Se houver um 'olheiro'
o crime já não é crime!
No passado mês foi praticado um grave atentado ambiental na Ribeira de São Jorge, que causou grande indignação na freguesia e originou várias denúncias, não só da associação ambientalista COSMOS, mas também de muitos cidadãos anónimos. Um destes cidadãos, ao ver a rapinagem dos inertes e a entrada selvagem da maquinaria pesada da AFA no leito da ribeira, apresentou queixa na GNR (Comando Territorial da Madeira). A guarda respondeu à denúncia com o texto abaixo transcrito, que é uma coisa engraçada e que deveria de entrar no manifesto surrealista de André Breton ou nas anotações sobre a instituição militar, no Burkina Fasso.
Os senhores leitores que leiam, mas desde já chamo a atenção para a necessária limpeza do soalho das vossas habitações, para no caso de se deitarem no chão a rebolar a rir, e até aconselho a afastarem o mobiliário, para nas convulsões, não darem patadas no mesmo.
Sobre o assunto em epígrafe, encarrega-me o Exmo. Tenente-General, Comandante Operacional da Guarda Nacional Republicana, de informar que após a situação comunicada por Vª. Ex.ª, cuja denúncia ficou registada com o nº 122303/2021, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA/GNR), através do Núcleo de Proteção Ambiental do Destacamento Territorial do Funchal, deslocou-se ao local visado, efetuando diversas diligências, apurando junto de um funcionário da Secretaria do Equipamento Social e Conservação que se encontrava no local a supervisionar os trabalhos, informando ser uma situação pontual por causa do temporal que assolou a Ilha da Madeira nos últimos dias, tendo o caudal da ribeira de São Jorge, subido muito, galgando as margens e invadindo terrenos privados, por esse motivo foi pedido aquela empresa que se encontra no local, para endireitar o leito da ribeira levando o excedente do material (inertes) existente para o estaleiro, sendo estes utilizados na nova ponte que está a ser construída no local.
De referir que, não foi facultada qualquer licença/autorização por parte da empresa de construções AFA para efetuar o referido trabalho no interior da ribeira nem para o transporte dos inertes para o estaleiro da empresa existente no local. Segundo o funcionário da Secretaria do Equipamento Social e conservação, este declarou que essa autorização foi dada verbalmente assim como o pedido efetuado à referida empresa para realizar os trabalhos.
Face ao exposto, o SEPNA elaborou uma Informação de Serviço à Direção Regional do Equipamento Social e Conservação, para conhecimento e fins tidos por convenientes.
Estando a Guarda profundamente empenhada na defesa dos valores ambientais e numa melhor segurança e bem-estar das populações, o SEPNA agradece o interesse manifestado na melhoria da qualidade da prestação dos nossos serviços, continuando sempre disponível a novos contributos que poderão ser feitos através da Linha SOS Ambiente e Território n.º 808 200 520, da denúncia On-line no site www.gnr.pt ou do mail sepna@gnr.pt.
Com os melhores cumprimentos,
Para ajudar os senhores leitores mais austeros e resistentes às diatribes da paródia, vou “desmembrar” esta cartinha, imaginando, por exemplo, que a queixa era sobre um apanhador de lapas, apanhado em flagrante delito com uma saca de 30 kg na Reserva Natural da Rocha do Navio.
A brigada da GNR (SEPNA) aparecia no local, e dizia ao desgraçado:
- Oiça lá, você tem licença para andar aqui a extrair esses bicharocos?
- Não, mas em cima daquela rocha, está um fiscal da secretaria do ambiente a supervisionar o meu trabalho!
A brigada olhava para cima, e perguntava ao funcionário do governo.
- Então, o que se passa aqui?!
- Meus senhores, não é nada! O pobre do homem está a apanhar umas lapinhas porque ficou desempregado por causa do COVID 19, ele quer pagar as prestações do banco e a conta do supermercado e não tem dinheiro. Então, como a reserva está cheia de lapas, algumas até já andam encavalitadas umas em cima das outras por causa do recente temporal, pedimos para ele levar o excedente ali para cima, para o novo Restaurante que está sendo contruído junto da ponte, e que servirá para o repasto do dia da inauguração, com o sr. Presidente do Governo.
- Mas então o senhor não tem licença nenhuma para apanhar lapas. Pois não?! Sabe que é proibido extrair seja o que for deste local. É crime!
Impaciente em cima do rochedo, o funcionário da fiscalização do ambiente gritava para a brigada:
Ó senhor Guarda! Já lhe disse! A autorização foi verbal e até fomos nós que pedimos a esse desgraçado que viesse aqui apanhar lapas à vontade porque elas se andavam comendo umas as outras.
- Ok, vamos informar a Secretaria do Ambiente para os fins que eles acharem mais convenientes. Não chateamos mais!
E quando se retiravam do calhau, o chefe dos Guardas olhava para trás, e com uma voz potente, que ecoava pelos penhascos e arribas, até assustando uma gaivota que pairava em círculos sobre a saca das lapas:
- A GUARDA ESTÁ PROFUNDAMENTE EMPENHADA NA DEFESA DOS VALORES AMBIENTAIS E NUMA MELHOR SEGURANÇA E BEM-ESTAR DAS POPULAÇÕES!
Depois desta viril declaração, o apanhador de lapas, brandindo a lapeira, olhava para o fiscal do ambiente que continuava empoleirado em cima da rocha como uma alma-negra, e gritava:
- Ainda bem que o senhor estava aí a me ver a apanhar as lapas, porque senão era mesmo crime!
Moral da história (versão do Comando Territorial da Madeira)
Qualquer crime, mesmo uma violação em grupo, desde que devidamente supervisionado por um funcionário do Governo Regional, deixa de ser crime, e passa a ser um bacanal devidamente justificado e para os fins tidos por convenientes.
Nota final: Só tenho pena que o meu caríssimo General Francisco Cabral Couto não seja o atual Comandante da GNR, porque se estivesse no ativo, provavelmente o senhor Comandante da GNR da Madeira estaria neste momento a assumir funções na fração habitada mais isolada do território nacional, a Ilha do Corvo. (ver Fénix do Atlântico)
Artigo de Opinião de Gil Canha
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