sexta-feira, 5 de março de 2021

A história desconhecida do PCP . O brasileiro Júlio César Leitão e o Ludgero Pinto Basto tiveram um papel preponderante nos primeiros anos de vida do partido

 

A história surpreendente de um PCP desconhecido

Ainda usando pistolas e bombas, 18 militantes refundaram o PCP em 1929. O molde foi o leninismo, trazido para Portugal pelo brasileiro Júlio César Leitão. O passo seguinte foi abandonar os métodos radicais, após a greve geral de 1934. Uma década decisiva para o PCP, em que se destacaram figuras esquecidas pela historiografia oficial.

No final de 1939, os membros do comité central do PCP, Ludgero Pinto Basto e Francisco Miguel Duarte, são presos juntos, em Lisboa, pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Interrogados, “Francisco Miguel não abre a boca e, inicialmente, recusa-se a assinar os autos, porque não concorda com as perguntas”. Ludgero Pinto Basto nega as acusações de ser dirigente do PCP, afirma que apenas conhece Francisco Miguel e perante as perguntas passa a responder: “O meu partido não me autoriza ..

A história surpreendente de um PCP desconhecido


Por São José Almeida

Ainda usando pistolas e bombas, 18 militantes refundaram o PCP em 1929. O molde foi o leninismo, trazido para Portugal pelo brasileiro Júlio César Leitão. O passo seguinte foi abandonar os métodos radicais, após a greve geral de 1934. Uma década decisiva para o PCP, em que se destacaram figuras esquecidas pela historiografia oficial

No final de 1939, os membros do comité central do PCP, Ludgero Pinto Basto e Francisco Miguel Duarte, são presos juntos, em Lisboa, pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Interrogados, "Francisco Miguel não abre a boca e, inicialmente, recusa-se a assinar os autos, porque não concorda com as perguntas". Ludgero Pinto Basto nega as acusações de ser dirigente do PCP, afirma que apenas conhece Francisco Miguel e perante as perguntas passa a responder: "O meu partido não me autoriza a responder a isso."

Foi o momento de inversão de comportamento perante a polícia política assumido pelos militantes e dirigentes comunistas. Até então e durante a década de 30 do século XX, era comum os dirigentes do PCP, quando presos, exporem a organização do partido, explica ao PÚBLICO Arnaldo Madureira, que relata o episódio com pormenores que não inclui na obra que agora lança, Os Anos Esquecidos do PCP - A Refundação do Partido Comunista Português - 1929-1939. O livro "resulta de décadas de investigação", refere, explicando que "tinha feito três livros sobre anos 30, o último sobre a Guerra de Espanha", e constatou que "tinha muita informação, acumulada ao longo da vida, sobre o PCP".

O resultado é uma obra inédita, recheada de novidades, que traz à luz do dia e ao presente a vida de figuras ímpares, revela nomes não conhecidos que foram decisivos, mas ajuda também a desfazer mitos, indo mais longe do que já foi escrito por Pacheco Pereira, na obra Álvaro Cunhal - Uma Biografia Política. Madureira fá-lo com base em fontes documentais como o arquivo da PVDE, o Arquivo Histórico-Militar (os crimes políticos eram julgados em tribunal militar até 1945), os arquivos do Ministério do Interior (que recebia relatórios e informações sobre segurança do Estado de todo o país).

Logo na capa, o autor inclui uma citação de Álvaro Cunhal: "É de 1929 até 1940 que o Partido se organiza para a luta clandestina. É um período particularmente rico, com êxitos importantes e também com contradições e derrotas." E Madureira acrescenta ao PÚBLICO: "A polícia política e a Legião estavam infiltradas no PCP. Quem é preso fala, há um clima de calúnia, de desconfiança. Mas o nascimento do PCP é em 1929, quando a polícia política pensava que o tinha liquidado."

O brasileiro que faz o PCP

É em 1928 que chega Lisboa Júlio César Leitão. "Era um barbeiro brasileiro, fundador do PC no Brasil e que é expulso do seu país. É ele que cria em Portugal o verdadeiro PCP, com um tipo de organização que se mantém até hoje." É uma personagem desconhecida e que a historiografia oficial do PCP não refere, salienta Arnaldo Madureira, frisando a sua importância. "Quando foi preso, em 1932, a polícia política sabia tudo sobre ele. Foi barbaramente agredido. Nunca mais se falou sobre ele. Não regressou à vida política, morreu politicamente."

Preso na Fortaleza de S. João Baptista, nos Açores, beneficia, em 1933, da "amnistia que solta todos os comunistas, alguns deles não voltam à luta". Júlio César Leitão é um deles e vai viver para Moçambique". Mas a sua marca ainda hoje perdura no PCP. Quando adere ao partido, convence Bento Gonçalves e outros comunistas como José de Sousa a realizarem um congresso para reorganizar o partido. O congresso realiza-se com 18 militantes num terreno da Amadora, onde hoje existe o Bairro da Mina.

Nesta reunião refundacional, Júlio César Leitão faz aprovar uma nova organização e estrutura partidária, em pirâmide, constituída de baixo para cima por células, comités de zona, comités regionais e comité central. É a base do que ainda hoje é a organização e o centralismo democrático do PCP. O primeiro comité central executivo saído do congresso da Amadora era constituído por Bento Gonçalves, Júlio César Leitão e o espanhol Manuel Preciado.

É este PCP reorganizado, tendo Bento Gonçalves como secretário-geral, que se assume como a secção portuguesa da Internacional Comunista (Comintern). Nascem então outras organizações comunistas dependentes do PCP: a Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas (FJCP), a Intersindical e a Comissão do Socorro Vermelho Internacional. Eram secções portuguesas das congéneres internacionais, comandadas por Moscovo, mas dependentes do PCP, sublinha Madureira.

Os militantes e dirigentes "eram poucos, vinham dos anarquistas, dos socialistas, da maçonaria", mas passaram a usar pseudónimos, por razões de segurança. Surge também o funcionário, militante que era pago pelo PCP para ter actividade política exclusiva. "As reuniões continuam a ser na rua, jardins e parques, mas algumas mais importantes em sedes de sindicatos da Intersindical ou em casas de militantes."

Madureira faz questão de contextualizar que esta década foi "particularmente violenta em toda a Europa, floresceram os autoritarismos e os totalitarismos, e também em Portugal, por exemplo, Rolão Preto criou brigadas de choque; é uma época em que há confrontos violentos de comunistas com legionários e com a polícia". Daí que muitos dos métodos se mantenham. Os dirigentes e os militantes do PCP "usam pistola e recorrem a bombas", práticas de combate que "vinham da República, de organizações como a Legião Vermelha, dos anarquistas, dos republicanos radicais". Serão postos de lado, "em 1934, devido ao insucesso da greve geral", organizada pelos anarco-sindicalistas a que o PCP adere.

"Bento Gonçalves era contra estas práticas e Manuel Quirino, que volta de Moscovo, traz ordens para que não sejam usadas." A falhada greve geral é decisiva num outro plano, destaca Madureira. "A partir de 1934, o PCP arrasa os anarco-sindicalistas. Os anarquistas tinham organização superior aos comunistas", mas a partir daqui "não se recompõem".

Esta viragem no PCP foi protagonizada na disputa entre dois dirigentes: o secretário-geral, Bento Gonçalves, que "era um intelectual", era "defensor de greves parciais que culminassem numa grande manifestação", e José de Sousa, que tinha sido anarco-sindicalista. "É a ele que se deve o facto de PCP ter o mesmo modus operandi dos anarquistas". E Madureira garante: "Bento Gonçalves não queria, mas José de Sousa tinha mais força no aparelho partidário, era muito popular e levou o PCP a apoiar a greve geral convocada pelos anarco-sindicalistas. Foi uma das grandes figuras do PCP nesta década."

No início dos anos 30, o PCP adopta assim uma organização de tipo leninista. Mas "a polícia andava a navegar, pensava no PCP em termos de 1921, tanto que Bento Gonçalves, já como secretário-geral, é preso, diz que perfilhava ideais comunistas, mas não era do partido, e é solto". Esta situação mantém-se até que, "em final de 1931, é preso o dirigente da FJCP, natural da Checoslováquia, Bernard Freund, que usava o pseudónimo de René". Chegara a Portugal em 1929 e, a convite de Bento Gonçalves, participa na reunião que funda a FJCP, integrando o seu primeiro comité central executivo, em Maio de 1930.

"René era importante na organização dos jovens comunistas e acaba por ser o coveiro das organizações comunistas, preso com o arquivo da FJCP, entregou tudo o que sabia, contou tudo, fez a radiografia interna da Intersindical, da FJCP, do SVI e do PCP", afirma Madureira. E acrescenta: "A partir de René todos falam. A polícia política não hesitava em usar violência e conhecia já as organizações comunistas."

Um dos muitos que René denunciou foi Armando José de Sousa Soares primeiro-sargento-cadete da Escola de Guerra, responsável pelo bureau militar da FJCP. "Preso em 1931, não volta à política, estudará Medicina, ficando conhecido como médico pelo nome Ducla Soares", revela Madureira. Considera que "Ducla Soares tem um papel importantíssimo. É quem mais depressa sobe na hierarquia do PCP. Entra aos 19 anos no PCP e sobe logo no comité central com tarefa de criar a estrutura militar. Foi René quem o filiou e depois o denuncia".

Mitos e realidades

Conhecedor do PCP nesta década, Madureira faz questão de salientar dirigentes que então foram importantes. Além de Ludgero Pinto Basto, como "grande militante durante toda a década de 30", destaca Cansado Gonçalves. "Portou-se bem, foi um importante dirigente, falou na cadeia como quase todos, mas foi insultado sem razão no Avante!, depois de ser expulso." Tudo porque, em 1938, por discordar de orientações seguidas, decidiu abandonar a direcção, na qual substituíra Pavel, como secretário-geral. Não voltará à política e anos mais tarde vai viver para Moçambique, assinando "a declaração de aceitação do regime".

Outra figura importante é Velez Grilo, que "teve uma ascensão meteórica, repentinamente está no comité central da FJCP e no do PCP, mas era conflituoso e pouco cuidadoso", sublinha Madureira, e terminará por "aderir ao salazarismo".

Menos elogiosa é a apreciação que Arnaldo Madureira faz de Pavel, pseudónimo de Francisco Paula de Oliveira Júnior. "Foi um homem de grande actividade, mas terrível, perseguia dirigentes como Manuel Francisco Roque Júnior, a quem acusa de ter delatado Bento Gonçalves, José de Sousa e Júlio Fogaça", quando estes foram presos em 1935. Roque Júnior foi expulso, mas nos arquivos da PVDE vê-se que todos falaram, incluindo Pavel", garante, frisando que "Pavel, nas prisões de 1933 e de 1938, contou tudo o que sabia, com as responsabilidades que tinha de ser do secretariado do comité central". E conclui: "Não sei se a forma como Moscovo o tratou aquando da segunda fuga e o abandona em Paris não terá sido porque teve informação de que ele falara tudo na prisão."

 Depois do início da Guerra de Espanha, "o PCP tem grande expansão, como não voltou a ter antes do 25 de Abril, mas a partir de 1938 é o descalabro. Estava infiltrado pela PVDE e pela Legião Portuguesa e falam todos assim que são presos", destaca Madureira, afirmando que então a PVDE "volta a acreditar que tinha extinguido o PCP, uma ideia que é reforçada, em Maio 1940, com a prisão de Álvaro Cunhal e de Carolina Loff da Fonseca, em conjunto".

  Prima do dirigente do PCP Álvaro Duque da Fonseca, Carolina Loff foi a primeira mulher a integrar o secretariado do comité central, em 1932. No julgamento o secretário-geral da PVDE, "José Catela, declara que Cunhal se comprometeu a não voltar à actividade política, mas não assinou a declaração. Carolina Loff assinou e não voltou de facto" - na cadeia apaixona-se pelo agente da PVDE Júlio Almeida, com quem viverá.

 Sobre Cunhal o autor considera que "nos anos 30 não foi um grande militante". Em 1935, sobe ao comité central da FJCP e do PCP. Vai a Moscovo ao congresso das juventudes comunistas [1936], estando fora do país também vários meses em Espanha. Além de períodos no estrangeiro, "em 1937, esteve preso após o atentado ao Salazar". Em 1939, cumpriu o serviço militar. "Cunhal não deu aulas em Penamacor, esteve lá dois meses e vê-se na correspondência com o pai, que foi apreendida pela polícia política, quando o prendeu em 1940, que estava saturado e nunca se integrou", afirma. E garante: "Na época, Cunhal é sobretudo um intelectual, escreve em revistas." (fonte)

100 ANOS DO PCP A vida de um partido que se cruza com a história do país

Da afirmação do comunismo à clandestinidade imposta pelo Estado Novo, passando pelo entusiasmo do 25 de Abril e pelo choque do fim da União Soviética, foram vários os momentos em que o PCP marcou a história política e social do país e do mundo. 

 A 6 de março de 1921, reunidos na sede da Associação dos Empregados de Escritório, em Lisboa, vários militantes do sindicalismo revolucionário e do anarco-sindicalismo elegem a direção do Partido Comunista Português (PCP), depois de várias reuniões iniciais. Dava- -se assim o pontapé de saída para a formação do partido mais antigo em Portugal e um novo impulso à consciencialização política dos trabalhadores. Produto do ambiente de radicalização no pós-Primeira Guerra Mundial, o PCP afirmou-se como o partido do proletariado contra a “exploração capitalista” e deu eco à ortodoxia marxista-leninista, que nunca abandonou. A completar 100 anos de existência, é o mais resistente partido comunista da Europa, com marca indelével na história recente do país. Formado quatro anos após a revolução russa ter derrubado a monarquia e instituído um novo regime com o partido bolchevique de Lenine, o PCP assumia “a transformação radical da sociedade capitalista em sociedade comunista” como “objetivo supremo”. Um século depois, o objetivo mantém-se. Mas o PCP começou por ter uma estrutura política semelhante à dos partidos apelidados de “burgueses” e, mesmo depois da adesão ao Comintern (ou Internacional Comunista) em 1922,

a escolha de Carlos Rates para primeiro secretário-geral não foi a mais certeira. Quatro anos depois de ser escolhido, Rates foi expulso do PCP por ter aceite uma proposta de 1.000$00 mensais para ser 
redator do jornal “O Século”, o que foi visto como incompatível com o cargo de principal dirigente do partido. Pouco tempo depois, descrente da causa comunista, aderiu à ditadura militar e, mais tarde, ao Estado Novo. É no contexto da ditadura militar e do aparecimento das primeiras organizações de índole fascista, que o PCP enfrenta um dos maiores desafios da sua história: a clandestinidade. É ilegalizado no final dos anos 20 e começa a perder força e eficácia. Em 1929, um pequeno grupo de 15 militantes reúne-se para organizar o PCP na clandestinidade. Bento Gonçalves, jovem operário do Arsenal, teve nesta fase um papel decisivo. Conseguiu fazer a ligação entre a classe operária e o PCP e transformou-o num partido leninista, com a ajuda de um barbeiro brasileiro, doutrinado nas ideias marxistas, chamado Júlio César Leitão. Desenvolveu-se a imprensa clandestina e a luta contra a “exploração” ganhou um novo impulso. Com a chegada de Salazar ao poder e a implantação do Estado Novo em Portugal, o esmagamento da oposição ganha força e o comunismo passou a ser visto como “a grande heresia” e principal “inimigo” do regime. Ainda assim, o PCP foi a mais resistente força na oposição ao Estado Novo até à Revolução dos Cravos de 1974. Vários militantes comunistas foram presos, torturados e assassinados. Com a morte de Bento Gonçalves em 1942, no Tarrafal, a história do PCP passou a ser a história de Álvaro Cunhal. Foi até à data, o secretário-geral do PCP que esteve mais tempo em funções (31 anos).Destacou-se por participar na reorganização do PCP nos anos 40, na célebre “fuga de Peniche” e por ser o rosto do partido no pós-25 de Abril e no culminar de décadas de resistência. Com a revolução, o PCP surge como partido de massas e Álvaro Cunhal (regressado do exílio) integra os I, II, III e IV Governos provisórios. Mas o entusiasmo pós-revolução sofreu o primeiro abalo com o resultado das eleições para a Assembleia Constituinte (12%) e os acontecimentos de 25 de novembro de 1975. Nos anos que se seguiram, o PCP diz que se desenvolveram “planos escalonados no tempo com vista à criação dos instrumentos de poder e um sistema de alianças destinados a liquidar as grandes conquistas democráticas e a reverter a natureza do regime democrático”. Com a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, em 1991, iniciou-se aquilo a que se chamou de “declínio irreversível” dos partidos comunistas. Na Europa, assistiu-se à implosão dos partidos comunistas de Itália, Grã-Bretanha, Rússia e da antiga Checoslováquia, e o comunismo passou a ser uma força residual em França, Alemanha e Espanha. Em Portugal, o PCP rejeitou as teses do “fim do comunismo”, mas é certo que desde então o partido nunca mais conseguiu superar a barreira dos 10%. Vários militantes desfiliaram-se e o PCP foi obrigado a reafirmar a sua identidade. Contrariamente ao que aconteceu noutros países, manteve a sua linha programática e, desde então, tem mostrado ser o partido comunista mais combativo da Europa.

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