Ex-PGR diz que decisão instrutória do processo Operação Marquês colocou em causa imagem da justiça
A ex-procuradora-geral da República (PGR) Joana Marques Vidal considerou, sobre o processo Operação Marquês, que “a perceção da opinião pública é que a decisão (instrutória) colocou em causa o prestígio e o funcionamento do sistema judicial”.
Esta ideia foi manifestada por Joana Marques Vidal em entrevista publicada hoje pelo jornal Observador, numa altura em que a antiga PGR cessa funções no Ministério Público (MP), onde exerceu a sua carreira durante mais de 40 anos, tendo nos últimos tempos sido procuradora-geral-adjunta junto do Tribunal Constitucional.
Questionada sobre o alegado sentimento negativo gerado na opinião pública pela decisão sobre a Operação Marquês, Joana Marques Vidal contrapôs que "é importante que se faça alguma reflexão sobre esse tipo de perceções".
"Em primeiro lugar, porque há muitas que não correspondem à verdade. Diz-se, por exemplo, que nada mudou desde o 25 de Abril sobre a morosidade da Justiça e que estamos pior do que estávamos antes. Se nos sentarmos e analisarmos com racionalidade, percebemos que isso não é verdade. Mas esta perceção existe. O que nos remete para a necessidade de a Justiça comunicar melhor. Por outro lado, a forma como a opinião pública reagiu [à decisão da Operação Marquês] foi muito negativa", comentou.
Segundo a ex-PGR, a opinião pública "não compreendeu a decisão", precisando: "Não a compreendeu — o que, temos que admitir, acentuou a desconfiança. Esta reação de incompreensão deve levar-nos a uma reflexão sobre a comunicação da nossa atividade e até sobre o funcionamento do sistema judicial. Ao mesmo tempo também colocou a Justiça na ordem do dia — pelas piores razões, diria eu".
Perante o facto de, também no âmbito deste processo, terem sido feitas críticas a vários setores da justiça, Joana Marques Vidal replicou que "encontrar culpados é uma tendência" que existe, mas que isso está arredado das suas preocupações.
"Há quem diga que a culpa é do Ministério Público (MP), outros dizem que é dos tribunais. O que importa é a realidade: a perceção da opinião pública é que a decisão colocou em causa o prestígio e a compreensão sobre o funcionamento de todo o sistema judicial", frisou.
Tendo a Operação Marquês nascido durante o seu mandato como procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal não se quis alongar em comentários sobre as vicissitudes do processo, partilhando da ideia da atual PGR, Lucília Gago, de que há que "ter serenidade" para aguardar que o sistema judicial funcione na análise dos sucessivos recursos para o Tribunal Relação de Lisboa.
A ex-PGR entendeu ainda ser "razoável" que o inquérito do processo Operação Marquês, cuja titularidade pertence ao MP, tivesse demorado quatro anos, dada a complexidade do processo. Quanto aos três anos que durou a fase de instrução, dirigida pelo juiz Ivo Rosa, não se quis pronunciar, mas alertou para algumas situações.
"Não me quero pronunciar sobre isso. Só quero chamar a atenção que a situação da morosidade tem de ser analisada de forma global. Veio na comunicação social que, entre a acusação e o início das diligências na instrução, passaram-se dois anos. Não estou com isto a acusar os senhores funcionários. Estou a dizer que a Justiça tem de ter recursos e meios para se fazer mais rápido e melhor. É muito pouco razoável que os atos de secretaria demorem metade do tempo que demorou a investigação de um caso com estas características de complexidade", disse.
A ex-PGR opinou que a questão dos megaprocessos tem sido apresentada e criticada de "uma forma demagógica porque acabar com os megaprocessos parece ser a solução para todos os problemas — mas, na realidade, "não é".
"Haverá sempre processos que, pela complexidade e prolongamento no tempo dos factos subjacentes, terão sempre uma dimensão acima da média. Outra questão é a forma como os tribunais julgam e investigam este tipo de processos altamente complexos. É fundamental que os juízes tenham peritos como assessores durante a fase de julgamento para entenderem todos os mecanismos, nomeadamente os circuitos financeiros, que fazem parte dos autos", propôs.
Quanto à estratégia nacional anticorrupção proposta pelo Governo, a ex-PGR diz apoiar as medidas da justiça negociada, o alargamento das penas acessórias para titulares de cargos políticos e a manutenção do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC)— mas criticou omissões relevantes na área da prevenção.
Na entrevista ao Observador, Joana Marques Vidal propõe uma medida que o Governo recusou: a criação de um tribunal de julgamento com competência especializada para a criminalidade mais complexa, como corrupção e crimes conexos mas também desvios de fundos europeus, terrorismo, tráfico de pessoas, entre outros.
"Não seria um tribunal especializado para uma categoria de crime mas sim um tribunal de competência territorial alargada que julgaria os crimes investigados pelo Departamento Central de Instrução Criminal. “Este tribunal não é inconstitucional”, sustentou.
Os riscos de corrupção nas autarquias e o financiamento partidário ilícito foram outros temas abordados na entrevista pela ex-PGR, que não foi reconduzida no cargo, após um mandato em que o MP investigou o caso BES/GES, Operação Marquês e o caso de Tancos, entre muitos outros casos sensíveis.
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