sábado, 6 de março de 2021

Maria da Piedade Morgadinho, escreve sobre Lénine, o leninismo e a Revolução Portuguesa

 

Este ano, a 25 de Abril, a Revolução Portuguesa, que mudou Portugal e se repercutiu em todo o mundo, assinala o seu 47.º aniversário.

 A natureza e as características desta revolução, a originalidade do processo revolucionário que a marcou, diferente de outras revoluções que até então ocorreram em vários países, são até hoje, passados tantos anos, objecto de atenção e análise de estudiosos dos processos do desenvolvimento social. Podemos dizer que a nossa Revolução foi um autêntico laboratório que permitiu aferir da correcção e validade não só de teses político-ideológicas do PCP, mas também da autenticidade e actualidade da teoria revolucionária que há mais de 170 anos aponta aos trabalhadores e povos de todo o mundo o caminho para a sua emancipação e libertação da exploração – o marxismo-leninismo.

 O ano passado, a humanidade progressista, as forças revolucionárias, os comunistas, assinalaram o 150.º aniversário do nascimento de Lénine. O PCP teve agendada, em para Março de 2020, a realização de uma Conferência dedicada a esse acontecimento, focada, essencialmente, na actualidade do marxismo-leninismo, nas ideias de Lénine e no seu valioso contributo para o desenvolvimento histórico do marxismo.

 As condições decorrentes da pandemia em curso impediram a realização dessa Conferência.

Ao assinalarmos mais um aniversário do 25 de Abril e mais um do nascimento de Lénine, «O Militante» traz para as suas páginas algumas das notas que de momento não foi possível apresentar.

 A importância, o significado histórico-universal e a actualidade do leninismo devem-se ao mérito de Lénine ao unir a teoria e a prática da transformação revolucionária da sociedade em rigorosa conformidade com a tese de Marx: «até agora os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo mas a questão é transformá-lo». A Revolução Socialista de Outubro confirmou brilhantemente esta tese.

 Em Agosto de 1915, no seu artigo «Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa», Lénine revelou pela primeira vez a existência da lei sobre o desenvolvimento desigual do capitalismo na época do imperialismo, lei que foi a base da fundamentação teórica da possibilidade de triunfo da Revolução de Outubro.

 Esta lei condiciona o amadurecimento desigual das condições políticas favoráveis, em cada país, ao desenvolvimento de um processo revolucionário, ao eclodir de uma revolução.

 Quando revelou a existência desta lei e o seu carácter universal, Lénine estava longe de imaginar que, cerca de 60 anos depois, ela voltaria a ser brilhantemente confirmada, desta vez em Portugal, na Revolução do 25 de Abril, juntamente com outras questões essenciais do marxismo-leninismo.

 Após a morte de Engels, os oportunistas da II Internacional ficaram com as mãos livres e conduziram esta prestigiada organização ao que Lénine denominou de «bancarrota».

 Combatendo firmemente as posições oportunistas e reformistas dos líderes da II Internacional, nas condições exaltantes que se viviam na Rússia, perante as vitórias dos bolcheviques e a sua repercussão em todo o mundo, perante o rápido e impetuoso desenvolvimento do processo revolucionário mundial, Lénine reagrupou os dirigentes revolucionários consequentes do proletariado de vários países e pôs em marcha o processo de constituição de uma nova Internacional, o que viria a concretizar-se em 1919, em Moscovo, com a realização do I Congresso fundador da III Internacional, a Internacional Comunista. O movimento comunista internacional inicia assim uma nova e decisiva fase da sua história, expandindo-se por todos os continentes.

 Em 1920, de 19 de Julho a 7 de Agosto, realizou-se em Moscovo o II Congresso da Internacional Comunista. As suas históricas decisões sobre a estratégia e a táctica do movimento comunista internacional tiveram um papel determinante no desenvolvimento dos partidos comunistas, na sua organização e acção política, na criação de numerosos partidos comunistas em vários países.

 Tiveram grande impacto decisões tão importantes como foram, por exemplo, as relativas à necessidade e ao papel da vanguarda do Partido; à questão do Estado como questão central de uma revolução; à participação dos comunistas no Governo Provisório nas revoluções democráticas e a sua participação no parlamento; à questão dos compromissos com outras forças políticas; à ligação do partido às massas e a luta de massas; à correlação entre a luta política e a luta económica; ao trabalho nos sindicatos e outras organizações de massas; à questão das alianças; à questão agrária; ao problema colonial; ao internacionalismo proletário; à importância da teoria.

 O Partido Comunista Português, que viria a ser fundado em 1921 como Secção Portuguesa da Internacional Comunista, não esteve, portanto, nesse Congresso. As decisões aí aprovadas, assim como a conhecida obra de Lénine A Doença Infantil do Comunismo: O Radicalismo de Esquerda – publicada naquela altura –, só mais tarde chegam ao seu conhecimento. Num partido recém-formado, inexperiente, e cujos dirigentes, que tiveram o mérito de criar o Partido, não dominavam ainda completamente a teoria revolucionária, as decisões da IC não tiveram imediata aplicação apesar das intenções e preocupações expressas de as aplicar e orientar toda a sua actividade pelos princípios do marxismo-leninismo.

 Só mais tarde, a partir de 1929, com o PCP já na clandestinidade após a instauração da ditadura fascista, é que a reorganização iniciada com Bento Gonçalves na Conferência de Abril traz para primeiro plano o marxismo-leninismo, que vai orientar o Partido na sua acção política, na sua organização, no seu funcionamento e na sua vida interna.

 Mas é a partir da reorganização de 1940-1941, do III Congresso em 1943, na década de 60 (em 1964 – Rumo à Vitória – As tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional, e, em 1965, no VI Congresso – Programa do Partido) que o domínio, a mestria e a criatividade na aplicação da teoria revolucionária e no seu desenvolvimento se tornam mais evidentes, com o papel incontestável, e que nunca é demais destacar, de Álvaro Cunhal.

 Estamos a assinalar o 100.º aniversário do Partido e podemos dizer que o marxismo-leninismo tem sido a bússola segura pela qual o Partido se tem guiado ao longo de um século. E de tal modo a actividade do Partido tem estado indissoluvelmente ligada à teoria revolucionária que ela constitui e é parte intrínseca, inseparável da sua identidade.

 A aplicação criadora do marxismo-leninismo às condições e às realidades concretas do nosso país e da nossa luta explica a justeza e a correcção das análises e das decisões do PCP confirmadas na prática ao longo da sua existência.

 Um dos momentos históricos mais importantes em que isso se verificou foi, indiscutivelmente, na Revolução do 25 de Abril de 1974.

 A Revolução Portuguesa foi a primeira revolução na Europa Ocidental, depois de largas dezenas de anos. Na Europa do capitalismo monopolista de Estado, dos poderosos grupos financeiros, da NATO com as suas bases militares, do Mercado Comum (hoje UE), foi em Portugal, dominado quase meio século por uma ditadura terrorista fascista, dominado pelo imperialismo estrangeiro, detentor de um dos últimos e maiores impérios coloniais do mundo, envolvido em três guerras coloniais, coexistindo com duas outras ditaduras fascistas (Espanha e Grécia), que irrompeu uma revolução. Uma revolução libertadora, de profundas originalidades, que restituiu a liberdade ao povo português e a independência aos povos coloniais, instaurou um regime democrático e transformou radicalmente a sociedade portuguesa.

 Foi no nosso país que em Abril de 1974, e só nesse momento histórico, convergiram todos os factores, objectivos e subjectivos, internos e externos, que definem, segundo Lénine, uma situação revolucionária: a agudização das diferentes e profundas contradições que atravessaram a sociedade portuguesa. O aprofundamento da crise que havia anos minava o regime fascista e acentuava o seu crescente isolamento internacional, o agravamento das condições de vida do povo e o seu crescente descontentamento, expressos no impetuoso desenvolvimento de uma vaga de lutas populares de massas sem precedentes, em convergência com a luta dos povos das colónias portuguesas contra o inimigo comum.

 A nossa Revolução, tal como a definiu o PCP com rigor em 1964 (Rumo à Vitória) e em 1965 (Programa do Partido aprovado no VI Congresso), foi uma Revolução Democrática e Nacional. Uma revolução anti-fascista, anti-monopolista, anti-latifundista, anti-colonialista, que tinha como objectivos:

– a instauração de um regime democrático, a liquidação do poder dos monopólios e a promoção do desenvolvimento económico, a Reforma Agrária na zona do latifúndio, a elevação do nível de vida das massas trabalhadoras e do povo em geral, a democratização do ensino e da cultura, a libertação de Portugal do imperialismo, o reconhecimento do direito à imediata independência dos povos coloniais e uma política de paz e amizade com todos os povos.

 Não foi, não poderia ser, nem o PCP alguma vez o afirmou, uma revolução socialista. Foi uma revolução que na sua etapa democrática teve forçosamente que resolver tarefas da revolução socialista. Como foi o caso, por exemplo, das nacionalizações, do controlo operário, da Reforma Agrária, que surgiram como imperativo para defender a democracia. Nas condições da sociedade portuguesa a democratização da vida política foi inseparável da democratização económica e social.

 Das grandes conquistas do 25 de Abril – nacionalizações, Reforma Agrária, intervenção do Estado em empresas capitalistas, empresas sob gestão pelos trabalhadores – resultou uma situação em que as relações de produção capitalistas eram ainda dominantes mas já não eram determinantes. Quem detinha os principais meios de produção, os sectores fundamentais da economia era o Estado e os trabalhadores. Havia uma situação em que todo o sector não capitalista poderia vir a ser considerado um sector de formação socialista. E a Constituição promulgada em 1976, consagrando as conquistas da Revolução, apontava o rumo do socialismo.

 Nesta situação original viu o PCP a confirmação das teses leninistas sobre a variedade das vias de passagem ao socialismo na época contemporânea.

 O processo revolucionário que se seguiu ao derrubamento da ditadura foi complexo, acidentado, irregular, contraditório, apresentando muitas originalidades.

 Não existiu um poder político revolucionário, homogéneo, mas um poder político compartilhado entre forças políticas de esquerda e de direita com projectos políticos diferentes; não foi completamente destruída a máquina de Estado fascista e construído um  Estado democrático; não existiu uma sólida aliança entre a classe operária e o campesinato; surgiu uma nova aliança, a aliança POVO-MFA, não foi resolvida a questão da independência nacional.

 Nestas condições singulares foi a iniciativa e energia criadora das massas, com a sua organização política de vanguarda – o PCP e as suas organizações de classe: sindicatos e Comissões de Trabalhadores, várias organizações unitárias antifascistas de mulheres, de jovens trabalhadores e estudantes – que decidiram o curso e o ritmo das transformações e das conquistas revolucionárias alcançadas, e que contaram nessa fase com o apoio das Forças Armadas.

 Foram as fragilidades verificadas neste processo que permitiram a alteração da correlação de forças, o avanço da contra-revolução e a viragem à direita do processo revolucionário.

A Revolução de Abril foi, assim, uma revolução inacabada. Houve conquistas derrotadas, há conquistas que permanecem, assim como permanecem vivas no seio das massas os valores de Abril que não deixarão de se projectar no futuro de Portugal.

A Revolução de Abril pôs à prova as análises e conclusões do PCP e as questões avançadas por Lénine no desenvolvimento criador dos legados de Marx e Engels e postos à prova na Revolução de Outubro.

 A nossa base teórica, o marxismo-leninismo, demonstrou a sua validade e actualidade.

 Apesar dos ataques, falsificações e calúnias dos nossos inimigos de classe a teoria revolucionária continua viva e actual a cada dia que passa. (o militante)


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