Do romântico ao líder autoritário com sentido de humor sarcástico
Luta Popular. Arnaldo Matos, advogado madeirense e antigo líder do PCTP/MRPP, está de regresso à batalha política. Fernando Rosas salienta a sua inteligência. Diana Andringa a coragem
“Um romântico, um feiticeiro, com uma capacidade rara de seduzir, de hipnotizar (...) O nosso Rasputinezinho.” Foi com poesia que Natália Correia definiu, um dia, o “grande educador da classe operária”, Arnaldo Matos, um dos líderes mais polémicos da extrema-esquerda portuguesa durante o período revolucionário e que agora voltou ao centro das atenções.Um regresso em que o romantismo não casa com a dureza dos seus ataques à esquerda – “Política de esquerda esta? Isto não é política de esquerda. Isto é tudo um putedo!” – mantendo o mesmo tom, o mesmo tipo de linguagem metafórica, a mesma agressividade de há 40 anos, quando o partido que ajudou a fundar garantia “a revolução avança a todo o vapor ou morre!”Diz quem com ele privou nos anos 1970 e 80 que o tempo para Arnaldo Matos “parece ter ficado fechado numa cápsula”, como se “nada no mundo se tivesse alterado”.
O fundador do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) zangou-se com a perda de mais de dois mil votos nas últimas legislativas, que levaram à suspensão dos membros da direção, entre eles Garcia Pereira, e atacou as movimentações de António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins na tentativa de ser formada uma coligação de esquerda. Arnaldo Matos, revoltado, fez questão de elevar a voz em editoriais no site oficial do PCPT/MRPP, Luta Popular. Questiona como é que o BE – “bloco da classe média urbana” – e o PCP – “um partido revisionista e social-fascista” – podem apoiar um partido como o PS. O advogado madeirense de 76 anos diz mesmo os seus militantes que com as centrais sindicais ao lado de um novo governo, os trabalhadores terão de lutar “contra todos os sindicatos oportunistas uma luta de morte”.
As suas palavras não surpreendem quem o conhece e partilhou com ele os mesmos ideais, pelo menos até aos finais dos anos 1970, como o historiador e político 1. Arnaldo Matos (ao centro) com Garcia Pereira (esq.) e Diogo Freitas do Amaral no congresso A Revolução de Abril. 1974-1775, no ano passado 2. O ex-líder do MRPP com a família em dia de eleições (1980) 3. Num comício do MRPP em julho de 1979. Fernando Rosas – que chegou a dirigir o jornal Luta Popular, até 1979. “Arnaldo Matos mantém inalterável as características do seu discurso. O que escreveu recentemente parece igual ao que escrevia nos tempos de luta do MRPP”, comentou ao DN Fernando Rosas, que saiu do partido em 1980 e perdeu a ligação com Arnaldo Matos há cerca de 20 anos. E se do afastamento nada quer revelar, o historiador não tem dificuldade em recordar o carácter “determinado e autoritário” do advogado.
De Arnaldo Matos, Rosas salienta a “inteligência” e o dom da oratória. “Era um homem carismático, que tinha grande influência e reinava como dirigente absoluto do MRPP”, afirma, adiantando que, apesar de oficialmente Arnaldo se ter afastado da direção do partido em 1982, “verdadeiramente nunca se afastou de coisa nenhuma”, como é visível nos editoriais que foi assinando ao longo dos anos. As grandes decisões do MRPP sempre tiveram a mão de Arnaldo Matos, até mesmo quando foi preso, juntamente com mais 400 militantes do partido, em maio de 1975 – altura em que nasce o mito do “grande educador da classe operária”. “Ele tinha grande preponderância”, concluiu .
A jornalista Diana Andringa já não estava no partido quando Arnaldo Matos deixa a presidência – por considerar, como o próprio afirmou, que a “contrarrevolução tinha ganho a revolução” – mas recorda muitos momentos com o responsável do MRPP. “Era um excelente orador, extremamente inteligente e, ao contrário do que algumas pessoas dizem, era possível discutir ideias com ele. Tivemos muitas discussões e aceitava-as com sentido de humor. Um humor sarcástico”, contou ao DN Diana Andringa.
“Era um humor próprio das pessoas inteligentes”, observa outro antigo militante do partido que, ao contrário da jornalista, recusou dar o nome porque o “passado de loucura” de que fez parte “é para esquecer”. “Ele era demasiado autoritário, quem discordava das suas ideias era afastado. Acredito que tenha muitos admiradores, mas também ganhou muitos inimigos”, disse ao DN um antigo militante.
Diana Andringa aceita que a personalidade de Arnaldo Matos não agrade a todos, até porque “sempre foi um homem que nunca aceitou fazer parte da normalização que se tenta impor a todos”. E finaliza: Arnaldo Matos sempre teve a coragem das suas convicções e defendia-as. Há 40 anos e agora”.-- Diário de Noticias de Lisboa ed. de Domingo
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