Trump e a liberdade de expressão
Escrever Direito
Francisco Teixeira da Mota
Ninguém terá muitas dúvidas
de que Donald Trump é um
bandido. Como ninguém terá
muitas dúvidas de que este
Presidente norte-americano
revelou uma ausência de
pudor, princípios e escrúpulos dificilmente
imagináveis num Presidente de um Estado
democrático. No que se refere às
intervenções públicas de Donald Trump,
pré e pós-eleições presidenciais, também
me parece que muito pouca gente terá
dúvidas que a sua estratégia de pôr em
causa a legitimidade e a validade das
eleições não tinha qualquer fundamento
real. Fora um único caso e numa questão
lateral, cerca de 60 decisões de tribunais —
proferidas por juízes nomeados ou não por
Trump — arrasaram as pretensões e as
alegações, quanto às alegadas fraudes
eleitorais, do Nightmare Team liderado por
Rudy Giuliani.
Quero crer também que ninguém
duvidará da existência de um intencional
crescendo confrontacional até à invasão do
Capitólio, orquestrado e alimentado nas redes sociais por Trump, como derradeira
forma de pôr em causa as eleições e de se
manter no poder, num sistemático desafio
às instituições e ao sistema democrático
norte-americano.
Certo é que, na sequência dos
acontecimentos do Capitólio, as grandes
empresas tecnológicas, como a Apple,
a Google, a Amazon, entre outras,
decidiram afastar Trump e as versões mais
radicais das teorias conspiracionistas da
extrema-direita norte-americana, como a
QAnon, do mundo das redes sociais,
nomeadamente do Twitter, do Facebook e
Snapchat. Trump, que, diabolizando os
meios de comunicação social tradicionais
através do Twitter, construiu uma realidade
alternativa, com dezenas de milhões de
seguidores, viu-se subitamente silenciado
por as suas mensagens porem em causa a
segurança das pessoas, segundo os
responsáveis daquelas empresas.
A rede social Parler, onde as
comunicações mais conspirativas e
violentas não eram objecto de qualquer
regulação e que se estava a construir como
uma alternativa da extrema-direita ao
Twitter, deixou, na prática, de existir com a
decisão da Amazon de lhe recusar a
utilização dos seus servidores.
Para a Parler, a Amazon e o Twitter estão
coligados para fazê-la desaparecer do
mercado e, por isso, já apresentou uma
acção judicial, invocando práticas
anti concorrenciais abusivas e violação das
obrigações contratuais por parte da Amazon, pedindo que aquela decisão seja
imediatamente suspensa.
Como é por de mais evidente, estamos a
assistir a uma gigantesca batalha sobre a
dimensão da liberdade de expressão em
tempos de redes sociais. Dúvidas não há nos
EUA, depois da decisão do Supremo
Tribunal, no caso Brandenburg versus Ohio
(1969), de que as expressões exaltadas ou
provocatórias só não são protegidas pela
liberdade de expressão quando sejam
direcionadas para incitar ou produzir uma
iminente ação ilegal e, provavelmente, a
produzirão. Esse parece ser o evidente caso
dos inflamados discursos de Trump que
antecederam a invasão do Capitólio e daí,
também, o processo de destituição de
Trump aprovado pelo Congresso.
Mas a grande questão que se põe é a de
saber se devem ser as grandes empresas
tecnológicas a regular e a definir os limites da liberdade de expressão.
tecnológicas a regular e a definir os limites da liberdade de expressão.
Até onde podem ir o Twitter e o Facebook
na censura do que é publicado nessas
redes? Pode-se sempre dizer que as
empresas e as redes sociais são instituições
privadas e não podem ser obrigadas a
publicar ou a divulgar mensagens que vão
contra as suas políticas, e que quem quiser
publicar essas mensagens é livre de buscar
outro local para o fazer. Mas o problema
que se está a levantar com o boicote
à Parler ou o banimento de Trump é o de
podermos estar perante um monopólio
das redes sociais em que as decisões dos
CEO dessas empresas condicionam
milhares de milhões de cidadãos na
informação que recebem e produzem. A
chanceler Angela Merkel, por exemplo, já
declarou que considera “problemático” o
banimento de Trump do Twittter e dúvidas
não há de que as restrições à liberdade de
expressão, por melhores que sejam as
intenções, são sempre perigosas. Esteja
atento...
P.S.: A novela da nomeação do
procurador europeu envergonha todos os
envolvidos nas decisões tomadas, salvo os
candidatos preteridos. O primeiro-ministro,
ao apontar como líderes de uma “campanha
internacional contra Portugal” os críticos
Miguel Poiares Maduro, Paulo Rangel e
Ricardo Baptista Leite, veio lembrar-nos
que todos podemos ser Trump.
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