Gastaram o dinheiro à balda e nós pagamos
Escrever direito:
Estou absolutamente convencido
que se encontram, neste
momento, nas prisões
portuguesas, a cumprir pesadas
penas de prisão por homicídio ou
roubo, cidadãos muito mais
sérios, honestos e humanos no que toca aos
sentimentos que nutrem pelos seus
concidadãos do que alguns dos personagens
que têm vindo a depor na Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Novo
Banco.
Estou mesmo convencido que, em
termos da chamada “educação para o
direito” e da possibilidade de recuperação
para uma vida decente em sociedade,
haverá uma maior percentagem de casos
perdidos e de irrecuperáveis nestes
supostos empresários — empresários são
aqueles que criam riqueza e não os que a
destroem —, especuladores e financeiros
do que naqueles que, muitas vezes na
miséria das suas vidas, deram um passo em falso e se encontram atrás das grades.
O depoimento do empresário Luís Filipe
Vieira, com uma dívida ao Novo Banco das
suas empresas na ordem dos 400 milhões de
euros, pela sua indigência e pela revelação
dos mecanismos do poder dos bancos no
nosso país, foi profundamente confrangedor
e perturbante. Como aqui escreveu Mariana
Mortágua, “Luís Filipe Vieira escapou
sempre, entre reestruturações e favores, à
convocação de um património que, sendo
seu, no fundo, nunca lhe pertenceu. O
próprio garante que o banco nunca quis
avaliá-lo, mas que detém muito mais do que a
‘casa para palheiro’ que lhe é atribuída como
única propriedade nos documentos da
Comissão de Acompanhamento do Novo
Banco. Vieira não é único, mas é um retrato
acabado de uma economia ao serviço dos
bancos e seus satélites”, ou ainda, também
nas páginas deste jornal, João Miguel Tavares:
“Nesse depoimento demonstrou, para além
de qualquer dúvida razoável, que o Benfica é
a porta giratória por onde circulam os seus
negócios, os seus amigos, os seus sócios, o seu
crédito, os seus favores, a reestruturação das
suas dúvidas e, sobretudo, o seu poder.”
Igualmente perturbantes foram os
depoimentos do empresário Moniz da Maia e
de Nuno Vasconcelos. O primeiro será que é o
imbecil que pretendeu parecer quando (não)
respondeu na Assembleia da República aos
deputados? Parece-me que não: Deve ter-se ficado a rir com os seus cúmplices e
assessores depois da “excelente” prestação
que foi o seu depoimento. Não lhe
arrancaram nada!
O depoimento de Nuno Vasconcelos, pelo
seu lado, foi repugnante. A arrogância e a
petulância desta lamentável personagem
levaram a que, num gesto inaudito, o
presidente da CPI desse por findo o seu
depoimento.
Não é possível nesta crónica,
mesmo de forma resumida, contar o que foi a
sinistra odisseia e meteórica ascensão da
Ongoing que criou com o seu sócio Rafael
Mora e que obteve exorbitantes créditos
bancários sem prestar garantias reais,
alimentando uma teia de cumplicidades que a
jornalista Cristina Ferreira, num artigo aqui
publicado em 25.08.2018, resumia assim:
“Enquanto circulou o dinheiro, a Ongoing foi
forjando as solidariedades que iam das grandes empresas (por exemplo, PT, EDP,
BES, BCP ou CTT) à política, à maçonaria e às
secretas. Solidariedades que permitiram a
Vasconcelos e Mora (ambos visados
actualmente em várias investigações
criminais) aparecerem, ainda que num curto
espaço de tempo, com o estatuto de símbolos
de uma época marcada pela imagem e busca
de influência.”
Se a origem das dívidas ao Novo Banco e das
irresponsáveis reestruturações das mesmas
vão ficando levemente esclarecidas na CPI, no
que toca à gestão do banco e à polémica
venda dos activos persiste um “denso
nevoeiro”, como afirmou João Costa Pinto,
que presidiu à comissão independente que
produziu um relatório (secreto) sobre a
actuação do BdP no caso BES, numa
entrevista da jornalista Cristina Ferreira. Na
verdade, o desconhecimento dos últimos
beneficiários não permite averiguar da
eventual existência de conflitos de interesses
nas vendas dos activos, ao mesmo tempo que
a gestão do Novo Banco nomeada pelo Lone
Star, em vez de, nessas vendas, procurar
rentabilizar ao máximo os activos recebidos,
como seria, de boa-fé, expectável, antes opta
por sacar o máximo do Fundo de Resolução,
suportado por todos nós. Pode-se dizer que,
com alguns banqueiros, podemos estar
descansados: seremos sempre ludibriados.
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