O Bispo Resende da Beira- A Denúncia da Ditadura e do Colonialismo
O primeiro Bispo da Beira, foi o prelado português que mais interveio no Concílio Vaticano II.
Corria o ano de 1944, recém-chegado a Moçambique, o Bispo Resende denuncia: «Impera na Beira a escravatura.». O bispo que bateu o recorde de intervenções no Vaticano II e aproveitou o concílio para condenar as ditaduras e o colonialismo.
Em 1940, a Igreja Católica assina com o Estado português a Concordata e o Acordo Missionário. Daí resulta a criação de novas dioceses no Ultramar. Três anos depois da criação da diocese pelo Papa Pio XII , Roma nomeia primeiro bispo da Beira o cónego Resende, então com 37 anos. Mal supunha este prelado que tipo de África colonial iria encontrar, «Uns baldios da Europa», na expressão de Salazar
Chega a 30 de Novembro de 1943. Ficou-lhe na memória aquela brisa, pela tarde, no Macúti, depois dos cumprimentos formais ao governador e ao presidente da Câmara da cidade, transformava-se de professor reservado e austero no Bispo missionário, próximo e aberto à condição humana. Tem agora pela frente 1 milhão e 700 mil pessoas. Os católicos nativos são pouco mais de 32 mil. Os europeus não chegam aos 4 mil.
Os primeiros contactos no terreno impõem à consciência do prelado a opção por condições exequíveis a fim de fazer avançar um projecto evangelizador. Tornava-se, para isso, imprescindível recrutar mais braços. Da metrópole chegavam poucos, restava a alternativa a missionários estrangeiros. Os padres de Burgos e os padres Brancos são os que respondem em maior número. Serão também eles que, mais tarde, já na agonia do regime colonial, em 1974 serão acusados e expulsos por “subversão”.
A criação de novas missões e de estruturas de apoio às populações indígenas foi outra prioridade. Resende deixou, no seu «diário», recados «As autoridades portuguesas querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga».
A escrita foi a arma de que se serviu o Bispo: publicou quinze Cartas Pastorais que atormentaram a PIDE e os poderes estabelecidos, mas também membros do episcopado. Foram particularmente incisivas as pastorais de 1948 e 1949, intituladas «Ordem comunista» e «Ordem anticomunista»; «Hora decisiva de Moçambique» de 1954 e «Moçambique na Encruzilhada» de 1959. Completaram as Cartas Pastorais as suas intervenções na imprensa, sobretudo na Voz Africana e no Diário de Moçambique, este criado por ele próprio, no Natal de 1950.
Escreveu no «diário» pessoal: «Um jornal é mais importante que três ou quatro missões». Tudo está em ele ser bem feito.» A PIDE, impôs, por três vezes, o encerramento do jornal. Um dos meios utilizados para a evangelização foi ainda a Rádio Pax, da responsabilidade dos missionários franciscanos.
O bispo não suportará por muito tempo o «ensino rudimentar», de dois anos, destinados às populações indígenas, tendo como disciplinas obrigatórias a Língua e a História de Portugal. Salazar defendia que a «portugalização» se faria deste modo. Resende preconizava, ao contrário, uma «educação igual e geral para todos, quer fossem indígenas ou europeu... O bispo reclamava na carta pastoral «O Padre Missionário» que a instrução aperfeiçoa o homem e a catequese forma o cristão.
O «Estatuto do Indígena» era o que mais afligia o Bispo. As relações laborais desenvolvidas pelos brancos defendiam a tese de que os negros estavam destinados ao trabalho pesado nas colónias. Na Beira, a escravatura morava no algodão. «Nós cá dentro continuamos a vender pretos e a escravizá-los ao algodão», obrigando-os a fazer trabalhos debaixo de pancadaria, e isto é incrível e espantoso.
Adriano Moreira, membro do governo de Salazar é o que melhor compreende as angústias do Bispo da Beira. O antigo ministro andará de braço dado com o Bispo para a instauração do ensino técnico, politécnico e superior. Em Agosto de 1962 são criados os Estudos Gerais de Moçambique e de Angola, integrados na universidade portuguesa.
O Bispo tinha a convicção de que, num futuro próximo, aquela colónia caminharia inevitavelmente para a autodeterminação e mesmo para a independência: «Moçambique tem os seus direitos e uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros e brancos a governar.»
Conhecedor da doença que o atormentava e que o obrigou a percorrer alguns países, já na fase terminal, um testamento através do qual pede perdão a todas os colaboradores e habitantes da diocese, cristãos e não cristãos.
São eloquentes as palavras sobre o seu funeral: «Gostaria que, em algum trajecto, os cristãos africanos pegassem ao meu caixão. Desejaria também que fosse sepultado na principal via interna do cemitério que fosse mais calcada pelos visitantes, em simples campa rasa e com uma pequena pedra por cima, em que se inscreva somente: “Sebastião, primeiro bispo da Beira.” Aí ficarei e aí esperarei a ressurreição da carne, para o juízo final.» O cancro levou-o com sessenta anos de vida e um quarto de século como Bispo missionário.
Dírio Ramos colabora ocasionalmente com o jornal PRAVDA
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