Reflexão sobre as eleições
por Miguel Urbano Rodrigues
A campanha da coligação reacionária intitulada "Portugal à Frente", apoiada ostensivamente pela maioria dos órgãos de comunicação social, excedeu em demagogia, hipocrisia e mentiras as anteriores de Passos & Portas. Chocante foi também a cobertura oferecida aos micro-partidos dos quais apenas o PAN elegeu um deputado.
As televisões, as rádios e os jornais ditos de referência subscreveram a tese oficial de que não havia alternativa para a austeridade. Não negaram que Portugal está mais endividado e empobrecido, que os objetivos da parceria PSD-CDS não foram atingidos, que o deficit em 2014 (com o rombo do adiamento da venda do Novo Banco) era afinal o mesmo de 2011, mas evitaram responsabilizar o governo. De modo geral, a situação catastrófica do Pais foi falsamente atribuída ao funcionamento de leis da economia e da finança que atingiram também outros povos.
Passos, Portas e os seus candidatos enalteceram com despudor a sua obra devastadora. Citaram tantas vezes a Irlanda e a Grécia que as citações massacraram os eleitores quase como um refrão.
Coincidiram nos insultos ao povo grego, mas abstiveram-se de reconhecer que a Irlanda reduziu com êxito as exigências de Bruxelas enquanto aqui o governo foi mais longe do que lhe era pedido no sinistro memorando.
Não ousaram confessar o óbvio, a determinação de prosseguir a política que arruinou o país. Abstiveram-se falar do seu programa de governo e da estratégia que anunciaram à União Europeia.
A ministra das Finanças, candidata por Setúbal, chamou a atenção pelo seu estilo melífluo. Ela, que não costuma sorrir, abriu-se desta vez em sorrisos. Terá estabelecido um recorde de mentiras com o discurso tecnocrático em que virou do avesso a realidade, negando fraudes de que foi cúmplice, falsificando números, e apresentando como grandes vitórias e sábias decisões os atos governativos que conduziram o Pais à ruína.
Passos falou como um cônsul romano em vésperas de ser aclamado pelo Senado. O seu triunfalismo arrogante apresenta já matizes patológicos.
Portas, hoje descredibilizado mesmo no seio da família coligada, passeou ombro a ombro com Passos, de Norte a Sul, com ou sem chapéu, distribuindo promessas e fugindo a vaias.
A CDU – cujo núcleo fulcral é o PCP – fez uma grande campanha. Os seus comícios e arruadas atraíram multidões. O entusiasmo que envolveu o candidato comunista de Norte a Sul do Pais foi transparente. Mas a eleição de 17 deputados – mais um do que na anterior legislatura – ficou aquém da expectativa.
O Bloco de Esquerda – mérito de Catarina Martins, inteligente e simpática – elegeu 19, um resultado que meses atrás era imprevisível. Partido sem ideologia definida, o BE beneficiou do voto de socialistas frustrados e de eleitores potenciais da CDU.
O QUE VAI ACONTECER
Os comentaristas de serviço dedicam-se agora a prever que governo sairá de um parlamento no qual a coligação vencedora obteve apenas uma maioria relativa, 104 deputados. Dos 9 439 651 eleitores inscritos votaram nela somente 2 071 376 (a abstenção foi levemente superior a 43%).
O Presidente da Republica, que se comportou como um aliado do governo, vai agora incumbir Passos Coelho de formar governo.
Mas que governo? Como escreveu o diretor executivo do semanário de direita Expresso, a vitória do PSD-CDS "só chega para um governo provisório".
O povo português pronunciou-se nas urnas contra a política da coligação reacionária. Os três partidos da oposição elegeram 121 deputados e a aliança PSD-CDS apenas 104 (falta apurar os 4 da emigração).
Existe portanto agora no Parlamento uma maioria que teria força suficiente para viabilizar uma mudança no rumo da sociedade portuguesa. No entanto, ela não ocorrerá porque o PS não a deseja e prefere negociar com o PSD-CDS.
Passos revelou temor do futuro. Apressou-se aliás a lançar um apelo à cooperação do PS, sublinhando que sem ela as suas "reformas" não serão possíveis.
No momento é imprevisível o que vai acontecer nas próximas semanas.
Mas o discurso de António Costa, ontem, foi ambíguo. Se respeitasse compromissos assumidos durante a campanha, o PS não deixaria passar no Parlamento um governo PSD-CDS.
Mas o próprio emprego contraditório que na sua fala fez do verbo "inviabilizar" não justifica a esperança de uma política de firmeza perante as forças lideradas por Passos & Portas.
LIÇÕES DAS ELEIÇÕES
Que ensinamentos extrair destas eleições?
Em primeiro lugar cabe perguntar por que não castigou o eleitorado severamente nas urnas os partidos responsáveis pela ruina do Pais? Como explicar que quatro décadas após o 25 de Abril mais de dois milhões de portugueses tenham concedido uma maioria parlamentar relativa a uma aliança de direita que assume posições ideológicas aparentadas com o fascismo?
A resposta a essas perguntas conduz a uma conclusão dolorosa.
As novas gerações de portugueses têm muito pouco de comum com aquela que tornou possível Abril e soube depois defender com firmeza as suas grandes conquistas sociais.
Hoje o nível de consciência de classe e de consciência política da maioria dos portugueses é muito baixo. A sociedade mudou profundamente. A ideologia do capitalismo, sob o bombardeamento esmagador da classe dominante, sobretudo após a entrada de Portugal na União Europeia, fez estragos devastadores.
Não estamos perante um caso único. A História apresenta-nos situações similares. Na Rússia, por exemplo.
A grande geração da Revolução de Outubro, que a defendeu com heroísmo, e a seguinte, que resistiu vitoriosamente à agressão do Reich nazi e fez da União Soviética a segunda potência mundial, não tiveram continuidade. Os filhos e netos dos revolucionários de Outubro acompanharam passivamente a ofensiva contra-revolucionária de Gorbatchov e Ieltsin e do imperialismo que destruiu a URSS, reimplantando na Rússia o capitalismo.
Como comunista sou e continuarei a ser otimista. O sistema capitalista não é reformável por desumano e está condenado a desaparecer.
O resultado das eleições foi insatisfatório. Estavam reunidas condições objectivas para se infligir uma derrota esmagadora às forças que ocupam o poder. Faltavam porém as subjectivas.
Mas, como afirmou odiario.info na sua NOTA DOS EDITORES, é na força criadora das massas populares que o povo português encontrará a saída para o desfecho das eleições.
O original encontra-se em www.odiario.info/?p=3791
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
A aliança PSD-CDS foi a força mais votada nas eleições legislativas, mas teve uma quebra de quase 750 mil votos em relação a 2011, perdendo a maioria absoluta.
A campanha da coligação reacionária intitulada "Portugal à Frente", apoiada ostensivamente pela maioria dos órgãos de comunicação social, excedeu em demagogia, hipocrisia e mentiras as anteriores de Passos & Portas. Chocante foi também a cobertura oferecida aos micro-partidos dos quais apenas o PAN elegeu um deputado.
As televisões, as rádios e os jornais ditos de referência subscreveram a tese oficial de que não havia alternativa para a austeridade. Não negaram que Portugal está mais endividado e empobrecido, que os objetivos da parceria PSD-CDS não foram atingidos, que o deficit em 2014 (com o rombo do adiamento da venda do Novo Banco) era afinal o mesmo de 2011, mas evitaram responsabilizar o governo. De modo geral, a situação catastrófica do Pais foi falsamente atribuída ao funcionamento de leis da economia e da finança que atingiram também outros povos.
Passos, Portas e os seus candidatos enalteceram com despudor a sua obra devastadora. Citaram tantas vezes a Irlanda e a Grécia que as citações massacraram os eleitores quase como um refrão.
Coincidiram nos insultos ao povo grego, mas abstiveram-se de reconhecer que a Irlanda reduziu com êxito as exigências de Bruxelas enquanto aqui o governo foi mais longe do que lhe era pedido no sinistro memorando.
Não ousaram confessar o óbvio, a determinação de prosseguir a política que arruinou o país. Abstiveram-se falar do seu programa de governo e da estratégia que anunciaram à União Europeia.
A ministra das Finanças, candidata por Setúbal, chamou a atenção pelo seu estilo melífluo. Ela, que não costuma sorrir, abriu-se desta vez em sorrisos. Terá estabelecido um recorde de mentiras com o discurso tecnocrático em que virou do avesso a realidade, negando fraudes de que foi cúmplice, falsificando números, e apresentando como grandes vitórias e sábias decisões os atos governativos que conduziram o Pais à ruína.
Passos falou como um cônsul romano em vésperas de ser aclamado pelo Senado. O seu triunfalismo arrogante apresenta já matizes patológicos.
Portas, hoje descredibilizado mesmo no seio da família coligada, passeou ombro a ombro com Passos, de Norte a Sul, com ou sem chapéu, distribuindo promessas e fugindo a vaias.
A CDU – cujo núcleo fulcral é o PCP – fez uma grande campanha. Os seus comícios e arruadas atraíram multidões. O entusiasmo que envolveu o candidato comunista de Norte a Sul do Pais foi transparente. Mas a eleição de 17 deputados – mais um do que na anterior legislatura – ficou aquém da expectativa.
O Bloco de Esquerda – mérito de Catarina Martins, inteligente e simpática – elegeu 19, um resultado que meses atrás era imprevisível. Partido sem ideologia definida, o BE beneficiou do voto de socialistas frustrados e de eleitores potenciais da CDU.
O QUE VAI ACONTECER
Os comentaristas de serviço dedicam-se agora a prever que governo sairá de um parlamento no qual a coligação vencedora obteve apenas uma maioria relativa, 104 deputados. Dos 9 439 651 eleitores inscritos votaram nela somente 2 071 376 (a abstenção foi levemente superior a 43%).
O Presidente da Republica, que se comportou como um aliado do governo, vai agora incumbir Passos Coelho de formar governo.
Mas que governo? Como escreveu o diretor executivo do semanário de direita Expresso, a vitória do PSD-CDS "só chega para um governo provisório".
O povo português pronunciou-se nas urnas contra a política da coligação reacionária. Os três partidos da oposição elegeram 121 deputados e a aliança PSD-CDS apenas 104 (falta apurar os 4 da emigração).
Existe portanto agora no Parlamento uma maioria que teria força suficiente para viabilizar uma mudança no rumo da sociedade portuguesa. No entanto, ela não ocorrerá porque o PS não a deseja e prefere negociar com o PSD-CDS.
Passos revelou temor do futuro. Apressou-se aliás a lançar um apelo à cooperação do PS, sublinhando que sem ela as suas "reformas" não serão possíveis.
No momento é imprevisível o que vai acontecer nas próximas semanas.
Mas o discurso de António Costa, ontem, foi ambíguo. Se respeitasse compromissos assumidos durante a campanha, o PS não deixaria passar no Parlamento um governo PSD-CDS.
Mas o próprio emprego contraditório que na sua fala fez do verbo "inviabilizar" não justifica a esperança de uma política de firmeza perante as forças lideradas por Passos & Portas.
LIÇÕES DAS ELEIÇÕES
Que ensinamentos extrair destas eleições?
Em primeiro lugar cabe perguntar por que não castigou o eleitorado severamente nas urnas os partidos responsáveis pela ruina do Pais? Como explicar que quatro décadas após o 25 de Abril mais de dois milhões de portugueses tenham concedido uma maioria parlamentar relativa a uma aliança de direita que assume posições ideológicas aparentadas com o fascismo?
A resposta a essas perguntas conduz a uma conclusão dolorosa.
As novas gerações de portugueses têm muito pouco de comum com aquela que tornou possível Abril e soube depois defender com firmeza as suas grandes conquistas sociais.
Hoje o nível de consciência de classe e de consciência política da maioria dos portugueses é muito baixo. A sociedade mudou profundamente. A ideologia do capitalismo, sob o bombardeamento esmagador da classe dominante, sobretudo após a entrada de Portugal na União Europeia, fez estragos devastadores.
Não estamos perante um caso único. A História apresenta-nos situações similares. Na Rússia, por exemplo.
A grande geração da Revolução de Outubro, que a defendeu com heroísmo, e a seguinte, que resistiu vitoriosamente à agressão do Reich nazi e fez da União Soviética a segunda potência mundial, não tiveram continuidade. Os filhos e netos dos revolucionários de Outubro acompanharam passivamente a ofensiva contra-revolucionária de Gorbatchov e Ieltsin e do imperialismo que destruiu a URSS, reimplantando na Rússia o capitalismo.
Como comunista sou e continuarei a ser otimista. O sistema capitalista não é reformável por desumano e está condenado a desaparecer.
O resultado das eleições foi insatisfatório. Estavam reunidas condições objectivas para se infligir uma derrota esmagadora às forças que ocupam o poder. Faltavam porém as subjectivas.
Mas, como afirmou odiario.info na sua NOTA DOS EDITORES, é na força criadora das massas populares que o povo português encontrará a saída para o desfecho das eleições.
07/Outubro/2015
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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