Os jornalistas são impunes?
A divulgação da violação do sigilo profissional de quatro jornalistas, promovida pelo Ministério Público (MP), foi
confundida, em alguns meios, com a
pretensão desta classe a um estatuto
de impunidade perante a lei. Nada
mais errado. Os cidadãos que também
são jornalistas estão tão sujeitos ao
Código Penal como qualquer outra
pessoa. A sua qualidade profissional
de jornalistas também não os isenta da
aplicação da lei, nos casos em que
possa existir um manifesto abuso do
poder que a edição e publicação de
textos, imagem e som lhes confere, em
clara violação dos seus deveres e obrigações profissionais. O jornalismo e os jornalistas não são impunes a nenhum
nível. Pelo contrário, representam
mesmo uma das profissões mais escrutinadas em Portugal, através da lei
penal e civil, portanto, dos tribunais, de
órgãos administrativos como a Comissão da Carteira Profissional e a Entidade Reguladora da Comunicação Social. Para lá do mercado, claro.
Mas isso não pode significar uma relativização insustentável sobre aquilo
que são os mecanismos de blindagem
jurídica do segredo profissional e de
outras prerrogativas que suportam o
valor constitucional da liberdade de
imprensa face a outros direitos fundamentais, bem como a sua importância
no Direito Internacional.
Colocar em
confronto o valor da liberdade de imprensa face à violação do segredo de
justiça e, em cima disso, aceitar a utilização de meios especiais de investigação contra jornalistas, que num tribunal democrático não são aceitáveis
contra ninguém a não ser nos casos de
investigação do crime organizado previstos na lei, é uma violência inaceitável. Nesta visão mesquinha, jamais o
Le Monde teria divulgado o crime de
Estado que foi a bomba colocada no
navio do Greenpeace. Jamais teriam
sido denunciados crimes de corrupção
na vida pública, política ou não. Jamais
teriam sido conhecidas as violações
aos direitos e à saúde dos consumidores em casos relacionados com a indústria do tabaco e dos pesticidas. Nos
casos Watergate e Papéis do Pentágono teria prevalecido o debate sobre as
violações iniciais do segredo de justiça
e nunca a atuação delinquente do Governo de Nixon. Jamais os jornalistas
do Boston Globe teriam conseguido
furar a proteção do poder político e de
parte do poder judicial aos padres pedófilos da igreja norte-americana.
Nessa visão paroquial da hierarquia de
crimes e meios de investigação face ao
jornalismo, defendida por alguns elementos do MP, entre outros iluminados do meio judicial português, inclusive constitucionalistas de longa vida
partidária, criticar esta magistratura e a
sua ação neste caso é um crime. Isto é
dito e escrito, sem vergonha, por pessoas com responsabilidade no MP.
A
tradição salazarista do respeitinho às
hierarquias e organizações de poder,
seja ele político, económico ou judicial, está muito mais presente na nossa
sociedade do que suspeitamos. Pois,
pela minha parte, que há mais de 30
anos abracei este mundo fascinante
do crime e da delinquência através do
jornalismo, podem estar descansados.
Não vou parar de publicar o que, por
ser verdadeiro e de interesse público,
não deve ser travado por leis que apenas protegem interesses de pequenos
grupos e não da comunidade.
Não
vou esconder factos cujo conhecimento não é um privilégio dos jornalistas mas um direito do cidadão. Não
serão nem essas eminências pardasda autoridade processual penal nem a
hipocrisia dos oráculos que interpretam a Constituição de acordo com as
conveniências e idiossincrasias pessoais que travarão a SÁBADO. Antes a
prisão a uma vida de arrependimento
por ter passado ao lado de tudo em
que acredito.
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