Em 1989, o primeiro-ministro Cavaco Silva
recusa-lhe uma pensão por serviços distintos, a mesma que atribui a dois inspetores
da PIDE, um dos quais envolvido nos tiros
contra a multidão no dia 25 de Abril.
O capitão de
Abril que arriscou a vida como nenhum
outro voltou depois a Santarém, recusando honrarias ou benesses e sendo mais
tarde maltratado pelo regime que tanto
lhe deveu.”
Começando pelas qualidades de liderança, Salgueiro Maia vai ser importante
em duas operações militares complexas e
arriscadas: o 25 de Abril de 1974 e o 25 de
Novembro de 1975. Na primeira organiza
uma coluna heteróclita de veículos, desde
blindados antiquados, como os Panhard
EBR, a duas modernas viaturas blindadas de transporte de pessoal, as famosas
Chaimite, além de jipes, camiões Berliet
e tudo o mais que conseguiu juntar. Tal
como os guerreiros medievais antes da
batalha, fez uma arenga às suas tropas,
dizendo na noite de 24 de abril de 1974,
em plena parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém: “Há vários Estados:
o Estado capitalista, o Estado socialista e o estado a que isto chegou. Nesta noite solene vamos acabar com o estado a que isto
chegou. Quem for voluntário sai, forma e
vamos para Lisboa acabar com isto. Quem
não quiser fica...” Dos 240 militares que o
ouviram, todos deram o passo em frente.
Ano e meio depois voltaria a Lisboa
com nova coluna blindada cuja missão
era, no quadro das movimentações militares do 25 de Novembro, neutralizar a
mais esquerdista das unidades militares
da capital, o Ralis, na Encarnação. A missão foi cumprida sem efusão de sangue,
ainda que com alguma provável amargura
do seu comandante, forçado a marchar
contra camaradas com quem tinha feito
o 25 de Abril A coragem de Maia dispensa grandes
comentários. A meio da manhã do 25 de
Abril, no Terreiro do Paço, é confrontado
com a ameaça da coluna blindada do brigadeiro Junqueira dos Reis, o único oficial
superior que pegou em armas para defender a ditadura, comandando quatro
tanques de fabrico americano M48, com mais blindagem e poder de fogo do que os
seus cinco blindados franceses, a caírem
de podres.
Salgueiro Maia arrisca atravessar o Terreiro do Paço, direito às forças do regime,
desarmado mas, como mais tarde contou,
com uma granada no bolso, não fossem
as coisas correr mal. Pede ao comandante contrário que venha a meio caminho
falar com ele. Perante a negativa, manda
o capitão Alfredo Assunção parlamentar,
mas este é esbofeteado pelo brigadeiro,
que dá ordem de fogo contra Salgueiro
Maia ao alferes Fernando Sottomayor, comandante de um dos tanques. Este recusa,
sendo preso e agredido. Dá-se então o
momento-chave do 25 de Abril, admiravelmente contado no livro de Adelino
Gomes e Alfredo Cunha “Os Rapazes dos
Tanques”. A mesma ordem de fogo é gritada ao artilheiro do carro de Sottomayor,
o cabo Alves Costa, que os autores do livro
viriam a redescobrir em Balazar, Póvoa
de Varzim, 40 anos depois dos acontecimentos daquela manhã. Costa reage com
a sabedoria dos camponeses minhotos,
adquirida à custa de séculos de resistência a prepotências de nobres e clérigos, e
responde: “Vou ver o que é possível fazer,
meu brigadeiro”, posto o que se tranca
dentro do tanque e lá fica.
Os últimos soldados de Cavalaria 7 deitam as armas fora e vêm abraçar os seus
camaradas de Santarém. Junqueira dos
Reis fica com um tanque e alguns soldados que já não lhe servem para nada. O
regime estava liquidado, faltando apenas
o cerco ao quartel do Carmo, durante o
qual Maia voltará a evidenciar uma calma
lendária. Vai ao interior das instalações da
GNR falar com Marcello Caetano e seus
ministros, mas não recebe formalmente
a rendição do primeiro-ministro porque
o general Spínola, entretanto chegado ao
Carmo, sentencia que o comando daquela
operação “não é coisa para um capitão, é
preciso, pelo menos, um major...” Marcelo
render-se-á a Spínola “para o poder não
cair na rua”.
E capitão ficará nos meses que se seguiram, sendo colocado nos Açores, de onde
só regressará em 1979 para comandar o
presídio da Escola Prática de Cavalaria,
substituindo um sargento. Vai para Santa
Margarida, mas sempre desempenhando
funções menores. “Cumpri a pena sem
saber porque me condenavam”, dirá mais
tarde numa entrevista feita por Assis Pacheco. “Houve uma révanche da direita
militar, uma perseguição administrativa
feita com uma arma chamada caneta”,
comentará a propósito um outro camara da de armas, Sousa e Castro, citado pela
revista “Visão”.
Maia chegará a major em 1981 e a tenente-coronel apenas nas vésperas da sua morte. Recusou todos os convites para integrar o
Conselho da Revolução, ser adido militar no
estrangeiro, governador civil de Santarém
ou membro da Casa Militar do Presidente
da República. Aproveitará o tempo livre
para estudar sociologia e antropologia e,
com a sua mulher, Fernanda, adotará dois
filhos. Requer uma pensão por serviços
distintos mas, deliberadamente, só apresenta como credenciais a sua participação
no 25 de Abril, não anexando a sua folha de
serviço anterior nem as medalhas ganhas
em combate em Moçambique e na Guiné.
Em 1989, o primeiro-ministro Cavaco Silva
recusa-lhe uma pensão por serviços distintos, a mesma que atribui a dois inspetores
da PIDE, um dos quais envolvido nos tiros
contra a multidão no dia 25 de Abril. Vinte
anos depois, Cavaco, já Presidente da República, homenageará Salgueiro Maia nas
cerimónias do 10 de Junho de 2009.
Maia só receberá a pensão, bem como
a Torre e Espada, a mais alta condecoração militar portuguesa, a título póstumo,
concedida pelo Presidente Mário Soares
no Dia das Forças Armadas de 1992. Sempre combativo mas injustiçado, a doença
tinha-o levado aos 48 anos, a 3 de abril
de 1992. Como escreveu João Garcia no
Expresso, falta em Portugal um mural ou
similar onde se registem os nomes dos militares que, a 25 de Abril de 1974, puseram
termo à mais longa ditadura da Europa.
O facto de, na sua maioria, se tratar de
figuras independentes que nunca se integraram nas máquinas partidárias talvez
ajude a explicar este ingrato esquecimento.
A moderna ponte em betão sobre o rio Tejo
a jusante de Santarém foi batizada, em
junho de 2000, com o nome de Salgueiro
Maia. Homenagem justa mas escassa para
alguém que, como escreveria Sophia de
Mello Breyner Andresen (1994), foi “aquele que deu tudo/ e não pediu a paga”.
Rui Cardoso
Cavaco foi informador da PIDE... só podia presentear os colegas...
ResponderEliminarGrande cagão
ResponderEliminarCerto.
EliminarDe facto o maior cagão do 25 de Abril
-Tal como no "Mito de Saturno", as revoluções devoram "sempre os seus filhos" e, assim foi nesta. Não há nada de novo debaixo do Sol.
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