonte, que ia continuar. Aliás,
Spínola tentou criar um novo serviço com base na PIDE”, insiste.
O que não aconteceu. “Quando
apareceu o programa político de
Melo Antunes, a coisa mudou, desviou-se da linha de Spínola. A partir
daí, a PIDE ficou em maus lençóis”,
conclui.
Morador do Seixal usou forno solar para cozinhar refeição
ResponderEliminarhttps://www.dnoticias.pt/2023/10/6/378081-morador-do-seixal-usou-forno-solar-cozinhar-refeicao/
29 de outubro de 2023 às 02h atrasar o relógio para 01h em Portugal Continental e na Madeira.
ResponderEliminarLá se foi a ditadura que o Mira, tanto gosta e faz dele a sua missão de vida.
ResponderEliminarA boa notícia é que na sua terra Natal, ela impera com força.
Vá coragem.
Madeirenses, hoje começo de fim de semana, vamos mas é aproveitar com os nossos, mais um fim de semana que promete ser muito quente, viver e ser feliz, nada de frustrações, de pessoas tóxicas.
ResponderEliminarNem sempre é fácil, mas somos um povo gigante, orgulhoso, não estão a morrer milhares de pessoas por mês, ou já não haviam pessoas na Madeira
Não liguem jamais a disparates.
Vamos, meu povo. Alegria.
Gigantes na pobreza extrema. Tenha lá juízo, parasita.
EliminarQuer no ensinar a roubar?
EliminarÉ isso?
Ou ainda, quer nos roubar mais?
Olhe, pequenino, é o que você é, pequenino..
Que a sua morte seja lenta e muito dolorosa e dure meses, abandonado numa cama psiquiatrica.
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