domingo, 28 de março de 2021

A alta corrupção já era protegida pela Justiça em 1986 no roubo de fundos europeus

 Depois, na Justiça, criaram-se várias cortinas para garantir a impunidade, de omissões legislativas até querelas em torno da interpretação sobre a data do início do delito. E se alguns empresários menos importantes e políticos quase desconhecidos foram condenados (com coimas ou prisão), os casos mais emblemáticos acabariam por ter o mesmo desfecho: a prescrição.

Usaram-se as verbas até para viagens e edição de revistas 

 A 1 de janeiro de 1986, com a entrada de Portugal na CEE (hoje, UE), coincidindo com o início da década do poder cavaquista, o País passou a habituar-se a novas siglas – como FEOGA ou PEDIP, a que correspondiam fundos para financiar projetos de modernização da agricultura ou da indústria. 

 Mas os primeiros escândalos conhecidos de uso indevido das verbas europeias foram com o Fundo Social Europeu (FSE), destinado à formação profissional – e que, entre 1986 e 1989, foi um “lodaçal gigantesco de fraudes”, uma “verdadeira sementeira de corrupção e tráfico de influências”, como denuncia o jornalista Eduardo Dâmaso, no seu livro ‘Corrupção’ (ed. Objectiva). Havendo “dinheiro fácil com abundância”, desde o Grupo Amorim (liderado por Américo Amorim, que viria a ser um dos 200 mais ricos do mundo) até à Caixa Económica Açoreana, da Partex (ligada à Fundação Gulbenkian) à central sindical UGT, os abusos foram-se sucedendo – mas seriam denunciados pela Comunicação Social.

 Misturaram-se, então, interesses privados e decisões políticas, com cumplicidades a diversos níveis, para evitar que o “bom aluno” fosse obrigado a devolver a Bruxelas dinheiro ilegitimamente utilizado. 

 Os instrumentos disponibilizados para a investigação eram extremamente escassos, tanto para o DAFSE (Departamento para os Assuntos do FSE), que centralizaria a apreciação das candidaturas, como para a PJ.

 Eduardo Dâmaso considera que o grupo das primeiras brigadas da Polícia Judiciária tinha “uma missão impossível pela frente”: sem meios, técnicos e humanos, e “lutando contra um prazo de prescrição muito reduzido” (apenas cinco anos), “estava obrigado a palmilhar milhares de quilómetros pelo País, a ouvir milhares de [falsos] formandos, a recolher toneladas de papel”. Em paralelo, com cerca de uma vintena de funcionários, o DAFSE quase se limitaria a ser o ‘guichet’ de entrada de dossiês, primando pela falta de fiscalização. As estratégias para conseguir esse dinheiro foram de subcontratações de empresas que eram meras intermediárias até a custos muito empolados das ações de formação profissional (houve lucros de quase 300%) – chegando mesmo a usar-se tais recursos para viagens ou edição de revistas.   Depois, na Justiça, criaram-se várias cortinas para garantir a impunidade, de omissões legislativas até querelas em torno da interpretação sobre a data do início do delito. E se alguns empresários menos importantes e políticos quase desconhecidos foram condenados (com coimas ou prisão), os casos mais emblemáticos acabariam por ter o mesmo desfecho: a prescrição.



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