sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

As grandes empresas tecnológicas limitam a liberdade de expressão nos EUA. O caso levanta polémica no pais onde a liberdade de expressão é um valor supremo.

 Trump e a liberdade de expressão

Escrever Direito


 Francisco Teixeira da Mota Ninguém terá muitas dúvidas de que Donald Trump é um bandido. Como ninguém terá muitas dúvidas de que este Presidente norte-americano revelou uma ausência de pudor, princípios e escrúpulos dificilmente imagináveis num Presidente de um Estado democrático. No que se refere às intervenções públicas de Donald Trump, pré e pós-eleições presidenciais, também me parece que muito pouca gente terá dúvidas que a sua estratégia de pôr em causa a legitimidade e a validade das eleições não tinha qualquer fundamento real. Fora um único caso e numa questão lateral, cerca de 60 decisões de tribunais — proferidas por juízes nomeados ou não por Trump — arrasaram as pretensões e as alegações, quanto às alegadas fraudes eleitorais, do Nightmare Team liderado por Rudy Giuliani.  
 Quero crer também que ninguém duvidará da existência de um intencional crescendo confrontacional até à invasão do Capitólio, orquestrado e alimentado nas redes sociais por Trump, como derradeira forma de pôr em causa as eleições e de se manter no poder, num sistemático desafio às instituições e ao sistema democrático norte-americano. 
 Certo é que, na sequência dos acontecimentos do Capitólio, as grandes empresas tecnológicas, como a Apple, a Google, a Amazon, entre outras, decidiram afastar Trump e as versões mais radicais das teorias conspiracionistas da extrema-direita norte-americana, como a QAnon, do mundo das redes sociais, nomeadamente do Twitter, do Facebook e Snapchat. Trump, que, diabolizando os meios de comunicação social tradicionais através do Twitter, construiu uma realidade alternativa, com dezenas de milhões de seguidores, viu-se subitamente silenciado por as suas mensagens porem em causa a segurança das pessoas, segundo os responsáveis daquelas empresas.
 A rede social Parler, onde as comunicações mais conspirativas e violentas não eram objecto de qualquer regulação e que se estava a construir como uma alternativa da extrema-direita ao Twitter, deixou, na prática, de existir com a decisão da Amazon de lhe recusar a utilização dos seus servidores. 
 Para a Parler, a Amazon e o Twitter estão coligados para fazê-la desaparecer do mercado e, por isso, já apresentou uma acção judicial, invocando práticas anti concorrenciais abusivas e violação das obrigações contratuais por parte da Amazon, pedindo que aquela decisão seja imediatamente suspensa.
  Como é por de mais evidente, estamos a assistir a uma gigantesca batalha sobre a dimensão da liberdade de expressão em tempos de redes sociais. Dúvidas não há nos EUA, depois da decisão do Supremo Tribunal, no caso Brandenburg versus Ohio (1969), de que as expressões exaltadas ou provocatórias só não são protegidas pela liberdade de expressão quando sejam direcionadas para incitar ou produzir uma iminente ação ilegal e, provavelmente, a produzirão. Esse parece ser o evidente caso dos inflamados discursos de Trump que antecederam a invasão do Capitólio e daí, também, o processo de destituição de Trump aprovado pelo Congresso.
 Mas a grande questão que se põe é a de saber se devem ser as grandes empresas

tecnológicas a regular e a definir os limites da liberdade de expressão. 
 
Até onde podem ir o Twitter e o Facebook na censura do que é publicado nessas redes? Pode-se sempre dizer que as empresas e as redes sociais são instituições privadas e não podem ser obrigadas a publicar ou a divulgar mensagens que vão contra as suas políticas, e que quem quiser publicar essas mensagens é livre de buscar outro local para o fazer. Mas o problema que se está a levantar com o boicote à Parler ou o banimento de Trump é o de podermos estar perante um monopólio das redes sociais em que as decisões dos CEO dessas empresas condicionam milhares de milhões de cidadãos na informação que recebem e produzem. A chanceler Angela Merkel, por exemplo, já declarou que considera “problemático” o banimento de Trump do Twittter e dúvidas não há de que as restrições à liberdade de expressão, por melhores que sejam as intenções, são sempre perigosas. Esteja atento... 

P.S.: A novela da nomeação do procurador europeu envergonha todos os envolvidos nas decisões tomadas, salvo os candidatos preteridos. O primeiro-ministro, ao apontar como líderes de uma “campanha internacional contra Portugal” os críticos Miguel Poiares Maduro, Paulo Rangel e Ricardo Baptista Leite, veio lembrar-nos que todos podemos ser Trump.
Advogado. Escreve à sexta-feira


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