domingo, 19 de março de 2023

António Borges Coelho o grande comunista que abandonou o partido em 1991 logo após a queda da União Soviética

 O historiador chegou a ser funcionário do PCP esteve preso no tempo do fascista Salazar. Estava em Peniche aquando a célebre fuga de Álvaro Cunhal, mas ficou no forte e não acompanhou os seus camaradas na audaciosa fuga. Foi um resistente que desde o MUD/Juvenil muito deu à luta do Partido. Mas acabou por rachar após a queda da URSS. Depois de sofrer tanto acabou por claudicar!

Hoje somos um povo capaz de olhar criticamente o passado, ou ainda preferimos agarrar-nos a determinadas mitologias? 

Nós hoje temos um poder, que não é exatamente igual aos poderes do passado. É um poder que, de um ponto de vista do direito, assenta na Assembleia da República, num presidente da República eleito e num Governo resultante das eleições, mas o poder não está só aí. Ou, melhor, não está inteiramente ali, é muito mais do que isso… Talvez esteja a exagerar um bocadinho e não me quero perder.

Você está-me a provocar e eu não quero entrar por aí… Mas, então, onde é que está o poder? Está no povo, que teoricamente o legitima, ou na economia… onde?

O povo já não é quem mais ordena. Não tenho a mínima dúvida. O povo ainda é achado de quatro em quatro anos, ou de cinco em cinco, para as eleições. É achado. Agora, se ele não se mexer, se não fizer nada, se ele não aparecer, então não ordena, e quem ordena mais é o poder económico, são outros poderes.

E estamos longe de ser o povo a mais ordenar? Há algo latente?

A Inquisição deixou-nos traços muito fortes, mas não há dúvida nenhuma de que o 25 de Abril também alterou profundamente a mentalidade. Houve um ano e meio em que a liberdade esteve à frente de tudo. O povo foi quem mais ordenou. Mas as revoluções esgotam a sua força. Não se pode viver em estado febril uma eternidade. A revolução é uma febre. Acabou a febre, criou-se uma síntese, e essa síntese vai jogando.

A propósito do fim da febre, como é que olha para o 25 de Novembro?

Como contra-revolução. Juntou forças contraditórias, acabando por triunfar um sistema que não cortou as liberdades políticas essenciais. Superámos a guerra civil. Seria extremamente trágico. 

E o próprio PCP foi determinante para o rumo que as coisas acabaram por tomar...

Sentiu que não tinha força e não quis responder ao levantamento. ... e a mitologia do chefe vai persistindo. É o país que elegeu Oliveira Salazar, num programa televisivo, como o “grande português”. A revolução não resolveu, nem podia resolver, todos os problemas dos portugueses. Ainda por cima, a revolução deu direitos a muitos que os receberam sem luta. Quando as conquistas são mesmo conquistas, nós sentimo-las como nossas, mas quando nos dão somos ingratos, achamos que tínhamos todo o direito. Esse país existe. Mas eu não queria entrar muito pelo presente. Já faço parte do passado... Nada disso!

Voltamos já ao passado, mas gostava que aprofundasse a história da contra-revolução.

É evidente que houve uma contra-revolução, que se organizou desde a primeira hora, inclusivamente à bomba. Não desapareceu. Deixou de usar determinadas armas, que se voltavam contra eles, mas continua a existir um elemento altamente conservador, que olha para a sociedade como se ela tivesse apenas dois grandes estratos: a elite, que tem todos os direitos e todas as regalias e que deve ser beneficia da, e depois a massa, a massa… Isso continua a existir. Mesmo quando se chora e se gasta uma lágrima pela fome e pelo sofrimento. 

Como é que olha, hoje, para a classe política portuguesa? Concorda que a coisa pública deixou de ser atrativa para muitos dos elementos mais válidos? 

Houve um período muito difícil, que foram os anos da troika e do governo anterior, e a satisfação nós podemos vê-la pelo índice de abstenção nos atos eleitorais. Há uma grande massa do povo que não se revê muito na política. Por outro lado, não vejo a nova geração a ferver. Música há muita e por todo o lado. Mas o que é verdade é que o novo governo trouxe uma acalmia e alguma esperança política. 

Foi uma viragem à esquerda?

Foi uma viragem de “bom senso”. A continuação da situação levava a problemas muitíssimo mais graves. Embora, na verdade, a direita esteja cada vez mais ressabiada, precisamente por verificar que o país estabilizou, e aproveita tudo para o desestabilizar, digamos assim.

******

Quando é que adere ao PCP? 

Eu já andava lá perto, mas, em 55, fui convidado para funcionário. 

A luta política afastou-o da História e, depois, a História fê-lo refrear a luta política... 

É verdade, é verdade... 

Como explica esse paradoxo? 

Explica-se também por uma certa desilusão. Pouco antes de ser preso, houve uma mudança de política. O relatório do Krushchev ao 20.º Congresso tinha levado àquilo a que se chamou desvio de direita dentro do PC. E eu, perante a autocrítica feita na altura, achei que alguém devia ser responsabilizado. Mas sou preso ainda em pleno fulgor militante. Nos seis meses que estive nas celas do Aljube não entravam jornais, nada. Deixaram uma vez entrar “Os Maias”, do Eça, e levaram-me, de propósito, o “Diário Popular” onde vinha o relatório Krushchev. Essa leitura mexeu um bocado comigo, porque eu estava disposto a dar tudo. A minha vida era só aquilo. A partir daí, a História começou a ganhar força. A História do século XX começou a levar-me para a História de tempos mais recuados. Mas mantive a mesma firmeza na polícia, ainda estive uns meses na cela, e seis anos e meio na cadeia, sofri por não ter fugido, e não foi pouco... Paguei um preço muito elevado por ter regressado à História.

 Nunca se arrependeu de não ter participado na fuga de Peniche, com Álvaro Cunhal?

 Não, nunca me arrependi. Embora considere a fuga um momento histórico fundamental no antigo regime. 

Ao ficar, a dureza aumentou... 

O não fugir levou-me à tortura da estátua.

Não deixa de ser curioso constatar, contudo, que a cadeia está associada a momentos fundamentais da sua vida, pela positiva. Casou-se quando estava preso e foi nesse tempo que iniciou a sério o trabalho como historiador. O mundo é um lugar estranho? 

Muito estranho, muito estranho... Atenção: as pessoas dizem muitas vezes que Peniche foi formidável, era uma universidade... Completamente errado! As condições eram dramáticas. Em Peniche, estive, por vezes, semanas e semanas sem poder ler. Não conseguia. Por outro lado, as condições materiais... só podia entrar um livro de cada vez. Depois, regularmente, a cela era revistada e os papéis vasculhados. Quando foi da fuga, apreenderam-me todos os papéis, e depois de uma grande luta consegui consultá-los. Como? Cinco folhas de cada vez. Assinava um protocolo e tinha de devolver aquelas cinco folhas para virem outras cinco. Isto não são boas condições de trabalho. Mas na verdade tenho, e ainda hoje uso, uma série de cadernos de apontamentos que tirei na fortaleza de Peniche. A minha investigação em História medieval começou, e a fundo, no forte de Peniche.»






4 comentários:

  1. Volta Salazar para limpar o que ainda resta da escumalha comuna

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não é preciso o Salazar ressuscitar.
      O CHEGA vai tratar da "saúde" deles

      Eliminar
  2. Sérgio Marques foi depor à comissão de inquérito na Assembleia Regional. O pardalão dá uma no cravo e outra na ferradura

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ah! Pois! Sergio Marques tem medo de afrontar o regime. Teme as retaliações! Um regime terrorista saído da FLAMA é capaz de tudo! O Alberto jarreta mais o Jaime Ramos podem contratar alguém para lhe limpar o sarampo. É um perigo muito real.

      Eliminar