quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Os "RATADAS" que tomaram conta do PS Madeira.Gil Canha escreve magistralmente sobre o tema




Os Ratadas do Kung-fu

Gil Canha

Em criança, andei no famoso Externato Nuno Álvares Pereira, mais  conhecido pela Escola do  Caroço, que ficava ali para os lados de São Pedro e que era gerido de uma forma implacável pelo Prof. Velez Caroço e sua querida esposa, Dona Helena, a Pevide. Quando acabavam as aulas, tínhamos que sair obrigatoriamente pelo assustador Beco do Madureira, que para nós era uma espécie de via-sacra. Não que o beco fosse escuro ou algo assim, o problema era um grupo de rufiões, “os Ratadas”, que eram encabeçados por um rapazola todo armão, a quem chamavam o “Careca” (aliás, tinham todos o cabelo rapado, pois frequentavam a Escola da Polícia, instituição dedicada aos delinquentes juvenis, e que funcionava antes do 25 de Abril de 74, num prédio na Rua Nova de S. Pedro) e que se posicionavam a meio do beco, com o objetivo de afiambrar os “meninos” que saíam do colégio. Eram rasteiras, carrolaços e pontapés no traseiro à mão-de-semear… e sigam para casa “seus merdosos meninos da mamã!”. 
Um dia, um dos nossos colegas mais endinheirado e contando com um precioso contacto no “submundo” funchalense, conseguiu contratar o famoso e terrível “Enxofre” que, juntamente com o Diabo-à-Solta, eram os rufias mais temíveis da cidade, havendo mesmo polícias que tinham grande receio em lidar com estes estroinas, pois bastava só pronunciar o nome deles, para muitos valentes se borrarem de medo. 
Na tarde combinada e quando os Ratadas se preparavam para distribuir a sua “ração” diária de porrada em cima da canalha pequena do Caroço, apareceu o terrível Enxofre que, a soco e a pontapé, desbaratou os outrora garbosos “chefões” do Beco do Madureira. Depois da incursão punidora do Enxofre, os Ratadas esfumaram-se do beco, e dias mais tarde, alguém chegou ao colégio a contar, até com alguma pena, que encontrara os Ratadas na Praia do Cambado (junto ao antigo varadouro de São Lazaro), cabisbaixos, ombros descaídos e quase todos com as monas inchadas, sinais indeléveis da passagem demolidora das impiedosas manápulas do Enxofre.   
Desta forma o beco ganhou a sua paz e nas tardes soalheiras, voltaram as alegres correrias de miúdos de batas-brancas aos gritos, correndo alegremente com as suas pastas e cestas do almoço, a caminho dos lares e do afago dos seus queridos pais, e assim se passou candidamente o ano lectivo segundo os sagrados ditames do “viver habitualmente” do dr. Oliveira Salazar.
No início do ano seguinte, chegaram notícias perturbadoras ao Caroço. O Fagulha, o aluno mais novo da nossa classe, afiançou que fora a uma matiné no Cinema João Jardim, e vira os Ratadas a saírem do cinema de peito inchado e todos “enervados” por causa dum filme de Kung –fu:
 – Um senhor tocou sem querer num dos Ratadas, e eles começaram aos gritos – ôh…ôh…ôh…  e a imitarem violentamente os gestos marciais do Bruce Lee, e o grandalhão, o dos dentes podres… lembram-se?!  Levantou uma das patas e em posição de equilíbrio de bailarina de ballet,  fez um cruzamento de braços em modos de Karatê. – E, entusiasmado, imitou os gestos deles ...ôh…ôh…ôh! E continuou:   - Vocês deviam de vê-los aos urros, todos excitados com a merda do filme – e quase lhe faltando o ar – sentenciou:
 -  Alguma coisa se passou, porque eles estão novamente com a garimpa levantada! 
E os maus presságios cumpriram-se.Numa bela tarde de Novembro fomos todos emboscados pelos Ratadas a meio do Beco do Madureira, e levámos um arraial de porrada de fazer chorar as pedras da calçada. Naqueles tempos ninguém se atreveu a contar aos pais, porque era uma sova a duplicar, pois aos meninos não era permitido se baterem uns aos outros. 
 Reconquistado o beco, os Ratadas voltaram a dominar, ainda mais fanfarrões e agressivos que outrora. Obviamente, que foram enviadas desesperadas missões à Zona Velha, no sentido de se apurar o paradeiro do temível Enxofre. Uma velha desdentada do Largo do Corpo Santo, deu pesarosa notícia: - O malino do Enxofre comeu com 5 anos de xelindró! 
– Ainda foi tentada uma manobra de último recurso, e alguém ainda perguntou pelo Diabo-à-Solta. – Coitadinho! – respondeu a idosa - Está todo amassadinho, a polícia caiu em cima dele como se fosse uma saquinha de milho estraçoado, nem um dedinho levanta!  (Informaram-me há dias que o Diabo-à-Solta é hoje um cidadão exemplar, abre e cose cadáveres às ordens de médicos legistas)
Resignados, regressámos aos pedagógicos “bolos” do Prof. Velez Caroço, aos tabefes da Dona Pevide e ao cruel suplício dos estarolas do Beco do Madureira. Anos mais tarde, já no liceu, soubemos que um dos Ratadas tinha sido preso, outro tornara-se toxicodependente, e o líder do grupo, o Careca, tinha fugido para Jersey, após ter engravidado uma xavelha e ter escapado por pouco a uma navalhada apontada pelo irmão da rapariga desonrada.
E fui buscar estes factos, porque, na semana passada, abeirei-me da varanda do meu gabinete, na Rua da Alfandega, e deliciado observei os novos vencedores do PS/Madeira todo inchados de vaidade, como se tivessem o rei-na-barriga, pavoneando-se todos armões em frente à sede do partido, como se fossem faisões dourados num jardim dum Marajá.  
Esta divertida cena fez-me lembrar logo os Ratadas, os pobres diabos do Beco do Madureira, e feliz, imaginei os novos líderes do PS/Madeira a saírem do velho Cinema João Jardim, todos excitados com os filmes de Kung-fu… ôh…ôh…ôh… e imensamente agradecidos pelo temível Enxofre (deles) estar velho e ressequido na casa da mamã, no cimo do Quebra Costas.   
   
Gil Cada Vez mais Ressabiado Canha (fénix do Atlântico)

Sem comentários:

Enviar um comentário