quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A tradição salazarista do respeitinho às hierarquias e organizações de poder. Só agora é que os jornalistas descobrem que o actual MP não passa de uma organização fascista!

 Editorial de Eduardo Dâmaso director da Revista Sábado

                   
  Os jornalistas são impunes? A divulgação da violação do sigilo profissional de quatro jornalistas, promovida pelo Ministério Público (MP), foi confundida, em alguns meios, com a pretensão desta classe a um estatuto de impunidade perante a lei. Nada mais errado. Os cidadãos que também são jornalistas estão tão sujeitos ao Código Penal como qualquer outra pessoa. A sua qualidade profissional de jornalistas também não os isenta da aplicação da lei, nos casos em que possa existir um manifesto abuso do poder que a edição e publicação de textos, imagem e som lhes confere, em clara violação dos seus deveres e obrigações profissionais. O jornalismo e os jornalistas não são impunes a nenhum nível. Pelo contrário, representam mesmo uma das profissões mais escrutinadas em Portugal, através da lei penal e civil, portanto, dos tribunais, de órgãos administrativos como a Comissão da Carteira Profissional e a Entidade Reguladora da Comunicação Social. Para lá do mercado, claro. Mas isso não pode significar uma relativização insustentável sobre aquilo que são os mecanismos de blindagem jurídica do segredo profissional e de outras prerrogativas que suportam o valor constitucional da liberdade de imprensa face a outros direitos fundamentais, bem como a sua importância no Direito Internacional. 
  Colocar em confronto o valor da liberdade de imprensa face à violação do segredo de justiça e, em cima disso, aceitar a utilização de meios especiais de investigação contra jornalistas, que num tribunal democrático não são aceitáveis contra ninguém a não ser nos casos de investigação do crime organizado previstos na lei, é uma violência inaceitável. Nesta visão mesquinha, jamais o Le Monde teria divulgado o crime de Estado que foi a bomba colocada no navio do Greenpeace. Jamais teriam sido denunciados crimes de corrupção na vida pública, política ou não.   Jamais teriam sido conhecidas as violações aos direitos e à saúde dos consumidores em casos relacionados com a indústria do tabaco e dos pesticidas. Nos casos Watergate e Papéis do Pentágono teria prevalecido o debate sobre as violações iniciais do segredo de justiça e nunca a atuação delinquente do Governo de Nixon.  Jamais os jornalistas do Boston Globe teriam conseguido furar a proteção do poder político e de parte do poder judicial aos padres pedófilos da igreja norte-americana. Nessa visão paroquial da hierarquia de crimes e meios de investigação face ao jornalismo, defendida por alguns elementos do MP, entre outros iluminados do meio judicial português, inclusive constitucionalistas de longa vida partidária, criticar esta magistratura e a sua ação neste caso é um crime. Isto é dito e escrito, sem vergonha, por pessoas com responsabilidade no MP.
  A tradição salazarista do respeitinho às hierarquias e organizações de poder, seja ele político, económico ou judicial, está muito mais presente na nossa sociedade do que suspeitamos. Pois, pela minha parte, que há mais de 30 anos abracei este mundo fascinante do crime e da delinquência através do jornalismo, podem estar descansados. Não vou parar de publicar o que, por ser verdadeiro e de interesse público, não deve ser travado por leis que apenas protegem interesses de pequenos grupos e não da comunidade. 
  Não vou esconder factos cujo conhecimento não é um privilégio dos jornalistas mas um direito do cidadão. Não serão nem essas eminências pardasda autoridade processual penal nem a hipocrisia dos oráculos que interpretam a Constituição de acordo com as conveniências e idiossincrasias pessoais que travarão a SÁBADO. Antes a prisão a uma vida de arrependimento por ter passado ao lado de tudo em que acredito.





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