sexta-feira, 1 de julho de 2016
Artigo de opinião do Comendador Dr. Rui Nepomuceno sobre o EURO
O garrote do Euro e da dívida pública numa economia estagnada
Comendador Rui Nepomuceno
1- Para projetar o crescimento e o desenvolvimento, todas as economias soberanas precisam da dívida pública, pois necessitam gerir as suas despesas e investimentos em função da respetiva situação económica, que muitas vezes exige ou aconselha o recurso ao deficit.
Porém, na conjuntura atual da sociedade portuguesa ancorada ao colete-de-forças do euro, a divida pública é um constrangimento, porque Portugal não controla nem a gestão, nem a emissão da dívida, em virtude de não possuir os necessários instrumentos da soberania monetária e financeira, pois não tem um Banco Central emissor, nem dirige os mercados de financiamento da divida, nem as taxas de juros e de câmbio, assim como também não possuímos as ferramentas financeiras essenciais para desencadear de forma soberana os caminhos do desenvolvimento.
Na verdade, desde que, em 1999, Portugal entrou cegamente na Zona Euro, além de passar a estar endividado numa moeda de que não tem o mínimo controlo político, quem controla e administra todas as variáveis monetárias é o «Banco Central Europeu», cujo poder é exercido em articulação com os poderosos mercados financeiros internacionais e as agências de rating da sua confiança; situação que nos cria fortes embaraços, pois só formalmente somos detentores da soberania.
De modo que do ponto de vista financeiro, Portugal depende exclusivamente ou do financiamento pelos poderosos mercados privados internacionais que não administra, ou de operações do «Banco Central Europeu» que não controlamos, ou então, como aconteceu com a famigerada troyka, através dum «Programa de Assistência Financeira» levianamente aceite pelo PS de Sócrates e por toda a direita, no qual nos foram impostas como contrapartida pesadas doses de austeridade sobre austeridade, geradoras de graves consequências económicas e sociais.
De tudo isto resultou que, presentemente, suportamos uma monstruosa dívida pública, superior 130% do Produto Interno Bruto (PIB), que quanto às taxas de juro e de câmbio depende somente das resoluções do «Banco Central Europeu», e quanto ao financiamento sujeita-se às decisões tomadas pelos especuladores privados que gozam da confiança desse Banco.
A situação apenas não atingiu o colapso porque, em 2012, com o fim de salvar o Euro, o «Banco Central Europeu» foi forçado a tomar algumas rigorosas medidas. de caracter provisório e temporário, para reduzir, substancialmente, as taxas de juro e aumentar os prazos de pagamento; medidas que apesar de passageiras, nem resolveram a crise económica que continua bastante grave, e também não impediram a dívida pública de continuar a crescer.
2- Na verdade, em 1999, quando Portugal entrou na Zona Euro tinha uma dívida pública que representava 50% do PIB, a qual nas vésperas da crise internacional de 2007 já estava na ordem dos 68% do PIB. O deficite continuou a crescer e, em 2011, quando o PS de Sócrates e toda a direita subscreveram o famigerado «Programa de Assistência Financeira» a dívida já ultrapassava os 100% do PIB, e apesar das contínuas medidas de austeridade e do corte de salários e pensões já atingia, em 2015, a monstruosidade de 130,6% do Produto Interno Bruto.
3- Por outro lado, a economia portuguesa está praticamente estagnada há mais de 15 anos, e os défices públicos que são uma das variáveis que explicam o crescimento da dívida, são um reflexo dessa estagnação da economia.
E tentar reduzir esse deficite através de continuadas medidas de austeridade, como tem acontecido com as políticas neoliberais impostas e seguidas pela Europa e pela direita portuguesa, tem causado um impacto negativo na economia e na criação da riqueza, ou seja no Produto Interno Bruto, contribuindo, perversamente, para o aumento do peso da dívida num PIB cada vez mais reduzido por efeito dessas políticas de austeridade.
De modo que, uma grande parte do crescimento da dívida deve-se á medíocre performance da economia, e ao chamado efeito da «bola de neve», ou seja ao facto de havendo um determinado stock de dívida, o seu crescimento é determinado sobretudo pela diferença entre o que prestamos de juros e o que a nossa economia cresce; e como tal, se a taxa de juros que pagamos é superior à taxa de crescimento da economia, então o peso da dívida pública no PIB, cresce como uma bola de neve.
4- Ora, a partir da crise de 2007, a estagnação e os desequilíbrios da nossa economia, foram «punidos» pelos agiotas dos mercados financiadores, com a aplicação de pesadíssimas taxas de juro, determinando uma crescente divida pública e privada.
E deste modo, a economia portuguesa combinou uma má performance e uma quebra da capacidade produtiva, com uma forte acumulação do endividamento externo, geradora de taxas de juros que até 2012 representavam o dobro das existentes antes da nossa adesão ao euro; tudo refletindo-se, negativamente, no estado de bem-estar social e no aumento do desemprego, da pobreza e da precariedade.
E como uma parte crescente dessa dívida pública está na mão de especuladores internacionais, o pagamento do serviço da dívida representa um grande arremesso de rendimentos do País para o exterior, causando uma cada vez maior dependência económica, financeira e obviamente política de Portugal.
5- Apesar de todo este panorama, em 2014, o inefável Cavaco Silva sossegou toda a direita e os europeístas do PS, declarando que Portugal «aguenta aguenta» a austeridade, e se crescer a um índice de 4% ao ano, com taxas de juro de 4%, e com um défice inferior a 3%, chegaria a 2035 com uma dívida pública que apenas representaria 60% do PIB.
Ora estas estimativas de Cavaco Silva e doutros neoliberais mais não são do que um mito para enganar os portugueses, pois taxas de crescimento anual de 4% nunca se viram há mais de 15 anos, taxas de juro de 4% apenas se deve a uma temporária e provisória exceção decretada em 2012 pelo «Banco Central Europeu», e défices inferiores a 3% só uma vez Portugal conheceu, e isso foi na década de 90.
De resto, essas irrealistas variáveis descritas pelo inefável Cavaco e quejandos, nem são geridas por Portugal, pois como vimos, o nosso País não detém soberania monetária e financeira, nem instrumentos soberanos para impor taxas de juro e prazos de pagamento favoráveis ao desenvolvimento da nossa economia.
Contudo, podemos constatar que em resultado da provisória redução das taxas de juro por efeito da temporária decisão do «Banco Central Europeu», a dívida pública portuguesa tem sido fortuitamente reestruturada, facto que tem permitido, temporariamente, ir gerindo uma dívida pública que apesar de tudo, em 2015, já representava a monstruosidade de 130,6 % do PIB.
Porém esta situação é meramente conjuntural, até porque é cada vez mais forte a crise que ameaça a Zona Euro, assim como as ameaças de saída e de rejeição da maioria dos povos ao modelo ditatorial e anti-social que tem sido implementado, e se acontecerem situações de rutura e de colapso como se antevê, estas afetarão de forma dramática os elos mais fracos da Zona Euro, como são Portugal e outros países do Sul.
Como tal, todas as previsões de redução da dívida assentes nas mitológicas previsões de Cavaco Silva e da direita neoliberal, além de muito frágeis e inviáveis, são incertas, pois basta a recente saída da Inglaterra e os efeitos de dominó que se advinham, a redução do crescimento que se prevê, e um ligeiro aumento das taxas de juro, para que a trajetória descendente provisoriamente concedida pelo «Banco Central Europeu» tornar-se de novo ascendente, o que será dramático e explosivo para quem suporta uma dívida superior a 130% do PIB.
5- Resulta de tudo isto, que até como recentemente reconheceu o próprio FMI, há que se encarar a urgente reestruturação da dívida numa proposta que envolva uma substancial e definitiva redução dos juros, o alargamento dos prazos de pagamento e uma indispensável diminuição do capital em dívida, que acabe duma vez por toda com a constante ditadura dos agiotas e dos seus mercados.
Mas, como sempre temos escrito isso não basta. É preciso também que o nosso País seja soberano e possua os instrumentos da política monetária e financeira, adequados a administrar a sua real situação económica e o seu concreto nível de desenvolvimento.
Para construir um Portugal livre e desenvolvido, além de reestruturar a dívida pública, e resolver a fraudulenta crise financeira com a nacionalização duma parte substancial da Banca; é fundamental negociar a obtenção duma moeda própria soberana e livrar-nos do colete-de-forças do euro, que é uma moeda que não serve os nossos interesses., e que pelas suas características nunca servirá no futuro, pois desde a sua entrada em vigor só nos tem arrastado para a dependência e para o abismo.
(publicado no Funchal/Notícias)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Mensagem mais recente
Mensagem antiga
Página inicial
Ver a versão para telemóvel
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário