Sousa Martins ao contrário da maioria dos médicos de hoje não olhava o exercício da medicina como um negócio para enriquecer rapidamente e comprar património e adquirir mansões e quintas.
SOUSA MARTINS (1843-1897) Cobrar, só aos ricos
«Ao abrir a porta da carruagem, para mais uma consulta
domiciliária, Sousa Martins
deparou com o doente à janela. Consciente dos mil e um
afazeres do médico, sempre a correr de um
lado para o outro, informou-o de que tinha
a pulsação normal, mostrou-lhe a língua e
disse-lhe para seguir viagem, que não se
preocupasse que continuaria a tomar a medicação. O clínico deu meia-volta e fez-se
ao caminho. Pouco tempo depois, tornaram-se compadres.
Na segunda metade do século XIX, Sousa Martins estabeleceu com os pacientes uma relação de grande proximidade. Envolvido em múltiplas atividades, nunca recusava
assistência a quem quer que o procurasse, deslocando-se
muitas vezes a casa dos enfermos. Era já médico da família
real, com um prestígio reconhecido pelos pares, e continuava a acudir aos mais desfavorecidos. No seu ofício, não
fazia distinções. Com uma nuance: qual Robin dos Bosques da Medicina, cobrava somas elevadas aos pacientes
abastados para, depois, nada cobrar aos pobres – e não era
raro ainda lhes deixar dinheiro para os remédios.
Nascido a 7 de março de 1843, em Alhandra, de pai carpinteiro e mãe doméstica, José Tomás de Sousa Martinsnunca enriqueceu. O dinheiro só servia para lhe dar uso,
dizia. Por exemplo, em maços de tabaco, um vício de toda
a vida. Aos 12 anos, já órfão de pai, a mãe mandou-o para
Lisboa, onde passou a viver com um tio (irmão dela), proprietário da Farmácia Ultramarina, na Rua de São Paulo, no
Cais do Sodré. Ali aprendeu a manipular medicamentos,
durante os anos em que conciliou o trabalho na farmácia
com os estudos no liceu. A experiência haveria de ajudá-lo
a concluir com distinção o curso de Farmácia, aos 21 anos.
Em simultâneo, inscreveu-se em Medicina e também neste
saber se licenciou com notas altas, dois anos mais tarde.
Já então dava explicações, forjando os dotes de professor que depressa aplicaria na Escola Médico-Cirúrgica,
antecessora das faculdades de Medicina. Com o dom da
palavra, facilmente cativava os alunos. Certo dia, o médico
estagiário Tomás de Mello Breyner, avô da poetisa Sophia
de Mello Breyner e bisavô do jornalista Miguel Sousa Tavares, ouviu dele a seguinte lição: “Quando entrares de noite
num hospital e ouvires algum doente gemer, aproxima-te
do seu leito, vê do que precisa o pobre enfermo e, se não
tiveres mais nada para lhe dar, dá-lhe um sorriso.”
Sábio a tratar os mais diferentes males, Sousa Martins
ganhou fama por este humanismo caridoso. Com o tempo, os doentes começaram a olhá-lo como milagreiro e,
após a sua morte, em agosto de 1897, cresceu à volta dele
um culto popular que perdura até hoje. Na sua estátua no
Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa, e no cemitério
de Alhandra, onde foi sepultado ao lado da mãe, por desejo
próprio, acumulam-se flores, velas e placas de mármore
com agradecimentos ou pedidos. Os devotos elevaram-no a
“santo”, apesar de ele nunca ter sido religioso (e, por isso, a
igreja não admite a hipótese de o canonizar), e dedicam-lhe
preces para ajudá-los a livrarem-se de doenças.
Afinal, foi essa a sua maior virtude em 54 anos de vida.
Solteiro e sem descendentes, o médico ribatejano serviu
a causa pública no Hospital de São José e empenhou-se a
fundo no tratamento da tuberculose, à época um flagelo
nacional. Da sua influência junto da Coroa haveria de nascer o Sanatório Sousa
Martins, na Guarda, uma década depois
da sua morte (hoje dá nome ao hospital da
cidade). Foi assim batizado por sugestão
da rainha D. Amélia, com quem trabalhara na criação da Associação Nacional da
Tuberculose. A aposta em centros de cura
na serra da Estrela tinha sido ideia sua,
após ter estudado o clima da região que ele
acreditava ser favorável ao combate a esta
doença infecciosa. Sousa Martins representou o País em conferências internacionais relacionadas
com epidemias e saúde pública e era considerado um dos
maiores especialistas nesta área.
À margem da Medicina, foi um dos fundadores do Jardim Zoológico de Lisboa, da Sociedade de Geografia de
Lisboa e da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses. Admirava Camões, privou com Antero de Quental
e Eça de Queirós. O escritor e político Guerra Junqueiro,
também contemporâneo, descreveu-o como “um homem
que radiou amor, encanto, esperança, alegria e generosidade”. A morte de Sousa Martins – suicidou-se quando a
tuberculose avançava no seu corpo sem travão – foi notícia
de primeira página nos jornais. Pesaroso, escreveu o rei D.
Carlos: “Apagou-se a mais brilhante luz do meu reinado.”» VISÃO
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