Não sei muito bem o que quer isso dizer, deixar de ser deputado, se alguma vez o fui de facto, pois fui antes um homem sentado numa cadeira emprestada, numa sala de luz artificial onde as palavras se acumulavam nos cantos como pó, onde os discursos se diziam como quem reza por obrigação, com a fé gasta dos que já não esperam milagres e repetem o Pai Nosso só porque sim, porque sempre foi assim, porque é preciso dizer qualquer coisa para que o tempo passe e o dia acabe e a noite nos devolva a casa e ao cansaço.
Foram duas legislaturas. Curtas, dizem. Curtas e intensas, repito, como se a intensidade servisse de medida redentora à brevidade, como se bastasse ter sofrido muito e depressa para que valesse a pena. Mas valem sempre, essas coisas. Aprendi, sim, não sei se o bastante, não sei se da forma certa, não sei sequer se se aprende alguma coisa que nos valha quando nos sentamos sozinhos e pensamos no que ficou por fazer, por dizer, por emendar. Mas aprendi. E, sobretudo, tentei.
Tentei servir. Que verbo difícil. Servir. Com a dignidade possível. Com o esforço inteiro de quem acredita que ainda é possível alguma coisa. Aos madeirenses que confiaram no partido pelo qual fui eleito e em mim, obrigado. Um obrigado sem gritos nem bandeiras, um obrigado sóbrio e de cabeça baixa, como quem se despede do campo depois da poda. Fi-lo o melhor que sabia. Que soube. Que pude. Não sei se basta, mas foi tudo.
Aos que acreditaram em mim de peito aberto, sem armadura, sem interesses escondidos, apenas com a generosidade crua dos que esperam, dos que acompanham, dos que caminham a par, o meu silêncio grato. Enriqueceram-me. Não com cargos nem elogios, mas com a decência rara de estarem, de serem, de permanecerem quando o barulho passava.
Obrigado, também, aos que chateei. E como vos chateei, meu Deus. Pela sede de saber, pela ânsia de compreender, pelo medo de ser apenas mais um boneco de fato e gravata e papelinhos com notas e apontamentos. Perguntei, insisti, discordei, arrastei conversas até à exaustão. E vós, pacientes, irónicos, exasperados, generosos, alimentaram essa inquietação que nunca me abandonou.
À minha família que me viu chegar tarde, que me escutou ausente, que me suportou nervoso, calado, explodido, esgotado. Que foi casa. Que foi refúgio. Que foi certeza quando tudo o resto se fazia de dúvida. Obrigado. Por estarem. Por não perguntarem demais. Por amarem sem condição.
Aos funcionários da Assembleia, esses invisíveis gigantes de paciência e eficiência, o meu mais fundo reconhecimento. São a espinha dorsal de uma casa tantas vezes corcunda. São profissionalismo. São humanidade. São gentileza. E levar-vos-ei comigo, dentro, como quem leva retratos antigos numa carteira gasta.
E aos outros deputados (meus adversários, meus cúmplices, meus espelhos distorcidos) obrigado também. Obrigado pelas palavras que me obrigaram a pensar melhor, pelas lutas que me obrigaram a estudar mais, pelas ironias que me obrigaram a afiar a língua e o espírito. Fizemos política, sim. E, às vezes, até fizemos democracia.
Agora sento-me. Apago as luzes. Fecho a porta com cuidado, como quem sai de uma sala onde dormem os filhos. E volto a ser apenas isto: um homem com o nome que traz do pai, o cansaço de quem tentou, e a esperança de que nada foi em vão.
Até já. Ou talvez até nunca. Não sei.
Quase verti uma lágrima
ResponderEliminarPorque razão o Nuno não conta como é que foi arrumado pelo cretino do Camelo.
ResponderEliminarO Morna é um rapaz que prima pela discrição.
EliminarFoi um bom deputado, esforçado e dedicado.
ResponderEliminarMuito bem Coelhinha.
EliminarMuito esforçado. De cada vez que se tentava levantar fazia um grande esforço.
EliminarDizem que Morna pesa mais de duzentos kilos
EliminarTrump quebra a economia de propósito / Elon perde muito em Wisconsin / Russel Brand e J.C. Van Damme acusados
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=CQMMN6hjh_8