sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Liberdade de imprensa :Julian Assange com a vida em risco. Escreve no jornal Público: Francisco Teixeira da Mota

 Escrever Direito  Julian Assange com a vida em risco

A decisão, da passada segunda-feira, da juíza Vanessa Baraister, de absolver Julian Assange do pedido de extradição apresentado pelos EUA, não é, provavelmente, mais do que um curto adiamento no inexorável caminho do martírio do fundador do WikiLeaks. 
Inicialmente, Assange era suposto ser extraditado para a Suécia ao abrigo de um mandado de detenção europeu, mas evitou a sua entrega, exilando-se na embaixada do Equador em Londres em 19 de Junho de 2012, onde permaneceu durante sete anos. 
 Entretanto, a Suécia desinteressou-se da sorte de Assange e os EUA entraram em cena, pretendendo a sua extradição, de início por ter incitado o então militar norte-americano Bradley Manning (actualmente Chelsea Manning) a descodificar uma password para tentar entrar numa rede de computadores do Ministério da Defesa mas, posteriormente, acusando-o pela prática de 18 crimes susceptíveis de o fazer passar mais de 100 anos nas prisões norte-americanas. As acusações consistem essencialmente em ter conspirado para invadir computadores e sistemas informáticos, obtendo, recebendo e divulgando informações confidenciais respeitantes à segurança nacional dos EUA. E, sobretudo, os EUA acusam Assange de ter revelado a identidade de colaboradores dos EUA, no Iraque por exemplo, que desapareceram e que não se sabe se foram, ou não, até eventualmente liquidados pelos taliban ou outras organizações terroristas em virtude das revelações do WikiLeaks. Por outro lado, como já referimos aqui, “as centenas de milhares de documentos divulgados pela WikiLeaks revelaram inúmeros factos graves, ilegais e até criminosos das autoridades norte-americanas, todos eles verdadeiros, todos eles ocultados até aí. No YouTube, o vídeo do criminoso ataque do helicóptero Apache já foi visto por mais de 17 milhões de pessoas. E é este levantar do opaco pano governamental, este mostrar da verdade dos factos ocultada pelos comunicados e declarações oficiais, que os EUA não perdoam”.
  Assange, na sua oposição à extradição, levantou inúmeras questões técnicas e de fundo, desde o decurso do tempo desde os factos em causa à má-fé da investigação conduzida pelos EUA, aos motivos de perseguição política que estariam proibidos pelo tratado de extradição existente entre os EUA e o Reino Unido, bem como os direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, tais como a proibição da tortura e dos tratamentos desumanos e degradantes, o direito a um processo equitativo, o respeito pelo princípio da legalidade ou, ainda, a liberdade de expressão. Mas a verdade é que o tribunal inglês afastou todas as considerações e objecções jurídicas à extradição, nomeadamente por considerar que as mesmas não punham em causa os seus fundamentos, podendo ser motivo de discussão e de prova mas em sede de julgamento já nos EUA... 
 A juíza Vanessa Baraister rejeitou, no entanto, a extradição de Assange por motivos exclusivamente humanitários e de saúde, por considerar, nomeadamente, face à prova psiquiátrica produzida, que Assange, que é uma pessoa deprimida, corria o sério risco de, extraditado para os EUA, ser colocado num programa administrativo especial com uma série de medidas gravosas, entre as quais uma restrição quase absoluta de qualquer tipo de contactos com terceiros, mesmo familiares ou advogados, que o conduziria, muito provavelmente, ao suicídio. E, nos termos da lei, o pedido de extradição deve ser rejeitado se a mesma for “injusta ou opressiva” tendo em conta a condição física ou mental da pessoa em causa...
  Assange terá respirado fundo com esta decisão mas não descansou, até porque a juíza lhe recusou a liberdade sob fiança, mantendo-o detido enquanto aguarda o resultado do recurso já anunciado pelo Departamento de Justiça dos EUA, que declarou num comunicado que, “embora estejamos extremamente desapontados com a decisão final do tribunal, estamos gratos que os Estados Unidos tenham prevalecido em todos os pontos legais levantados. Em particular, o tribunal rejeitou todos os argumentos do Sr. Assange sobre motivação política, ofensa política, julgamento justo e liberdade de expressão. O recurso vai certamente centrar-se nas garantias de “bom tratamento” de Julian Assange e vai ser, inevitavelmente, uma batalha muito complicada para a sua sobrevivência.



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