Por Modesto Navarro
Era um homem sereno, firme na sua opção de classe pelos trabalhadores
Antes da revolução de 25 de Abril de 1974 tive a possibilidade de conhecer Rogério Paulo como resistente ao fascismo e um corajoso apoiante da revolução cubana, o que então não era fácil. Escreveu sobre Cuba para entendermos melhor essa muito especial vida revolucionária de Fidel e do seu povo. Foi solidário participante em iniciativas realizadas em Portugal e noutros países, entre gente ansiosa por acompanhar o que se tornava valioso no contexto mundial do socialismo e da luta pela sociedade comunista libertadora dos povos.
Era um homem sereno, firme na sua opção de classe pelos trabalhadores, pelos mais explorados e desfavorecidos. Como actor e encenador, nas reuniões e sessões, na vida pública, lutava para abrir caminhos contra o obscurantismo ainda reinante. Na célula de teatro do PCP a que pertencia, no sector intelectual da ORL, com Fernanda Alves, Mário Pereira, António Rama, António Anjos, Helena Ramos, Fernanda Montemor, Manuel Mendonça e tantos outros camaradas, analisavam o que deveriam defender e propor nos teatros de Lisboa e no Teatro Nacional Dona Maria II, na Comissão de Trabalhadores, nos plenários voltados para a melhoria das condições de trabalho e salários, de programas que respondessem aos espectadores exigentes e empenhados na liberdade e na democracia.
Nos caminhos abertos à unidade com os trabalhadores de teatro e da cultura foi criada a proposta de integrar o teatro na Festa do Avante!, que resultou nesse trabalho que continua todos os anos, levando a quem vem de longe, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Algarve ou do Alentejo, as peças que se sucedem nos três dias da Festa, para que muita gente que não tem teatro nas suas terras possa ficar com marcas positivas de sonho e de vontade de rasgar horizontes.
É isso o teatro, a cultura que não é mercantilizada e esvaziada de conteúdo.
No Intervalo – Grupo de Teatro, em Linda-a-Velha, no dia 10 de Outubro realizou-se uma sessão que assinalou o 90.º aniversário do nascimento de Rogério Paulo, numa lembrança tão simples e tão profunda como ele era. Nessa iniciativa amiga e solidária ficámos mais fortes para lutar, para afirmarmos que as dificuldades de hoje exigem a nossa entrega e generosidade, para vencermos entraves, para combatermos a pobreza que continua a instalar-se no País, na ausência de condições dignas nas frentes fundamentais da nossa vida.
Há um projecto de transformação da sociedade portuguesa a que Rogério Paulo dedicou a sua vida e a sua coragem. No PCP, nesta força política a que ele pertenceu e pertence, pelo trabalho e pela memória, pôde cooperar determinadamente na Revolução de Abril, no fim da guerra colonial e na independência das colónias, na conquista da liberdade, da democracia, da reforma agrária, dos direitos laborais, do poder local democrático, no desenvolvimento integrado da vida económica, social e cultural que defendemos.
Rogério Paulo participou na situação clandestina em que se realizou a fuga da Fortaleza de Peniche, com Álvaro Cunhal e outros camaradas a regressarem decisivamente à organização da resistência e do combate ao fascismo, à preparação do que foi a Revolução de Abril, na luta pela libertação e afirmação do nosso País, pela justiça social e pelo futuro mais livre e democrático.
Com rigor, paciência e empenho, Rogério Paulo foi um camarada que nos afirmou a ética, a vontade de unir esforços e de sermos amigos dos nossos amigos e companheiros. Para isso cá estamos a organizar, a juntar forças, para darmos novos passos em frente, abrindo caminho à vontade de fazer cultura, de ter inteligência e força para construir o país e o mundo de paz, de justiça e desenvolvimento de que muito precisamos.
Publicado no Avante de 19 de Outubro de 2017
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