1930–2024
Maria da Conceição Tavares A luso-brasileira do PT
A economista luso-brasileira Maria
da Conceição Tavares morreu neste
sábado, 8, aos 94 anos, em Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, Brasil. Pertenceu ao Partido dos
Trabalhadores, foi deputada federal,
professora universitária e assessora
económica de Salvador Allende.
Nasceu em Anadia, distrito de Aveiro,
em 1930, mas viveu toda a sua juventude em Lisboa. Em 1953, licenciou-se em Ciências Matemáticas
na Universidade de Lisboa e, no ano
seguinte, já casada e grávida da sua
primeira filha, foi viver para o Brasil,
para fugir à ditadura de Salazar.
Adquire a cidadania brasileira em
1957, no mesmo ano em que começa
o curso de Economia na Universidade
do Rio de Janeiro. “Era uma mulher
brilhante e profundamente comprometida com a soberania nacional,
tendo atuado decisivamente na construção de um Brasil menos desigual.
Era uma portuguesa que veio para o país ainda criança e virou uma brasileira de coração e de compromisso
firme com o nosso povo”, disse Dilma
Rousseff, logo após a sua morte.
Também o Presidente Lula da Silva quis prestar homenagem à sua
“amiga”, com quem teve “o prazer e a
honra de conviver e conversar muito,
debatendo o Brasil e os seus desafios
sociais e económicos”.
Maria da Conceição Tavares trabalhou
em várias organismos estatais, como
o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária, no Banco Nacional do Desenvolvimento Económico
e Social e participou ainda na coordenação dos programas setoriais do
governo brasileiro para a indústria
metalomecânica pesada. Escreveu
inúmeros artigos e vários livros, entre
os quais o ensaio Auge e Declínio do
Processo de Substituição de Importações, de 1972, uma obra que a
Universidade de São Paulo considera
um “marco no estudo do processo de industrialização do Brasil” que se
tornaria um “clássico na literatura
especializada".
Mas acabou também por ser este
livro que lhe viria a criar complicações junto do regime ditatorial que
governava o Brasil na altura.
Em 1968, vai para o Chile liderar o
escritório da Comissão Económica
para a América Latina e as Caraíbas,
evitando assim ser perseguida, presa
ou torturada pela ditadura militar.
Já naquele país, juntou-se ao governo de Unidade Popular, de Salvador
Allende, como assessora económica.
Lecionou ainda na Universidade do
México e, nos anos 80, foi uma das
principais figuras na criação de cursos de mestrado e doutoramento na
Faculdade de Economia da Unicamp
(Universidade de Campinas).
“Foi uma intelectual comprometida
com a transformação nacional, ousou
diuturnamente enfrentar a ditadura
civil-militar, constituindo parte integrante do movimento da democratização do país. Deixa uma trajetória
exemplar de educadora engajada no
que de melhor o pensamento crítico
gerou no Brasil”, disse Márcio Pochmann, atual presidente do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.
Em 1994, foi eleita deputada federal pelo PT, sendo uma das vozes
mais críticas da política do Presidente Fernando Henriques Cardoso.
“Uma economia que diz que precisa
primeiro estabilizar, depois crescer,
depois distribuir, é uma falácia, e
tem sido uma falácia. Não estabiliza,
cresce aos solavancos e não distribui.
Esta é a história da economia brasileira desde a pós-guerra”, defendeu
na altura.
Foi ainda colunista semanal da Folha
de São Paulo, onde assinava a coluna
Lições Contemporâneas, até 2004.
Afastou-se aos poucos da política
partidária, mas não deixou de dar a
sua opinião crítica sobre muitos dos
planos e programas económicos dos
vários governos que lideraram o Brasil nas últimas décadas.
Após a pandemia, algumas das suas
conversas e aulas dos anos 90 tornaram-se virais nas redes sociais,
sobretudo uma passagem de uma entrevista de 1995, no programa Roda
Viva, do TV Cultura: “Se você não se
preocupa com a justiça social, com
quem paga a conta, você não é um
economista sério. Você é um tecnocrata.” Paulo C. Santos
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