sexta-feira, 12 de março de 2021

Antigos dirigentes recusam-se a ficar de fora do centenário do partido e dizem-se preocupados com o caminho do PCP

 

Renovadores alertam para declínio do PCP

 Porque, em determinada altura, “estiveram envolvidos até ao sangue no PCP”, um grupo de antigos quadros e dirigentes comunistas lançou um abaixo-assinado apelando a uma mudança da estratégia do partido que evite o progressivo declínio político. “A não ser corrigida” a atual trajetória, o PCP “arrisca-se a um inexorável definhamento que desprotegeria a luta dos trabalhadores, enfraqueceria a aspiração pelo socialismo e abriria a porta ao avanço da direita”, lê-se no texto, assinado por mais de quatro dezenas de antigos quadros. Carlos Brito, Domingos Lopes, Paulo Fidalgo ou Cipriano Justo são alguns dos subscritores e agora organizados no movimento Renovação Comunista. “É um conjunto de pessoas que participou nas história do PCP e que está preocupado com o atual declínio eleitoral”, diz Domingos Lopes. “O PCP não tem rumo nem uma estratégia  percetível e achamos que, a continuar assim, corre o risco de declinar e de se tornar irrelevante", acrescenta Paulo Fidalgo, presidente da Renovação Comunista. Domingos Lopes pertenceu ao PCP durante 40 anos, foi membro do comité central, dirigente e responsável pelo departamento internacional do partido. Paulo Fidalgo, foi dirigente da comissão de saúde do PCP e fundador do sindicato dos médicos da zona sul. Tal como Carlos Brito, alto-dirigente do PCP na clandestinidade e líder da bancada comunista no pós-25 de abril, nenhum dos antigos militantes é referido em nenhum dos documentos que assinalam o centenário do partido. E os renovadores não abdicam do seu papel. “Não era legítimo que as celebrações ficassem restritas à atual direção. O ideal comunista é partilhado por mais gente”, diz Paulo Fidalgo. “Nós estivemos lá, demos o nosso melhor, era impossível ficarmos calados”, diz Domingos Lopes. Os anos de militância partidária que deixaram para trás servem de justificação para o abaixo assinado: “É um imperativo ético, político e ideológico tomar posição face a este declínio do partido.” O antigo dirigente apela “à coragem de outros tempos” para que os comunistas “não arrisquem deixar o povo português sem o PCP”. “É preciso inquietar a base militante”, diz Paulo Fidalgo. Domingos Lopes acrescenta que “é necessário dizer: cuidado e coragem de dizer ‘não vão por aí, porque o atual caminho não vai dar a lado nenhum’. Se não houver essa coragem, a história não nos perdoará”, lê-se no manifesto. Na lista de subscritores do texto consta ainda Maria Augusta de Sousa, ex-bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Carlos Ramildes, que fez parte da comissão política do PCP ou Paulo Sucena, antigo dirigente da Fenprof. (Expresso)

José Pacheco Pereira, quer ter acesso aos arquivos do PCP

Investigadores escrevem ao PCP a pedir acesso ao arquivo secreto Grupo inclui Pacheco Pereira e Arsénio Nunes, historiador comunista.

 


Em cinco anos de clandestinidade, o casal de artistas tornou-se especialista na falsificação de documentos para outros camaradas clandestinos. Por volta de 1960, José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha receberam nova missão, tão secreta quanto as outras, mas fundamental para o futuro: a preservação em fotogramas, tipo microfilme, de um dos tesouros do partido — uma parte do arquivo da organização clandestina do PCP. Num pequeno estúdio fotográfico cumpriram a tarefa até José Dias Coelho ser assassinado a tiro pela PIDE, em dezembro de 1961. Hoje, sabe-se que um desses microfilmes, que esteve escondido até ao 25 de Abril, se deteriorou. Outro estará nos arquivos do PCP. Mas “nunca ninguém viu o que eles microfilmaram”, diz ao Expresso o historiador João Madeira. Ninguém fora do partido. O arquivo secreto do PCP, com notas de reuniões, relatórios da clandestinidade, parte do espólio desaparecido da PIDE e um manancial de objetos, é o ‘santo graal’ dos investigadores do comunismo português cujo partido está a comemorar os 100 anos desde o dia 6 de março. É tão secreto, guardado por uma casta de dirigentes históricos (como atualmente será Domingos Abrantes), que nem os especialistas arriscam certezas quanto à sua localização — estará na Quinta da Atalaia? — e são raros os que já lhe tiveram acesso alargado, mesmo os militantes académicos. Exatamente a propósito das comemorações do século do PCP, um grupo de cinco historiadores vai divulgar um abaixo-assinado, cujos termos foram combinados ao longo desta semana, a pedir ao partido para definir regras de consulta da documentação: a ideia surgiu num debate virtual promovido no sábado passado pela Fundação Mário Soares, moderado pela historiadora Fernanda Rolo, com a participação de José Pacheco Pereira Fernando Rosas, João Madeira e João Arsénio Nunes (que é militante do PCP). Contactado pelo Expresso, o PCP não comenta por ainda não ter conhecimento da carta. “O que lá está não se sabe, presume-se”, diz José Pacheco Pereira, que está a preparar o quinto volume da biografia de Álvaro Cunhal. “Na parte que estou a trabalhar, a dada altura refere-se que Octávio Pato mandou um relatório para Paris sobre os primeiros dias do 25 de Abril. Era importante conhecê-lo”, aponta o historiador. Mas este é só um exemplo. “Há várias zonas de incomodidade”, acrescenta Fernando Rosas, especialista em História do século XX. E aponta outros ângulos mortos: “Está pouco esclarecido o período da fundação do partido, em 1921, até à ‘reorganização’ em 1940/41, onde emerge Cunhal. Foram anos sob a influência do anarco-sindicalismo, com muita divergência interna.” Ou depois a fase de 1940 a 1945, “em que há dois jornais ‘Avante!’ e dois PCP”. O próprio João Arsénio Nunes, 72 anos, militante comunista e investigador no ISCTE — que se dedicou sobretudo a estudar essa fase antes da reorganização —, admite ao Expresso que só teve contacto direto com o arquivo em 1990/91, quando consultou documentos sobre a relação do PCP com a Internacional Comunista. “Eram cópias à mão, feitas pelo Carlos Aboim Inglez nos anos 70, quando tinha vivido na URSS”, uma coisa “relativamente magra”, comparado com a documentação a que nos anos seguintes havia de aceder no arquivo de Moscovo onde estão documentos do Komintern, a Internacional Comunista — os originais. Pela mesma altura, início dos anos 90, o historiador João Madeira pediu acesso aos arquivos do partido, para a sua tese de doutoramento, e queria consultar parte da coleção do jornal “O Militante” na clandestinidade. Fez o pedido. O partido disse-lhe que tinha de “indicar em concreto os assuntos em que estava a trabalhar, para que eles próprios escolhessem as edições”, mas o investigador estava a fazer uma análise mais extensiva e isso não lhe servia. Apesar de tudo, o PCP já foi mais fechado. Depois de ter começado a publicar a biografia de Cunhal, Pacheco Pereira também conseguiu os seus avanços. “Eu sei que ninguém teve a lata de pedir isto”, disse ao dirigente com quem falou. “De facto ninguém teve essa lata”, terá respondido o comunista. “E vieram pela primeira vez algumas coisas”, conta o fundador do arquivo Ephemera. Embora os outros quatro historiadores desejassem um acesso ao arquivo do PCP à imagem do que acontece com outros fundos (como no PC espanhol ou francês), Arsénio Nunes divide-se: “Como historiador, gostava de ter o máximo acesso. Como comunista, se tivesse responsabilidades políticas, punha restrições a zonas que correspondessem a atividades na clandestinidade e que envolvessem pessoas ainda vivas.” Resta saber como responderá o PCP.
(expresso)

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