Morreu o famoso agente duplo britânico George Blake
A escala da traição de Blake continua a ser monumental, mesmo pelos padrões daquele período John le Carré Escritor
O último dos espiões que
trabalhou para a União
Soviética morreu aos 98
anos na Rússia, onde vivia
desde a sua fuga da prisão
António Rodrigues (escreve no jornal público)
Com a morte de George Blake, aos 98
anos, na Rússia, tal como noticiado
ontem pela agência RIA Novosti citando os serviços secretos externos russos (SVB), morre um pouco mais da
Guerra Fria.
Era o último de um grupo de agentes duplos britânicos do
MI6 que trabalharam para a União
Soviética, embora não pertencesse ao
grupo que ficou conhecido como “Os
Cinco de Cambridge”.
George Blake (Georgy Ivanovich
para os russos) expôs a identidade
de centenas de agentes ocidentais
que trabalhavam para lá da Cortina
de Ferro durante os anos 50. Alguns
desses agentes acabariam por ser
executados por traição.
Descoberto em 1961, Blake foi condenado a 42 anos de prisão, mas conseguiu escapar de Wormwood Scrubs,
em Londres, em 1966, ajudado por
dois presos e dois activistas que o retiraram do Reino Unido escondido
numa autocaravana.
Quando chegou à União Soviética,
recebeu o tratamento de herói (Vladimir Putin condecorou-o em 2007)
e 30 anos depois de ter sido apanhado, numa entrevista à Reuters, garantiu que fez tudo por idealismo, por
acreditar no comunismo, “um ideal
que, se tivesse sido alcançado, teria
valido bem a pena”. Na altura em que
era agente duplo, Blake pensava ser
ainda possível: “E eu fiz tudo o que
pude para ajudar a construir essa
sociedade. Veio a provar-se impossível, mas penso que era uma ideia
nobre e que a humanidade ainda
regressará a isso.”
Como escreve John le Carré, em O
Túnel dos Pombos, “a escala da traição
de Blake continua a ser monumental,
mesmo pelos padrões daquele período: literalmente centenas de agentes
britânicos — o próprio Blake já não
conseguia calcular quantos — traídos;
operações de áudio encobertas, consideradas vitais para a segurança
nacional, tais como, mas não exclusivamente, o túnel de áudio de Berlim,
desmascaradas antes de serem lançadas; e a revelação de todo o pessoal
do MI6, de casas seguras, de ordens
de serviço e de postos avançados por
todo o globo”.
“Encontrava-me com um camarada soviético cerca de uma vez por
mês”, disse numa entrevista ao Rossiyskaya Gazeta em 2012. “Entregava-lhe rolos e conversávamos. Algumas
vezes, bebíamos uma taça de champanhe Tsimlyansk [espumante soviético]”. A carreira de agente duplo
acabaria quando um desertor polaco
desvendou a sua identidade.
Nascido em Roterdão, Países Baixos, em 1922, com o apelido de Béhar, filho de mãe holandesa e pai judeu
egípcio naturalizado britânico, George Blake cresceu no Cairo, depois da
morte do pai aos 13 anos. Aí tornou-se
muito próximo do primo, Henri
Curiel, que mais tarde seria líder do
Haditu — Movimento Democrático de
Libertação Nacional, que chegou a ser
a maior organização comunista egípcia. Curiel, que tinha mais dez anos
do que ele, foi uma grande influência,
como o próprio Blake afirmou na
referida entrevista à Reuters.
Blake, dizia Le Carré, não era só
“um agente operacional dos mais
capazes”, também era “alguém que
procurava Deus, e que, até ser desmascarado, já tinha aderido ao cristianismo, ao judaísmo e ao comunismo, por essa ordem”.
Na prisão
de Wormwood Scrubs ensinava
Corão aos outros presos.
O espião duplo George
Blake, considerado um
dos mais infames traidores
do Reino Unido durante a Guerra
Fria, morreu ontem na Rússia,
aos 98 anos.
Agente ao serviço do britânico
MI-6, entregou aos soviéticos
inúmeros segredos, tendo revelado a Moscovo, nos anos 1950, a
identidade de centenas de agentes ocidentais na Europa de Leste. Detido em Londres em 1960,
escapou em 1966 para a Rússia,
onde passou o resto dos seus dias,
deixando para trás a mulher e
três filhos.
BLAKE TERÁ ENTREGADO
AOS SOVIÉTICOS CERCA DE
500 AGENTES OCIDENTAIS
Nos anos 1990, em entrevista à
BBC, o próprio Blake admitiu ter
traído mais de 500 agentes ocidentais, mas recusa a alegação de
que 42 deles foram executados
pelos soviéticos.
Blake foi um dos mais notáveis
espiões duplos da Guerra Fria e só
foi detetado depois de o espião
polaco Michael Goleniewski desertar para o Ocidente e ciar uma ‘toupeira’ soviética na
espionagem britânica. Blake foi
chamado a Londres e detido. Em
tribunal, confessou a traição.
Os danos causados por Blake
são só comparáveis aos dos
‘Cambridge Five’, antigos universitários que passaram segredos aos soviéticos. John Cairn-cross, o último a ser identificado,
morreu em 1995.
Filho de um judeu espanhol
George Blake nasceu em Roterdão, Holanda, de pai judeu espanhol naturalizado britânico. Na II
Guerra Mundial combateu na Resistência holandesa contra os nazis, sendo recrutado para a espionagem britânica no final da guerra.
Condecorado por Putin
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