Jardim insiste em ter inquilina a julgá-lo
Líder histórico da Madeira contesta que magistrada, a quem aluga casa,
tenha escusa num caso que se arrasta há 26 anos e em que é acusado
de três crimes. Por isso, recorreu ao Supremo Alberto João Jardim está
apostado em amarrar a um
processo, em que responde
por vários crimes, uma juíza que pediu para ser afastada do caso, por ser sua
inquilina há alguns anos.
Joana Dias, a magistrada
do Juízo Local Criminal
do Funchal, que já teve em
mãos outro julgamento do qual o histórico social-democrata saiu sem mácula,
obteve a autorização para se desligar da ação. Apesar de a decisão da Relação de
Lisboa ter ido ao encontro da vontade
da magistrada judicial, o antigo presidente do Governo Regional da Madeira avançou, agora, para o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ), reclamando
do veredito.
Com este gesto, levado a cabo pelo
seu advogado Guilherme Silva, antigo
deputado do PSD na Assembleia da
República (AR), Jardim impõe mais um
adiamento àquele que é o processo que
há mais tempo se arrasta na Comarca do Funchal. É que, durante duas décadas, ao
chefe do Governo Regional da Madeira
foi-lhe valendo a imunidade enquanto
conselheiro de Estado – lugar em Belém
que lhe cabia por inerência pelo cargo no
executivo madeirense. Aliás, confrontado pela Justiça, aquele órgão consultivo
do Presidente da República fez questão
de nunca levantar tal privilégio.
O Ministério Público (MP) acusa
o social-democrata pelos crimes de
abuso de liberdade de Imprensa, difamação e injúrias, que ele terá cometido ao publicar dois textos da sua pena no
Jornal da Madeira, em novembro de
1994, sob o título A Loja dos Rancores,
contra o historiador e ex-deputado do
PS na AR, António Fernandes Loja. “O
homenzinho, ao ler isto, caem-lhe mais
três dentes, dois de raiva e um de senilidade” e “tão pirado [é] que não vê as
próprias grosserias e descobre-as nos
outros”, escreveu o ex-líder do PSD/
Madeira contra o socialista que, na
prosa, foi apelidado de “ordinarote” e
“pirado”. O processo esteve suspenso,
tal como outros, até à saída de Jardim,
em abril de 2015, após 37 anos de poder
com maiorias absolutas.
SUPREMO TRAVA MAIS RECURSOS
A escusa da juíza foi pedida em abril de
2019 e aceite logo nesse verão, cerca de
três anos depois de terem começado a
marcar as primeiras sessões do julgamento. Audiências, essas, que nunca
chegaram a arrancar, tendo em conta
que, pelo meio, Jardim recorreu para
a Relação de Lisboa, invocando uma
alegada prescrição devido a diversas
questões processuais, e ainda chegou
ao Constitucional.
Entre os vários argumentos, o advogado Guilherme Silva defendeu que
o antigo presidente da Madeira, que
completou 78 anos há duas semanas,
não tinha responsabilidade na decisão
do Conselho de Estado e questionou a
ausência da então direção do Jornal da
Madeira no banco dos réus. A Relação
respondeu com a necessidade de não
transmitir a sensação de uma “total
impunidade” de governantes que se
escudem na imunidade.
Afastada Joana Dias, que alegou relações de conflitualidade perante o facto de a casa onde vive pertencer a Jardim
e ao filho deste, o processo passou para
as mãos de Elsa Serrão, uma magistrada
conhecida, na região, por ter sido noticiada como companheira do empresário
local
António Henriques, amigo do antigo líder do PSD regional e com ligações à gestão laranja. Em junho de 2019, o Diário de Notícias da Madeira avançou que esta última juíza teve, em cerca de três meses, oito acórdãos corrigidos pela Relação de Lisboa.
António Henriques, amigo do antigo líder do PSD regional e com ligações à gestão laranja. Em junho de 2019, o Diário de Notícias da Madeira avançou que esta última juíza teve, em cerca de três meses, oito acórdãos corrigidos pela Relação de Lisboa.
Todavia, desde então, Guilherme
Silva tem-se batido para que Joana Dias
volte a pegar no caso. E, apesar de, após
diligências junto do Supremo, a escusa
não ser recorrível, o advogado de defesa
de Jardim entregou, então, na mesma
instância da capital, a 4 de fevereiro,
uma reclamação – a única figura legal
que restava para contestar. Isto porque,
a 21 de janeiro de 2021, um juiz-desembargador recusou admitir o recurso, ao
subscrever a decisão da Relação, apurou
a VISÃO.
O antigo deputado do PSD vem agora
alertar para o risco de a interpretação do
Supremo estar a cometer uma inconstitucionalidade. Limitar um recurso é uma
decisão gravosa que “deve ser [usada de
forma] o mais parcimoniosa possível”. “A
questão do ‘juiz natural’ e a excecionalidade do seu afastamento assumem uma
relevância e dimensão que não podem
ser destratadas”, escreveu num texto
onde cita Paulo Pinto de Albuquerque,
o juiz que representou Portugal durante nove anos no Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, e Jorge Miranda, um
dos pais da Lei Fundamental.
A magistrada que foi afastada deste
caso é a mesma que absolveu Jardim, em
março de 2017, pelo crime de violação
da Lei Eleitoral das Autarquias Locais.
Em causa estava uma acusação do MP
contra a atuação do social-democrata
nas autárquicas de 2009, em que terá
usado a viatura oficial da Presidência
para uma ação de campanha com a então
líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, e
inaugurado diversas infraestruturas em
poucos dias – como a ligação rodoviária
ao porto do Funchal. Vários militantes
do Partido da Nova Democracia (PND),
fundado por Manuel Monteiro e, entretanto, extinto, tentaram boicotar
essas cerimónias, provocando a ira de
Jardim que classificou tais ações de
“palhaçadas”.
Mais tarde, a juíza viu a Relação anular a condenação e a multa de mais de 11mil euros que aplicou a oito militantes
do PND, que invadiram o Jornal da
Madeira nas Regionais de 2011. Contestavam, então, o passivo de mais de
50 milhões de euros deste jornal e o
noticiário viciado pelo poder.
CARTA PARA ENTERRAR MACHADO
Entretanto, neste período, Alberto João
Jardim já teve oportunidade de desculpar-se junto de António Fernandes Loja,
que está agora com 87 anos. “Mandou-
-me uma carta escrita pelo seu punho,
a tentar acabar com este processo. Esqueceu-se de um pormenor: é muito
fácil pedir desculpa privadamente. Mas
não estou disposto a abdicar das minhas
convicções e coerência que tive sempre
ao longo da minha vida”, disse o historiador à VISÃO.
O antigo deputado, que entrou no
Parlamento pelo círculo do Funchal,
no final da década de 1970, como independente nas listas do PSD, transitando
depois para o PS, constituiu-se assistente neste processo há 26 anos, exigindo
uma indemnização de 600 contos [3
000 euros]. “O valor, como se vê, não
é o que me move, mas, antes, passados
tantos anos, lembrar-me da sensação
de mal-estar, principalmente quando
lecionava numa escola, onde os tais
textos mereceram a atenção dos alunos.
Tive de evitar reagir e acreditar numa
ação rápida e transparente do tribunal.
Lamento que a Justiça não tenha evitado
que se prolongasse por tanto tempo este
caso”, salientou.
(o jornal tinha distribuição gratuita. Era pago com o dinheiro dos contribuintes)
O Jornal da Madeira, meio usado por Jardim para publicar as suas crónicas, foi propriedade da administração regional, durante muitos anos. Era o órgão que dava voz ao regime laranja e que custava anualmente cerca de dois milhões de euros ao erário público. Em 2015, assim que Jardim saiu da Quinta Vigia, residência oficial do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, sucessor do histórico social-democrata, levou cerca de dois anos a libertar-se daquele fardo pesado. Para o atual líder do executivo, que criou uma animosidade com Jardim desde que foi presidente da JSD/Madeira, tratava-se de cumprir uma promessa eleitoral. O jornal acabou por ser vendido por 10 mil euros, cerca de 100 vezes menos do que o valor de investimento na publicação exigido ao comprador e já após um saneamento financeiro, que custou mais de três milhões de euros e levou ao despedimento coletivo de vários jornalistas e funcionários.
OUTROS FILMES
Jardim já respondeu em vários casos
judiciais, principalmente pelo que disse
contra os opositores. Num deles, foi
condenado e depois absolvido. No mais
conhecido de todos, o da dívida oculta,
viu a acusação ser arquivada.
“CUBA LIVRE” SEM ACUSADOS
Em 2011, com o País a iniciar a execução
de um memorando da Troika, que teria
levado em conta o estado das contas
públicas, percebeu-se que a dívida da
Madeira era de 6,3 mil milhões de euros,
dos quais 1,1 mil milhões estavam
ocultados. O então procurador-geral
da República, Pinto Monteiro, abriu
um inquérito contra Jardim e seis
responsáveis das finanças regionais
pela suspeita de crimes de abuso de
poder, violação de execução orçamental
e prevaricação com dolo e na forma
tentada. Em maio de 2017, o Ministério
Público pediu o arquivamento do caso
“Cuba Livre” no debate instrutório. O
tribunal do Funchal concordou.
A Relação anulou, há dois anos e meio,
a condenação que o Juízo Cível da
Madeira aplicou a Jardim e ao então
líder da JSD/Madeira, Marco Freitas,
em março de 2015 [e confirmada em
2017], por associarem um dirigente do
PND, Gil Canha, ao tráfico de droga. O
incidente ocorreu numa inauguração, a
7 de outubro de 2009, quando o chefe do
governo madeirense mandou os jovens
da JSD abrir uma faixa em que se lia:
“Canha foge para o Brasil! A Justiça
venezuelana te procura.” Jardim e Freitas
tinham sido obrigados a pagar oito mil
euros a Canha, com juros.
PERDOADO ESTILO “BOÇAL”
Jardim acusou num evento, em 2008, o
líder do PS/Madeira, Carlos Pereira, de
ter tido o Turismo de Portugal a comprar-lhe uma empresa, que passou a fazer
“trabalhos bem pagos para o governo
dos Açores”. O socialista exigiu 35 mil
euros de indemnização. A Vara Mista
do Funchal ainda frisou que se tratou
de uma mentira, que causou a Pereira
“vergonha, vexame e humilhação”,
mas ressalvou que, no “arquipélago
e continente”, Jardim atacava os
adversários com “um estilo contundente,
descortês e, por vezes, boçal”, a que
todos se habituaram e que “acabam por
desvalorizar”.---NUNO MIGUEL ROPIO
JOANA DIAS ABSOLVEU
JARDIM NUM OUTRO
PROCESSO, EM 2017.
CONTUDO, DESTA VEZ,
NÃO QUIS FICAR COM ESTE
CASO QUENTE EM MÃOS.
A RELAÇÃO DEU LUZ
VERDE AO PEDIDO
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