1. A aprovação pela Assembleia da República, no dia 8 de Abril, da chamada «Carta de Direitos Humanos na Era Digital» é um dos mais graves incidentes na relação do regime com as liberdades de imprensa e de informação, em particular com esse átrio único de liberdade que é o digital.
2. No artigo 6.º da Carta, o Estado atribuiu-se o poder de «proteger a sociedade» – expressão de reminiscência curiosa – suprimindo as narrativas que considerar «falsas e enganadoras».
3. Apesar do bonito minuto consagrado pelo deputado João Cotrim de Figueiredo a denunciar o dislate, nem ele, nem os que não votaram a favor, votaram contra a aprovação, como seria exigido pela coragem e pela rectidão de princípios.
4. A Carta, sob pretexto de concretizar nacionalmente o «Plano Europeu de Combate à Desinformação», vai muito além dele, omitindo a referência a limites importantes, como a exclusão do âmbito do Plano Europeu das «notícias e comentários claramente identificados como partidários», e transformando aquilo que foi pensado, originalmente, como uma acção relacionada com a segurança da União face a agentes desestabilizadores externos, numa permissão muito mais abrangente para fiscalizar e coarctar actividades noticiosas internas.
5. Nos conceitos de «desinformação» e «narrativa comprovadamente falsa e enganadora» cabem o mundo. Em norma que atribui ao Estado poderes para a supressão de conteúdos com o fim de «proteger a sociedade», a indefinição conceptual é, do ponto de vista jurídico, extremamente preocupante. O conceito central da norma, o de «narrativa», suscita as maiores dúvidas.
6. Com efeito, a versão oficial do Plano Europeu em língua portuguesa usa principalmente o conceito de «informação» na definição do seu escopo. A Carta, sem que se perceba a razão, substituiu-o pelo conceito de «narrativa», i.e., «narrativa comprovadamente falsa e enganadora». Sendo o conceito de «narrativa» muito mais abrangente, uma vez que pressupõe a articulação de proposições segundo uma certa ordem de sentido, traduzindo uma apreciação particular do encadeamento de factos, será correspondentemente maior a esfera de fiscalização do discurso pelo Estado.
7. O objecto próprio da verdade e da falsidade são as proposições, não as «narrativas». Do mesmo conjunto de proposições (factos) verdadeiras, podem gerar-se diferentes narrativas. De conjuntos distintos de proposições, todas elas verdadeiras, geram-se evidentemente diferentes narrativas. Do que falar, como falar, o que omitir, o tom e a ênfase com que se fala são as escolhas que determinam distintas narrativas, sem que para tanto seja necessário usar de informações falsas. Simplesmente, a resposta a estas perguntas, e as narrativas consequentes, são produto dos interesses ou valores filosóficos prévios do «narrador». Por isso, não há, em relação ao todo narrativo propriamente verdade; pode e deve haver é rigor no tratamento das fontes e na emissão dos juízos.
8. Assim, o conceito de narrativa falsa e enganadora é, no limite, contraditório e, para efeitos práticos, e pelas razões que enunciei, uma porta para condicionar a própria liberdade de pensamento ou de concepção filosófica, ou pelo menos da sua expressão, uma vez que, quase universalmente, os portadores de uma certa narrativa tendem a considerar as demais narrativas «falsas» e «enganadoras».
9. O parecer da Associação Portuguesa de Imprensa tocou, superficialmente, nesta nefasta confusão de conceitos de «informação», «notícia» e «narrativa», alertando, coerentemente, para o perigo da fiscalização vir a assumir «contornos censórios».
10. É grave, e lamento que não tenha havido na Assembleia da República quem se tenha dignado a votar contra esta exorbitação do poder do Estado para controlo dos discursos nos átrios públicos, sempre em nome, como sempre e como dantes, de «proteger a sociedade».
https://noticiasviriato.pt/a-pretexto-da-desinformacao-porta-aberta-a-censura/
No dia 8 de Maio de 2021, foi promulgada pelo Presidente da República a “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” que estabelece um novo Direito de “protecção contra a desinformação”, e que institucionaliza e legaliza a censura, através de uma Entidade Reguladora e não dos Tribunais, de pessoas singulares ou colectivas que “produzam, reproduzam ou difundam” narrativas consideradas pelo Estado como “desinformação”. Juntamente com esta medida, o Estado irá “apoiar a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social” e “incentivar a atribuição de selos de qualidade” à imprensa considerada “fidedigna”.
O artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” vem no seguimento do Plano Europeu de Acção contra a Desinformação, e introduz na lei Portuguesa uma definição oficial de “desinformação” (que não existia anteriormente):
“Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”, ponto do 2 do Artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital”.
“Ameaça aos bens públicos” é descrito no Plano Europeu de Acção contra a Desinformação como narrativas falsas em questões, entre outras, de “saúde, meio ambiente ou segurança”.
Excerto do Artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital“
De acordo com o diploma promulgado em Maio, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) irá ter o poder para apreciar e julgar queixas contra as pessoas singulares e colectivas que propaguem narrativas falsas nas redes sociais e todas as plataformas digitais, mas sem especificar quais são as possíveis condenações.
No dia 21 de Outubro de 2020, a ERC emitiu um parecer legislativo às propostas do PS e do PAN onde avisou sobre a “limitação desproporcionada e injustificada da liberdade de expressão” e questionou sobre os “critérios” para o “fact-checking”.
A Associação Portuguesa de Imprensa apresentou as suas dúvidas num parecer às propostas dos dois partidos devido à atribuição de competências à ERC “que estão fora da sua especialidade” e à implementação de práticas que “poderão assumir contornos censórios“. Outras entidades como o Conselho Superior de Magistratura, a DECO, a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior do Ministério Público não apresentaram quaisquer reservas às limitações da liberdade de expressão.
O Sindicato dos Jornalistas apresentou um contributo para a proposta do PAN, dizendo que a protecção contra a desinformação era “parca”, defendendo que os órgãos de comunicação social também deviam estar subordinados a esta lei, incluindo a tutela da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ). A proposta foi acolhida no diploma final da Carta, estando os órgãos de comunicação social abrangidos nas “pessoas singulares ou colectivas”, excepto a parte da tutela pela CCPJ.
Ponto 6 do Artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital“
No final do Artigo 6º é descrito que o Estado irá “apoiar a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social” e “incentivar a atribuição de selos de qualidade” à imprensa considerada “fidedigna”.
A “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” foi aprovada no Parlamento, no dia 8 de Abril de 2021, com os votos a favor do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal, e resulta da junção de dois projectos de lei do PS e do PAN.
A Constituição da República Portuguesa garante nos artigos 37º e 38º a Liberdade de Expressão e de Imprensa, não podendo ser limitados por “qualquer tipo ou forma de censura” e assegurando a “liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político”.
Director do jornal online Notícias Viriato, António Abreu. (Ver FONTE)
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Der_St%C3%BCrmer
ResponderEliminarA propósito de idiotas
ResponderEliminarQue tal ler um livro...
ResponderEliminarO José Manuel Coelho a defender o site de notícias de extrema direita Notícias Viriato. Para esclarecer o que está em causa, leia-se: "À exceção de entrevistas de produção própria a pessoas maioritariamente conotadas com a direita conservadora e nacionalista (e mesmo com a extrema-direita) - André Ventura, deputado e líder do Chega, o líder do PNR José Pinto Coelho, Pedro Tinoco de Faria (um tenente coronel reformado que diz ""Há Mais Razões Para Fazer Um Golpe de Estado Agora do que no 25 de Abril"), o padre Gonçalo Portocarrero de Almada, Manuel Matias, presidente do Partido Pró-vida, o presidente da Associação Portugueses Primeiro e o presidente da Nova Portugalidade -, e artigos de opinião da mesma área política, o NV (Notícias Viriato) só publica, na análise do Medialab, "traduções/adaptações de artigos de outras fontes, por vezes órgãos de comunicação social reconhecidos, outra vezes websites com pendor nacionalista e/ou de extrema direita."
ResponderEliminar